O Professor * - Cyro Martins |
Estante do Autor - Ficção |
................................................................................. - Bom dia, rapazes! Depois de alguns instantes de silêncio, durante o qual professor e alunos ficaram se olhando sem se ver, Lucílio perguntou o que eles estavam pensando. Perguntou por perguntar. Mas o Abílio, de doze anos, filho do seu Manduca, saiu-se a todos os colegas, que reavivaram as fisionomias, corno se todos estivessem pensando algo parecido. - Por que é que o joão-grande fica daquele jeito, na beira das lagoas, parado durante um tempão, numa perna só, o pescoço meio encolliido, se olhando na água? - O joão-grande pertence à espécie dos pernaltas, aves que têm as pernas compridas. Na realidade, essa ave, e estou me dando conta disso agora, porque vocês trouxeram o joão-grande à baila, essa ave deveria chamar-se Narciso. - Por quê, professor? - Num país muito distante daqui e num tempo que, de tão antigo, se diz que era o começo do mundo, existiu um jovem belíssimo. Todas as mulheres, assim que o viam, se apaixonavam por ele. Seus pais, um deus e uma ninfa, deram-lhe o nome de Narciso. Ele jamais quis saber de nenhuma mulher, por mais ladina que fosse nos modos de conquistar os homens. - E ninfa, o que é ninfa? - Ninfas eram as mulheres da época, formosas e duma perpétua juventude, eram seres que mal tocavam com os pés no chão, como se fossem alados, e circundavam os rios, os bosques e os montes. Muitas ninfas andaram atrás de Narciso. Perderam seu tempo. Pois bem, um dia... Para vocês verem, sempre chega um dia. Um dia, durante uma caçada, Narciso sentiu sede e debruçou- se sobre uma fonte para beber. E pela primeira vez lhe chamou a atenção a sua própria imagem refletida na superfície da água. Num ápice, enamorou-se de si mesmo. E não pôde mais deixar de se admirar. O desespero dessa paixão louca o fez ir definhando pouco a pouco, até morrer. Mas, como ele era um deus, o seu corpo não ficou apodrecendo em cima do capim. Transformou-se na flor que tem o seu nome até hoje. - Eu nunca vi nenhum joão-grande morto na beira da lagoa... - disse Abílio outra vez, meio descrente. - Decerto eles morrem de noite, saudosos da própria imagem, porque as trevas escondem a sua figura nas águas. E de manhã, quando nasce o sol, se transformam em flores do campo. Novamente ficaram silenciosos, professor e alunos. Lucílio se deu conta que nunca vivera um momento assim, de espelho mágico, ali, naquela escolinha, perdida nos confins do mundo. Ah, que aventureiro o pensamento! ............................. |