OLHARES SOBRE CYRO |
Cyro Martins 90 Anos - Eventos |
Clara Pechansky *
Ao evocar Cyro Martins, um sorriso contorna o pensamento. Cyro escrevia direto e simples como falava. E sabia, como poucos, tirar proveito dessa fluência: os textos foram escritos para transitar facilmente na memória do leitor, enriquecendo o repertório de quem teve o prazer de conviver com sua prosa. Aquele homem afável escondia, também, sob sua total simplicidade, um atento observador da alma humana. É que Cyro, com poucas palavras, mas com grande eloqüência literária, tanto era capaz de descrever os largos horizontes dos pampas descampados do Rio Grande quanto o mais profundo e secreto sentimento de uma personagem.
Os artistas que convidei para esta exposição são muito diversificados: alguns possuem uma obra já consolidada, outros estão apenas começando sua carreira profissional; as representações plásticas vão desde o abstrato até o figurativo, e as trajetórias poucas vezes se cruzaram. Todos, no entanto, possuem uma característica comum: ao colocar-se diante da obra de cada um deles, o observador é sempre compelido a parar e realizar uma segunda leitura. Por trás de linhas muito definidas ou manchas aparentemente sem rumo, vai-se encontrar o fio de um pensamento condutor, e será necessário penerar ainda mais fundo para estabelecer com o artista aquele laço que ata um conlúio irremediável entre a obra e quem a vê.
Este é o traço comum com Cyro Martins, que eu antevi ao convidar artistas com linguagens tão diferentes, para que pousassem seus olhares sobre a obra e o homem Cyro.
Pretendo que estes olhares não sirvam apenas para ilustrar as características externas das figuras que ele criou, mas sejam também o retrato, visto pelo avesso, de parte de sua obra literária. * Clara Pechansky Curadora da Exposição "Olhares sobre Cyro"
Propus-me a fazer algo diferente de tudo o que já tinha feito antes. Resolvi fazer uma experiência, trabalhando com a maior tela que já fiz. O quadro mudou muito durante os três meses que tive para pintá-lo. Até que chegou à síntese da idéia de estampado e a de retrato. Mas não tinha segurança quanto à figura representada. Finalmente, acho que ficou com um astral bom. O quadro tem clima de tranqüilidade, de paz, que eu acho tem a ver com o Cyro.
Fiz várias capas de livros para Cyro Martins, na década de 70. Então, eu já o conhecia. O que se impôs foi como solucionar o que eu conhecia da obra de Cyro, das preocupações dele, com um processo de linguagem que eu estava desenvolvendo - preto/branco, alto contraste e ambientes palacianos. Optei por imagens que para mim são uma discussão de valores, sobre riqueza, poder e seus ritos e sobre a pobreza, o desgaste. Duas telas impressas, que se contrastam: uma - Mais Mais - a metáfora do que se acumula, cresce, junta e se estabelece como poder; outra - Menos Menos - metáfora do que se perde, se desgata, decai e tende a desaparecer, em nós associado à pobreza. Normalmente, não uso a palavra, mas, neste caso, calhou da palavra surgiu junto com a imagem, talvéz por estar trabalhando sobre alguém que trabalha com a palavra. Mario Röhnelt
O quadro sintetiza a figura emblemática do homem do campo, da paisagem gaúcha, numa expressão direta, simples, árida até, propiciando uma visão diferente da usual, que é mais fantasiosa. Isso o aproxima da proposta de Cyro Martins, resultando também num trabalho com algo novo para o próprio arttista. Carlos de Britto Velho Chamou-me a atenção a temática, a linguagem do gaúcho da campanha, e a reflexão que Cyro Martins permanentemente desenvolve sobre tudo isso. Daí a figura que criei, pensativa, à qual se agregam, numa ciranda, coisas, céu, campo, animais. E meu trabalho com figuras em madeira recortadas, as quais posso dispor como quero - permite essa mobilidade no espaço. Bina Monteiro Lendo sobre sua vida, seu pensamento, procurei pensar mais sobre o Cyro homem, o ser humano e decidi que iria fugir do meramente ilustrativo. Minha proposta foi trabalhar com a sensação, o sentimento, a falta, o vazio, a própria morte. Utilizei cores quentes e terrosas, que poderiam remeter à terra, e poucos elementos simbólicos que já venho utilizando há alguns anos em meu trabalho. A mão que escreve, afaga e aponta. O coraçào. A cadeira vazia. Esses elemtnos não precisam de explicação. Falam por si. Miriam Tolpolar
É sempre muito perigoso fazer um trabalho tendo outro como referência. Pode-se ser apenas ilustrativo, redundante. Procurei juntas a proposta com algumas coisas que ando pensando, e a visão de Cyro Martins sobre o processo criativo foi o que me interessou como tema. A máquina de escrever era o instrumento de sua linguagem - pensei naquela forma de escrever como um espaço para a pintura, um espaço que pode serpercorrido, não com os dedos, mas com o corpo, na medida em que a gente se atira para o processo de criação. As teclas se transformam num espaço repetitivo, onde a figura pode repousar sem ser redundante, óbvia. Queria captar uma sensação de resistência do criador, de seus conflitos, do espaço que tem que percorrer e da vulnerabilidade da gente diante da vida. Marilice Corona -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Marta Loguércio. "Sem Título" acrílico sobre tela 140cm x100cm Depoimento da autora sobre a pintura apresentada na mostra comemorativa dos 90 anos de nascimento de Cyro Martins – Olhares sobre Cyro - , com curadoria da artista plástica Clara pechansky, em 1998 , no Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli. Elementos de cultura agropastoril usados como referência: - As “marcas” do dono : matrizes em ferro utilizadas para marcar o couro dos animais ou fazer “picotes” nas suas orelhas. - Jogo do Osso ( tava) / jogo de azar , até hoje proibido, mas largamente praticado na região Sul do Rio Grande do Sul. O mesmo osso utilizado no jogo, retirado do joelho dos bovinos, é o touro ( herança ibero- mediterrânea? ) na brincadeira infantil do “gado de osso”, que simula todas as atividades de uma estância, também comumente praticada pelas crianças na região Sul do Rio Grande do Sul. -Amarras, nós, tramas: forquilhas, moirões, cangas, fundas e outros objetos feitos em materiais como madeira, fibras vegetais e couro. A literatura: “ (...) a visão do arco que a tava traçou no ar (...) enquanto a brecha da sorte virava para o céu e a ponta cortante para a frente (...) ” / pequeno extrato de Sem Rumo, justamente falando sobre o jogo de azar citado anteriormente. Nele o personagem Chiru observa a tava sendo lançada e caindo ao chão com o lado da sorte virado para cima . Na pintura, as palavras deste trecho, transcritas, escritas e reescritas, em ordem e sentido diversos, não são apresentadas para serem lidas: a idéia é de representar uma espécie de texto “mágico e secreto” que , pela repetição exaustiva, “realize” o seu conteúdo, no caso a sorte almejada pelo jogador. - Centralizando a composição, a representação das “marcas de ferro”: símbolo da propriedade sobre animais, coisas, gente (?).... ___________________________________________________________ Não tive preocupação com cor local, com “ representação”. Todos os elementos que utilizei como referencial foram “ trazidos ” para minha linguagem plástica: composição, cores, tratamento pictórico e gráfico. É certo que as imagens criadas se referem a um mundo exterior à própria obra. Também lhes podem ser atribuídos diversos sentidos, segundo a vivência e a percepção de cada observador. Mas, o que eu gostaria também é que o espectador, além de supostos conteúdos, percebesse a obra no que ela tem de puramente “ sensorial e matérico” : a tela, sua textura, o pigmento da tinta, as cores, as luzes, a relação das formas entre si e tantos outros elementos que constituem esta sintaxe visual tão importante para o valor de uma obra e cuja escolha diferencia tanto as personalidaes artísticas quanto os possíveis “ temas” propostos. Marta Loguercio Porto Alegre, agosto 1998.
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A temática da obra de Cyro Martins tem muito a ver com minha experiência de guri da fronteira. Escolhi a alpargata por ser representativa do ambiente da campanha . E se liga ao homem do campo, pobre, com o gaúcho andarilho, o gaúcho a pé. Eduardo Haesbaert
Não tive preocupação com cor local. Todos os elementos que utilizei como referencial (as "marcas", jogo do osso, amaras, nós, tramas) foram trazidos para minha linguagem plástica: composição, cores, tratamento pictórico e gráfico. É certo que as imagens criadas se referem a um mundo exterior à própria obra. Também lhe podem ser atribuídos diversos sentidos, segundo a vivência e a percepção de cada observador. Mas o que eu gostaria também é que o espectaodr, além de supostos conteúdos, percebesse a obra no que ela tem de puramente sensorial e matérico, em sua total visualidade: a te-la, sua textura, o pigmento da tinta, as cores e as luzes, a relação das formas entre si e tantos outros elementos que constituem essa sintaxe visual importante para o valor de um trabalho, e cuja escolha diferencia tanto as personalidades artísticas quanto os possíveis temas propostos. Marta Loguércio Pesquiso em minha obra uma memória ancestral que se formaliza na criação de desenhos, jóias e pinturas. Investigo um tempo "atemporal"que se relaciona com signos e formas nascentes durante o processo de feitura. A história antropológica do homem pré-histórico e sua herança inconsciente é a bas dos conteúdos das imagens de meu trabalho. Carlos Wladimirsky |