X Jornada CELPCYRO

img banner

Informe CELPCYRO

Cadastre-se e receba nosso INFORME
Nome
E-mail*
Área de Atuação

Redes Sociais

  • Twitter
  • Windows Live
  • Facebook
  • MySpace
  • deli.cio.us
  • Digg
  • Yahoo! Bookmarks

Mostra localização

obra completa Sobre Cyro Martins Estante do autor



Do mito à verdade científica* - Cyro Martins  E-mail
Estante do Autor - Artigos

 

 

 

Do mito à verdade Científica

.............................................................................................................................................

Os procedimentos curativos dos sacerdotes-médicos de Esculápio não se diferenciavam muito dos do feiticeiro dos povos primitivos, apenas eram mais suaves. Nessas espécies de sanatórios "belíssimos edifícios de pedra com peristilos sombreados, alamedas de oliveiras e grandes pátios com fontes" — executavam-se rituais de cura, cujos efeitos raiavam muitas vezes pelo milagre. Era a sugestão que curava. Dentre os segredos do universo, o que sempre mais cativou a curiosidade do homem foi o da sua própria essência. Mas paralelamente ao fascínio pelo mundo interior, andou e continua andando o temor de levantar os véus que encobrem esse mistério. Assim, se não fossem as doenças, e em especial as doenças mentais, possivelmente o homem não se tivesse obrigado a conhecer-se a si mesmo.

O primitivo, projetando seus próprios impulsos, que eram bons e eram maus, povoou o mundo de seres imaginários, feitos à sua imagem e semelhança. Espíritos benéficos e demônios regiam os fenômenos da natureza e o destino das criaturas. Em consequência, para o primitivo, toda doença era mental, no sentido de que era espiritual, provocada por "espírito". Seus sistemas de cura consistiam em atitudes, gestos, ameaças, imprecações, capazes de assustar e desalojar do corpo do paciente o espírito causador do mal. O advento do monoteísmo não alterou a concepção médico-psicológica dos povos primitivos. Assim, para a "psiquiatria bíblica" as doenças mentais encontravam sua causa na ira do Senhor.

Para os hindus, que possuíam um sistema médico detalhado e completo, as enfermidades mentais permaneciam sob o domínio da metafísica sacerdotal.

Muitos séculos transcorreriam até que surgisse o primeiro homem que, como médico, iria assumir uma atitude racional em face da doença e do doente. Esse, foi Hipócrates, saído das filas dos sacerdotes-médicos cultores dc Esculápio. Apesar de sua origem, o gênio o guiou para que fosse uma das culminâncias intelectuais do seu século, ue se iniciou com Tales, continuou com Anaxágoras, culminou com Sócrates, Platão e Aristóteles, Ésquilo e Sófocles, pode ser sintetizado pelo nome de Péricles e passou à história como o século mais brilhante da Grécia. Hipócrates introduziu um novo sistema de estudar enfermidades, declarando-se desconforme com a teoria sobrenatural das doenças e sustentando que estas se originavam no próprio corpo do paciente e que tinham, portanto, uma origem natural. Assim, conceituava que a epilepsia não era nem mais nem menos sagrada que qualquer outra doença e que provinha, como as demais, de uma causa natural. A importância de Hipócrates consistiu, sobretudo, no empenho que pôs para separar a Religião da Medicina e em incorporar a esta o tratamento das enfermidades mentais. Na etiologia destas, destacava diversos fatores: alterações anatômicas do cérebro, ação de humores corporais e também os estados emotivos. Entretanto, a sua terapêutica era precária, ainda de procedência sacerdotal. Quanto à histeria, não a concebia como enfermidade mental, senão como um achaque físico próprio das mulheres, ocasionado pelos deslocamentos do útero, considerado órgão migratório.

Mas nem todos os médicos da era greco-romana se conformariam com a terapêutica de Hipócrates. Celso e Ramam recomendavam "trabalhar sobre a mente". E é significativo que no Prometeu, de Ésquilo, um personagem proclame: "Não sabes então, Prometeu, que as palavras são os médicos de um ânimo perturbado?"

Areteus procurava adaptar-se às distintas peculiaridades de cada paciente.

Com o Cristianismo, a cura por meio de amuletos e encantamentos foi substituída pela cura por meio da palavra. E os apóstolos fundavam sua popularidade curando possessos com as falas sagradas.

Posteriormente a Igreja avocou a si o direito e o poder exclusivo de exorcisar o diabo causador de sofrimentos. Os espíritos malignos foram substituídos pelo demônio. A Psicologia Médica outra vez deixou de existir, mas as psicoses e as neuroses aumentaram. Trasnformada a Psiquiatria em Demonologia, em lugar dos sitomas das doenças mentais, estudavam-se sinais da possessão demoníaca.

A reação contra a Demonologia começaria com Paracelso (1493-1541), que foi o primeiro a atacar a superstição e o autoritarismo clerical da Idade Média, no referente à Medicina, tendo, inclusive escrito um livro sobre doenças mentais. Rechaçou a Demonologia e afirmou a causa natural dos distúrbios mentais, atribuindo-os a alterações insalubres sofridas pelo espírito vital. Mas a influência maior de Paracelso no desenvolvimento da Psicologia Médica haveria de efetivar-se através de caminhos obscuros, os caminhos da tradição popular, que tiveram origem na sua crença delirante nas propriedades curativas do ímã.

Posição semelhante à de Paracelso contra a Demonologia, assumiu Cornélio Agripa, sábio, alquimista e filósofo (1486-1533).

Mas a luta de oposição à crença na ação morbígena de Satanás continua. Em 1665 Reginald Scot publicou uma obra na qual sustentava que os pactos e contratos das bruxas com os diabos não passavam de imaginações. Mas foi John Weyer, discípulo de Agripa, que demonstrou, com argumentos clínicos, a falácia da Demonologia. Foi o primeiro médico que se interessou intensamente pelas doenças mentais, separando a Psicologia da Teologia, e o conhecimento empírico do espírito humano, da fé na perfeição da alma. Destaca-se o desassombro de John Weyer, porque os médicos em geral eludiam esses terríveis problemas, temerosos da reação da Igreja. Não obstante, pouco a pouco a valorização dos afetos se ia afirmando na consideração causal da histeria. Assim, em 1615 Charles Lepois sustentava que o papel do útero tinha terminado e que eram os nervos que dominavam a cena, tal como o demonstravam os fatos e a experiência. Logicamente, tais ideias suscitaram violentas controvérsias, até que obtiveram o apoio consagrador de Sydenham  que granjearia o justo apreço de seu mérito por parte de Briquet. Hoffman e Roulim, na segunda metade do século xvIII, afirmariam a existência da histeria masculina.

Mais alguns anos e entraria no cenário da história da cura mental a figura singular de Franz Anton Mesmer. Nasceu, em 1734, estudou Teologia, Filosofia, Medicina e Música, tocando apreciavelmente piano e violoncelo. Tendo-se casado com a viúva dum Conselheiro da Corte, "senhora de mais de trinta mil florins", sua casa nos arredores de Viena era um refúgio de artistas, frequentada nada menos que por  Haydn, Mozart e Beethoven, entre outros. Um dia tem a sua curiosidade atraída pela história, narrada talvez em tom anedótico, que lhe conta um amigo, o padre jesuíta Hell, o qual, por ser astrônomo, fora procurado por uma forasteira que estava de passagem em Viena, com o fim  de obter dele um pedaço de ferro imantado, cortado de molde a poder ser levado com comodidade sobre o epigástrio, pois esse era o seu infalível remédio para as cãibras de estômago de que sofria. Mesmer, usando o mesmo método, obteve êxito num caso. Acreditou que o fluído magnético, passado através do metal, havia revivificado os tecidos. Pensou haver encontrado a energia magnética através da qual os homens entram em contato com os corpos celestes. Nessa base, criou toda uma teoria e passou o resto de sua vida tentando adaptar os fatos às suas hipóteses. Intentou e logo acreditou haver transmitido a propriedade magnética a objetos, a árvores, à água do seu açude, aos sons do seu violino. Quando tocava em seus pacientes, estes se encolhiam e tremiam violentamente. Para ele, a crise significava a passagem do magnetismo pelo corpo. Sem crise não havia cura. E logo verificou que, mesmo sem nenhum objeto imantado em suas mãos, transmitia o fluido planetário. E posteriormente comprovou que podia prescindir de tocar no paciente, bastando a sua simples presença para curá-lo. Em face de certos fracassos, porém, estabeleceu a necessidade de confiança e crença no médico por parte do paciente para que este se beneficiasse com o tratamento. A este laço afetivo denominou "rapport". Apesar disso, Mesmer não pôde compreender a natureza de sua ação curativa e seguiu aferrado à teoria magnética. A imaginação não desempenhava para ele nenhum papel. Se tivesse percebido que sua influência não era física, mas sim mental, esta sugestão era o que curava, teria compreendido o que lhe passava.

Naturalmente, não nos seria possível seguirmos aqui toda a trajetória novelesca de Mesmer, com suas vitórias, suas quedas e o seu final melancólico. A história que nos interessa neste momento é a da psicoterapia.

Estava destinado, porém, a um continuador de MESMER, o Marquês de PUYSÉGUR, o descobrimento de um fenômeno psicológico que teria importância fundamental na gênese da Psicanálise. Certa vez um paciente caiu adormecido em seus braços. PUYSÉGUR lhe ordenou que levantasse, abraçasse o olmo que havia em frente à sua casa e despertasse. Assim sucedeu. Interrogado, o paciente nada soube dizer do que se lhe tinha passado. Este é o primeiro caso conhecido, na literatura médica, de sono hipnótico.

As investigações continuaram. Realizaram-se operações sem dor durante o sono mesmérico. O termo hipnotismo  não havia sido criado ainda. Foi BRAID (1795-1860) que, tendo-se dedicado à investigação do sono mesmérico na cura de pacientes, evidenciou o papel da sugestão no mesmerismo e o "fenômeno da dualidade de consciência", isto é,  em estado mesmerico os paciientes faziam, diziam e aprendiam coisas que acordados ignoravam.  A esse fenômeno BRAID denominou Hipnose.

..........................................................................................................................................................

* Fragmentos do ensaio "Do mito à verdade científica". IN: Cyro Martins. Do mito à verdade científica - Ensaios Psicanalíticos. Porto Alegre, Editora Globo, 1964.