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Lutzenberger e a Preservação da Vida

                                                                                                   João Gomes Mariante*


 

         

          José Lutzenberger, não obstante sua ausência física, mantém uma presença construtiva e imanente entre nós.       Sua   morte contristou grande   parte da   população brasileira. Ele sem dúvida foi o destemido comandante da grande revolução verde.      Mesmo diante    de     sérios     obstáculos,   como perturbações respiratórias e a presença de um enfisema pulmonar, conseqüência de um remoto tabagismo, jamais ensarilhou as armas.  

          É bem provável que se não fora esse distúrbio, o extraordinário ambientalista  não   teria  contribuído tão prodigamente para a preservação da natureza. Ele foi um arauto do Instituto da Vida.  Posicionou-se  corajosamente contra o uso indiscriminado de poluentes e outros agentes que destroem a vida. Empreendeu uma luta tenaz contra a poluição das águas e enfrentou como ninguém o nefasto e criminoso emprego de substâncias tóxicas na agricultura Ele alinhou-se entre reduzido número de seres humanos que mantêma revalência das pulsões de morte sobre o sustento da vida.

          Que modelo exemplar foi o ser humano Lutzenberger!Um dos aspectos que mais chama a atenção em sua luta é a sua preocupação com a posteridade. Como cientista e poeta da natureza deixou realizações e exemplos, para que o verde continue a simbolizar a cor da esperança, como se

tivesse escrito num pergaminho de clorofila, na sua amada ‘gaia’, um poema de amor à vida. Daqui a milhões de anos, quando ‘voltar”, sentir-se-á recompensado pelo labor extra-ordinário e poderá   contemplar a existência de exemplares animais e vegetais que sua ação preservou. Até lá  certa-mente a história não terá registrado a ação de nenhum prócer político, com igual folha  de  serviços prestados ao seu país, como ele. O futuro  poderá  não ter ciência do trabalho de nenhum  presidente,  ministro    ou qualquer autoridade, mas saberá que existiu um  José Lutzenberger para que a própria história pudesse ser contada.

     

          Em sua publicação ‘o livro da preferência – O Brasil do Terceiro Milênio”, ele transmite uma dimensão prospectiva, como se fosse viver milhões de anos. Dá-nos exemplos de uma grandeza suprema de valores renováveis. Até   na morte defendeu o princípio que norteou sua trajetória, o deproteger a terra. Não suportou a ideia de ser confinado no espaço claustrofóbico de um ataúde. A inata cosmovisão como   mais   um   dos     seus predicados,   deu-lhe   uma dimensão de infinito, de autonomia e de liberdade.


           Rechaçou uma tumba que limitasse os movimentos   e cortasse a respiração. O que exigiu para sepultar-se foi o contato de seu próprio corpo com a terra, como      se enviasse uma mensagem bíblica, para dizer a si mesmo, a aos coevos: “em vida defendi a terra, não será com a morte que irei   degradá-la. E realizou  o  supremo desejo de amalgamar o corpo ao chão que foi seu berço. Revelou-se   ecologista   até na   morte, dispensou   assim,   rituais e cerimônias dos sepultamentos tradicionais, para realizá-lo apenas com seu corpo, não confinado num esquife.


         Destarte empreendeu   simbolicamente a volta ao  útero terráqueo. A fusão biológica terra-homem teria significado o zero ontogênico das espécies.Na sua junção com a terra, bilhões   incalculáveis  de   microorganismos continuarão proliferando. Seu corpo, transfigurado   numa     unidade cromossômica, simbolizou uma missão procriadora    como destinação telúrica, para fecundar a terra de onde a vida renasce.

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Dr. João Gomes Mariante é Psicanalista e Escritor. Diretor do Jornal MenteCorpo

 

 

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