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Aspectos Grupais e Familiares da Dependência Química*

                                                 David Zimerman*

     
          É com um sentimento de privilégio e de honra que aceitei o convite da nossa querida CELPCYRO, para participar da VIII Jornada sobre Saúde Mental e I Simpósiio Brasileiro sobre Comorbidades Psiquiátricas, na condição de proferir a “Conferência Cyro Martins”.

 

             Basta o nome Cyro Martins, meu grande e eterno amigo e mestre, para eu fazer algumas evocações, como, por exemplo, o título geral da presente Jornada, que enfoca o tema das “Comorbidades Psiquiátricas”. Evoquei o nome do mestre Cyro porque, com alguma frequência, principalmente nos verões na praia de Atlândida, discutíamos a importância das comorbidades, tanto do ponto de vista da “Psicossomática” (que também era nossa paixão), quanto, separadamente, a comorbidade nas doenças orgânicas, ou as psiquiátricas, e também as combinações de ambas.

                

                Recordo que ambos mencionávamos, o fato de que um estado depressivo, nem sempre claramente manifesto , vinha acompanhado de algum tipo de adição (mais comumente o alcoolismo, provavelmente, numa atitude de procurar preencher os “vazios” típicos das pessoas que tiveram sérias carências na infância, amargando sérias faltas e falhas por parte dos pais no passado. Também concordávamos com a idéia de que havia a formação de um círculo vicioso na comorbidade, ou seja, o piso depressivo induzia à adição e, por sua vez, o uso da droga gerava culpas que aprofundavam a depressão, a qual, por sua vez, reduzia a capacidade imunológica, com a consequência de que os germens oportunistas facilitavam o surgimento de doenças orgânicas, e assim por diante. Também a expressão “comorbidade” me remete a Cyro porque ele sempre propugnava que os fatos, as idéias e os sentimentos nunca vêm isolados, pelo contrário, estão sempre se influenciando e se complementando reciprocamente. Com outras palavras, o mestre Cyro tinha uma visão “holística” (que agora está na moda), ou seja, no lugar de olhar algum sintoma, orgânico ou psíquico, isoladamente, hoje ninguém duvida que o quarteto “bio-psico-social-espiritual” é indissociável, não obstante a variação quantitativa de cada um dos quatro fatores referidos, conforme a situação mórbida em foco.

   

                  Uma vez feita a necessária "introdução”, vamos ao tema da “Conferência Cyro Martins”: “Aspectos grupais e familiares da Dependência Química”.

 

                  Creio ser útil começar com um breve histórico do uso das drogas. Consultei várias fontes, porém tomei como bússola, o livro “Adolescentes”, recém publicado em Florianópolis, de autoria dos terapeutas (também grupoterapeutas) Francisco Baptista Neto e Luiz Carlos Osório”.. Assim, cabe dizer que uso de drogas vêm desde épocas primitivas, de quatro ou seis milênios a.C. , até os tempos contemporâneos, já então, com a influência tanto positiva quanto negativa da mídia, o que também acarretou o envolvimento dos familiares dos usuários. Achados arqueológicos de 6.000 anos atrás demonstram vestígios de álcool e canabis.

 

                  Destarte, a Bíblia Sagrada nos dá conta de que Noé, já velho, após o dilúvio, começou, involuntariamente, bebendo o líquido que vinha de uvas fermentadas, e acabou se embriagando e viciando com essa bebida alcoólica. Também na China Milenar era um hábito mascar a coca ou tomar “chá de coca” (essa última passou a ser bastante ingerida pelos indígenas sul- americanos do Peru, Bolívia, Colômbia, e Equador. Gradativamente, o uso de bebidas foi se disseminando para o Ocidente, de um modo que virou uma rotina, ainda vigente, servir bebidas alcoólicas em rituais religiosos, como nas liturgias católicas, no candomblé, na macumba, em festas coletivas, como cabe exemplificar na atualidade, em nosso meio, é o “Oktoberr Fest”, ou os “Festivais da cachaça” em Santa Catarina; também em qualquer festividade social, ou comemorativa e, inclusive, o uso abusivo de cachaça pelos estratos sociais mais pobres e“cola de sapateiro” ou solventes, por parte dos “meninos de rua”. Também acontece na atualidade que jovens sadios, adolescentes, e até pré-adolescentes, que não são dependentes, porém, quando frequentam festas coletivas, estão entrando num novo hábito -legal- de consumir os assim chamados “energéticos” que são compostos de guaraná + cafeína + taurina, sem fazer menção de que, segundo alguns estudiosos, não consta no rótulo do energético, a possível inclusão de anfetamina ou efedrina. 

 

                   Inicialmente o consumo de drogas ficava restrito às classes de intelectuais diferenciados e à classe artística. A partir da década 60 (coincide com o surgimento do movimento “hippie”) as drogas se popularizaram, de forma crescente, a tal ponto que uma estatística estudada e divulgada pela ONU, em 2008, atesta que 0,5% da população mundial (equivale 25 milhões de pessoas ) são dependentes de drogas ilícitas (maconha, cocaína. L.S.D. e, mais recentemente, anfetaminas, morfina, heroína, ecstasy e “crack”). Também é volumoso o uso de drogas lícitas (como álcool, tabaco, cafeína). Deste modo, as drogas ilícitas foram se juntando com as lícitas, com um visível crescimento de consumo e, logo, de sua produção industrial.

         

                       Outros fatores que também influenciam no uso de drogas, são 

1)“a cultura do consumismo” (inclusive de medicamentos, como psicotrópicos, calmantes, etc.;

2) uma crescente competitividade na cultura atual, em que o perdedor se deprime e busca uma saída algo maníaca, com auxílio de drogas.

3) Um terceiro fator já foi antes aludido: a forte influência, positiva ou negativa, da mídia

4) Também caberia acrescentar as inúmeras falhas por parte das autoridades responsáveis, tanto que, creio, caberia fazer a seguinte pergunta: “as autoridades não se sentem verdadeiramente motivadas porque acham que se trata de uma “causa perdida”, ou elas, as autoridades é que “estão perdidas na causa ?  

5) Também devemos levar em conta as sucessivas e rápidas transformações culturais no mundo, como, por exemplo, uma sensível mudança no relacionamento pais-filhos, com uma maior autonomia e liberdade de movimentos dos filhos adolescentes, às vezes sem a necessária colocação de alguns limites. Ao mesmo tempo, os pais, influenciados pela mídia, filmes, livros, estão mais alertados aos riscos do consumo de drogas e, em consequência, também estão mais preocupados, alarmados e culpados.

 

                      Na mesma linha de raciocínio, vamos reconhecer que grande parte da população em geral ainda desconhece a verdade dos fatos e problemas que cercam o uso de drogas, não raramente, a formação de um clima familiar de terrorismo excessivo, o que favorece o surgimento de lendas, mitos e crendices, muito distantes de um rigor científico.

                      Exemplos de alguns mitos mais comuns, sob a forma de “perguntas e respostas”:

 1) “usar alguma droga numa primeira vez já condiciona a um caminho de drogadição, isto é, de um vício”?

Grande parte dos especialistas nesta matéria, desmentem este mito; antes, acham que o risco maior está no começo do consumo de bebida alcoólica, ou de cigarros, com o risco de  se viciar no tabagismo. 

2) ” a maconha abre as portas para outras drogas piores”?

A fonte que consultei também desmente este mito, pelo menos no terror que a mídia estaria exagerando, incluindo o “crack” (é o cloridrato de cocaína, que endurece e, por isso, costuma ser chamada de “pedra”). O crack surgiu no Brasil em 1994. em São Paulo) e muitos descrevem inúmeros casos em que aconteceu plena recuperação do vício. 

3) “Uma grande solução do vício seria a prática de esportes”?

Mais uma vez, a minha fonte nega este mito, porém reconhece que toda prática esportiva faz bem à saúde, de modo que o esporte ajuda quando estiver aliado a outros recursos que podem ser empregados. 

4) “Sempre os grandes culpados são os pais”?

Em boa parte, sim, é verdade, porém muitas vezes podemos cometer injustiças contra pais que deram o melhor de si, e não podemos desprezar outros fatores, que não unicamente os pais. 

5) 'A crença de que os pais são desinformados e os filhos adolescentes é que estão mais atualizados com os hábitos modernos e, logo, estariam com a razão"? A melhor resposta a esta questão parece ser a de que, nem sempre, porém comumente, os pais estão desinformados e, por esta razão, um dos recursos bons, é o terapeuta formar um “grupo de reflexão” com pais de filhos consumidores de drogas, para melhor conhecer os possíveis prejuízos, e livrar-se de um provável clima de um terrível terror na família, muitas vezes, por demais excessivo, de modo que numa ânsia de ajudar o filho, a atitude de controlar, pode redundar num efeito contrário, visto que o filho pode se revoltar por não se sentir compreendido, nem reconhecido de  que seus pais estejam entendendo que ele está doente, e que necessita de uma outra forma de apoio, baseado em verdades e não em ofensas e ameaças constantes 

6)" É uma crendice muito comum a idéia de que os maiores danos à saúde provém das drogas cocaína, heroina e crack:. Isso é verdade?"

Essa crença, sim, é verdadeira . E, na reunião de um grupo operativo com pais, seria muitíssimo útil que os pais reconhecessem os exageros, mas também os verdadeiros prejuízos que as drogas podem causar, como também é bastante útil que saibam diferenciar a condição de “viciados” e de “abusadores”. Os primeiros são os que já estão prisioneiros da dependência de uma determinada droga e, também, a expressão “viciado” alude a alguns traços patológicos de caráter equanto nos “abusadores” não existe um vício já estabelecido, com uma forte dependência da droga, porém numa hipótese de que possam abusar em determinados momentos representam um risco contra si mesmo ou contra outros, principalmente quando dirigem automóveis.

 7)" Realmente, existem sérios prejuízos no adicto, ou isso é um grande exagero "? 

Se a pessoa usar muito esporadicamente e não der sinais de estar escravizado a uma dependência, pode não redundar em futuros prejuízos sérios; no entanto, se o usuário usa e abusa, principalmente no abuso da quantidade consumida e do uso  crônico do consumo, os riscos são grandes, sendo que pesquisas demonstram que após alguns longos anos de consumo continuado de determinada droga, o uso da droga acarreta um envelhecimento precoce no usuário, com um prejuízo de memória e um ataque ao funcionamento normal dos neurotransmissores, sendo que, entre eles, o principal atingido é a dopamina: (ou seja, o “neurotransmissor do prazer”)

8)"É verdade que se a droga não estiver incluída entre as que são proibidas pela lei como sendo ilícitas, não representam riscos?"

 Não é uma plena verdade, a começar pelo fato de que não se conhece bem os critérios que distinguem as ilícitas das lícitas. Ademais, é difícil perceber porque determinadas drogas ilícitas têm um efeito daninho que surge em pouco tempo, meses ou poucos anos, como é o uso continuado de maconha, cocaína, principalmente o crack, etc. enquanto as drogas consideradas lícitas podem mostrar graves lesões orgânicas ou do sistema nervoso após longos anos, como, por exemplo, uma evidência da instalação de uma gravíssima doença- a “cirrose hepática” - após um longo período de uso abusivo de bebidas alcoólicas. Outro exemplo: o surgimento de grave doença cardíaca; ou pulmonar (como, nesse caso, é o surgimento do cruel “enfisema”, ou de  um câncer de pulmão) após longos anos de um continuado tabagismo) e assim por diante. Em síntese, pode-se dizer que o uso abusivo de substâncias psicoativas altera os mecanismos cerebrais responsáveis pela memória, pelos estados emocionais, pelo humor e outras importantes funções egóicas, como a percepção, o juízo crítico, etc. Igualmente os estudos dos neurocientistas modernos comprovam que as neuroimagens provam que há anormalidades estruturais no lóbulo frontal do cérebro, na córtex pré-frontal (encarregado de “tomada de decisões”), e em outras regiões cerebrais  que reduzem as normais capacidades cerebrais, a ponto de se tornar equivalente a um envelhecimento. Desse modo, segundo as pesquisas, o cérebro de uma pessoa de 25 anos tem o envelhecimento semelhante ao de uma pessoa de 65 anos, devido a uma relativa deterioração da ação da dopamina no cérebro. O importante a sintetizar é que “o fato de qualquer droga poder fazer mal à saúde não caracteriza que todo usuário de drogas é um usuário patológico” (Baptista, 2011) 

 

9) todas as drogas, lícitas ou ilícitas, agem de uma mesma maneira?

Não. Existem, no mínimo, quatro tipos que agem de forma diferente.

 a) Depressores da atividade do sistema nervoso central (álcool, benzodiazepínicos, barbitúricos, opiáceos ou narcóticos).

b) Estimulantes da atividade do sistema nervoso central (cafeína, cocaína e anorexígenos - ou seja, medicamentos que visam diminuir a fome) . 

c) Perturbadores da atividade do sistema nervoso central que tanto podem ser depressores, quanto estimulantes, ou que alteram funções qualificativas, como são a mescalina e a maconha (de origem vegetal) e outros de origem  sintética, como são o “LSD-25, Ecstasy, anticolinérgicos e o crack.

10)" Existe uma certa co-morbidade entre as distintas drogas?"

 Sim, é bastante freqüente que o consumo de cocaína esteja associada a bebidas alcoólicas e ao fumo; ou ao uso de ansiolíticos (geralmente benzodiazepínicos), para combater a insônia que a droga causa.

11) "Por que algumas pessoas desenvolvem dependência e outras não?"

 Os cientistas que pesquisam nessa área confessam que até hoje ainda não se encontrou uma explicação científica convincente, capaz de explicar porque algumas pessoas desenvolvem dependência e outras não. O que se sabe é que o tempo para o aparecimento de dependência varia de uma substância para outra, e de uma pessoa para outra. O álcool, por exemplo, está entre as drogas que leva maior tempo para desenvolver uma dependência física (alguns autores referem uma média de 10 a 15 anos. O tabaco leva uma média de dois anos, já a heroína pode levar à dependência em poucos meses, e o crack, em semanas. Por este motivo, é raro encontrar adolescentes dependentes do álcool, apesar de ser muito comum, nesta faixa etária, o seu uso “abusivo”..  

 

                    Aspectos Grupais e Familiares  

 

            Em relação aos “aspectos grupais”, que constam no título desta conferência, logo, também de interesse comunitário, impõe-se registrar que, focado nos adolescentes, recentes pesquisas provindas da ONU, constatam que 23% dos adolescentes experimentam algum tipo de droga ilícita; 65% dos adolescentes, na atualidade, moços e moças, experimentam bebidas alcoólicas (outras pesquisas referem 82%, enquanto 25% deles experimentam tabaco). Por outro lado, um grande número de adolescentes experimentam drogas, principalmente as ilícitas, somente uma ou poucas vezes, ao longo da vida, sem que jamais seus pais percebam ou tomem conhecimento, e sem que aconteça uma dependência viciosa das drogas. Também é útil esclarecer que não se pode afirmar que todas as pessoas que consomem drogas ficarão, ou estão, doentes.

          

            Ainda em relação aos ‘aspectos grupais’ cabe assinalar que o uso das drogas por parte de adolescentes, não é tanto de uso privativo, quando está sozinho. Pelo contrário, o uso é mais freqüente quando estão reunidos em grupo. Por essa razão, pesquisas efetuadas indicam que os pais de adolescentes dependentes de drogas, alegam que a causa disso tudo é devida à influência maléfica de amigos e de más companhias, que “não prestam”. Assim, forma-se uma dissociação: de um lado as “vítimas” e de outro, os “culpados”.  Na verdade, uma observação mais atenta e honesta, vai comprovar que a influência de amigos deve ser vista como uma interação num grupo de iguais, de modo que todos se influenciam e se complementam, reciprocamente, uns aos outros. Quanto à possibilidade do emprego de “grupoterapias”, não consegui localizar colegas que trabalhem com grupos de dependentes químicos (salvo em clínicas especializadas) e tampouco soube de algum colega que pratique grupos de famílias diferentes, com os mesmos problemas de algum familiar drogadito. Da mesma forma, não tomei conhecimento de algum colega que utilize grupoterapia com adolescentes abusadores ou dependentes.

              

                Em relação aos aspectos “familiares”, impõe-se a necessidade de contar com os familiares (tanto quanto possível, o terapeuta conseguir fazer “reuniões grupais” com a família completa de um drogadicto, com ele presente, ou não). A finalidade principal desse recurso é a de integrar os membros da família, assumindo o papel de cada um que venha a reconhecer a sua importância numa possível recuperação de seu familiar. Porém, o objetivo mais importante deste “grupo de reflexão” é o de prestar esclarecimentos, desfazer alguns mitos e crendices que não são verdadeiras  e, sobretudo, desfazer o estigma pejorativo de cada familiar, de modo  que os pais e irmãos do paciente dependente químico, já rotularam-no como “vagabundo”, "vergonha da família”, “marginal”, “psicopata”, “caso perdido”, entre outros mais. O grupo familiar deve entender que o seu familiar é um doente, por mais que ele possa se esforçar, não consegue vencer uma intensa compulsão a repetir os impulsos e necessidades do seu vício.

                 Desta forma, é bastante útil que os familiares conheçam as principais causas que originam a condição de dependência química do filho, irmão ou neto. Muitas vezes é uma injustiça colocar toda a responsabilidade e culpa nos pais, embora eles possam ter um papel importante, mas nem sempre é o único e o  mais determinante fator do familiar drogadito, pois são inúmeros e diversificados os fatores etiopatogênicos. É útil mencionar os mais notórios desses fatores sócio-ambientais. 

1. Especialmente, o ambiente familiar que desde sempre tenha sido pautado com faltas e falhas dos pais, gerando carências, vazios, que redundam em sentimentos de desamparo, seguidos de depressão na infância ou adolescência, logo, o filho faz uma busca mágica por substãncias psicotrópicas que preencheriam os vazios . 

2. Em muitas famílias, o fator essencial é uma identificação patogênica do filho, na infância ou início da adolescência, com um dos pais (ou os dois, pai e mãe), que serviram de modelo para algum tipo de dependência (mais comumente, álcool e tabagismo ) além de conduta “abandonante”, como, por exemplo, seria uma depressão da mãe ou uma sociopatia do pai, etc. 

3. Um fator importantíssimo é o de uma “predisposição genética (cada vez mais, estudos científicos a estão comprovando).

4. Transtornos emocionais e psiquiátricos, como ansiedade generalizada, “transtorno de déficit de atenção e hiperatividade”, com possível prejuízo na escolaridade e no relacionamento com os colegas, “transtornos do pânico”, ou “obsessivo-compulsivos”, ou transtornos de natureza psicótica, como esquizofrenia, ou bipolar. 

5. Um outro fator consiste na influência da mídia, com comerciais que exaltam as marcas de cigarros, bebidas alcoólicas e, agora, os “energéticos”. Cabe a pergunta: “que tipo de programa de prevenção do risco da dependência de drogas seria capaz de competir com a publidade e propaganda subliminar da mídia das drogas lícitas e até das lícitas? 

 6. As relações entre pais e filhos adolescentes passam na atualidade por transformações radicais. Com o gradativo aumento do direito dos filhos e a crescente culpabilização dos pais por tudo que acontece com eles, de modo que está ocorrendo uma espécie de inversão os papéis , no sentido de que, não raramente, os  filhos mandam nos pais, instituindo um equivocado princípio na família de que “tudo é para os filhos”, enquanto os pais sentem-se sem condições de impor necessários limites. 

7.Comumente encontramos filhos de uma mesma família – bem ou mal estruturadas -com comportamentos muito diferentes em relação às drogas no que diz respeito ao desencadeamento do abuso e da dependência, o que  faz supor que existem outros fatores envolvidos, muito principalmente, os fatores genéticos, hereditários. A propósito, especialistas afirmam que até 60% da vulnerabilidade de uma pessoa à dependência química é devida à essa herança genética, enquanto o restante seria resultado dos fatores ambientais, principalmente o das famílias. Estudos com gêmeos e suas famílias indicam que há uma contribuição genética substancial para o risco de desenvolvimento de dependência de nicotina e de bebidas alcoólicas. Em relação à maconha e à cocaína, observou-se que filhos de dependentes apresentaram um elevado risco de dependência”. (Baptista). 

8.Muitas vezes as autoridades responsáveis para efetivar campanhas de prevenção da dependência química ficam ausentes ou incompetentes; no entanto, em inúmeras outras vezes, trata-se de profissionais sérios, competentes e dedicados, porém não só no Brasil, como também nos centros mais avançados do mundo ainda não se encontrou alguma campanha, por mais bem feita que ela tenha sido, que tenha conseguido uma plena eficácia. Igualmente, em relação a um tratamento aos dependentes, ainda são algo discutíveis. Às vezes. diante de graves riscos, uma internação deva se impor; em caso de tratamento ambulatorial, talvez a melhor fórmula é combinar eventuais medicamentos (por exemplo, antidepressivos para alcoolistas portadores de um piso depressivo) numa aliança com algum tipo de psicoterapia. 

9. Os “grupos de reflexão” da família do dependente também visam favorecer aos pais uma maior eficácia e naturalidade de falar (não é o mesmo que ‘cobrar, ameaçar, ofender, humilhar) com o filho abusador, alertando-o contra riscos sérios, como o de males orgânicos, provocar acidentes em que sofram danos contra si ou contra outros, além de um possível envolvimento com a justiça e de ficar com a sua imagem deteriorada perante todos. Outra vantagem da reunião grupal da família é a de fazerem um levantamento do histórico familiar, para que todos conheçam a provável carga genética e tomem providências. Também o apoio da família melhor preparada .pelo grupoterapeuta pode ser muito importante para o dependente não desistir após sucessivos fracassos, de modo a restaurar a sua motivação para tentar se livrar do inferno em que mergulhou. 

10. Um grupo familiar favorece trabalhar com o problema que Francisco Baptista denomina “Codependência das drogas” . Consiste no fato de que uma pessoa da família –geralmente é a mãe do dependente – adota um comportamento vinculado ao comportamento do usuário de droga, procurando incessantemente controlá-lo . São pessoas que dedicam toda a sua vida quase que exclusivamente ao filho drogado, com sacrifícios pessoais, de modo que se sentem mártires, como se  aquele pesado “fardo” fosse um “carma”, um desígnio de Deus. A codependência foi constatada inicialmente com familiares de pacientes alcoolistas, verificou-se que quando o paciente dependente do álcool estava melhorando, havia um movimento da família no sentido de sabotar a sua recuperação. Era difícil, senão impossível, para o familiar, viver sem aquela rotineira “via crucis”. Codependência hoje é um conceito muito atual e pode ser considerada uma doença. Há casos em que para cada dependente existe pelo menos cinco codependentes, que são as pessoas mais próximas: pai, mãe, esposa\esposo, filhos, às vezes vizinhos, patrão, colegas e amigos. O codependente vive em função da pessoa usuária da droga e seus problemas, fazendo desse cuidado obsessivo a razão de sua vida, sentindo-se útil  e com objetivos, apenas quando está cuidando do dependente e de seus problemas”. ( Baptista, página 173). Creio que talvez valha a expressão que me ocorreu: “os codependentes são pessoas que são dependentes da dependência do usuário da droga”.

 

12. Pessoalmente - não obstante esteja claro que nem sempre o ambiente familiar seja o maior responsável, principalmente quando a origem da dependência seja de responsabilidade da genética, ainda assim - acredito que poderíamos tentar intervir quando o filho nascido ainda é um bebê ou está na 1ª infância, fazer um “grupo de reflexão” com os pais (geralmente só as mães comparecem). Afirmo isto porque , como supervisor de uma atividade do setor infantil do Hospital de Clínicas de POA, liderado pelas psicanalistas Lucrecia Zavaschi e Flávia Costa, acompanhei de perto um grupo de crianças de 0 a 3 anos, que ficavam no chão com brinquedos no meio e as mães em torno dos filhos, num círculo ,junto com colegas e estagiários de psicologia ou psiquiatria. De acordo com a evolução dos movimentos das pequenas crianças e as respostas das mães, os técnicos faziam comentários com vistas a que as mães adquirissem alguns “insights” importantes, em relação aos vínculos “pais-filhos”. Sobretudo, dois fatos me deixaram fortemente impressionado com essa rica experiência grupal: um, é perceber o quanto pessoas humildes, algumas mães quase que analfabetas, conseguem compreender o que está se passando na dinâmica do campo grupal, começam a refletir sobre o seu papel de mãe e, melhor do que tudo, modificam bastante o seu modo de agir e se comunicar com as crianças, seus filhos. O segundo fato que me impressionou consiste justamente nas evidências de que realmente houve significativas mudanças nas condutas das mães e das crianças. Por todas essas razões, penso que seja mais eficaz investir em campanhas com finalidades profiláticas em relação ao futuro, do que investir em campanhas unicamente informativas ou com tentativas curativas quando os males já estão consolidados.       

 

 *"Conferência Cyro Martins" na VIII Jornada CELPCYRO sobre Saúde Mental -2011

** Médico Psicanalista, Membro da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre