Psicopatia e Notoriedade | Imprimir |

Cláudio Martins - Psiquiatra


O alarde com que a mídia trata os casos de delitos, crimes e atrocidades cometidos por pessoas intensamente perturbadas demonstra o quanto todos nós somos suscetíveis a tal tipo de estímulos que passa centralizar a preocupação das pessoas em geral.

Neste ano tivemos vários personagens, com transtorno de personalidade anti-social, envolvidos com a mídia nacional, entre os quais se destacaram pela intensa cobertura jornalística o auxiliar de enfermagem Edson, que segundo a polícia do Rio de Janeiro teria matado mais de 100 doentes terminais em um hospital público do Rio, e o autodenominado "motoboy do sul", responsável pela morte de cerca de 7 pessoas na praia do Cassino, RS.

Ambos fazem parte de um grupo de pessoas severamente transtornadas que atingem a cerca de 2 a 3% da população adulta predominantemente masculina, sendo que são mais comumente encontradas em áreas metropolitanas pobres e com baixa escolaridade por abandono precoce da escola. Há uma tendência para uma mobilidade social descendente na vida dos indivíduos anti-sociais, que tendem a ganhar e perder dinheiro de maneira cada vez mais cíclica, até finalmente estarem "exauridos" na meia-idade, o que muitas vezes é agregado a alcoolismo e droga com a conseqüente debilitação severa.

A cada vez que surge uma situação como a destes personagens, há um questionamento intenso se poderia ser considerado "gente" alguém que atuasse dessa forma. O que se observa é que nos personagens envolvidos há uma repetição de funcionamento com as particularidades próprias individuais.

Os "psicopatas", "sociopatas", "transtornados de caráter" ou "personalidade anti-social", ou o nome que se busque para identificar um funcionamento pessoal extremamente perturbado, caracterizam-se por serem pessoas que mentem, trapaceiam, roubam, ameaçam, matam e atuam de várias formas enganosas e irresponsáveis. São de muito difícil manejo familiar, social, ocupacional e, quando chegam a profissionais da área de saúde mental, igualmente repetem-se as dificuldades de tratamento, tanto é que alguns desses profissionais preferem simplesmente encará-los como criminosos e não incluí-los na jurisdição da psiquiatria. Ou seja, seriam intratáveis. Por outro lado, trabalhos clínicos apontam que a rubrica anti-social aplica-se a um amplo espectro de pacientes, o que indicaria que alguns diante de certas condições poderiam beneficiar-se de tratamento.

Os instrumentos diagnósticos em psiquiatria buscam uma série de características e sintomas dos indivíduos para se estabelecer a diagnose dos transtornos mentais, entre os quais o de transtorno anti-social. Se tem uma série de elementos para definir o diagnóstico, entretanto salientarei os quesitos básicos que são: a ausência de culpa e o fraco juízo crítico bem, como a incapacidade de aprender a partir da experiência.

No caso do auxiliar de enfermagem Edson, por exemplo, isto fica bem palpável quando ele diz: "não me arrependo, não". A maioria das pessoas fica horrorizada da frieza da expressão e comunicação dessas, porque na psique da maioria gera fenômenos psicológicos como o da culpa, que diante de um ato desta ordem poderia nos "matar" de remorsos. Todos nós carregamos "culpas" de maior ou menor intensidade no transcorrer de nossas vidas , e passamos buscando estratégias de reparação para alívio deste peso emocional. Já os sociopatas não apresentam tal dialética interna e portanto passam agindo. É o caso do "motoboy do sul" que chegou a manifestar que o seu objetivo era superar, em números de mortes, o "maníaco do parque" (referindo-se a outro personagem da mesma estirpe).

O questionamento básico é quanto a notoriedade passageira e assegurada pelas capas de revista, pelas matérias extensas nos diversos veículos de comunicação possa vir a estimular pessoas despreparadas para o convívio social, a ponto de se sintirem invadidas por uma compulsão incontrolável e serem levadas a repetir ou superar "proezas" de sociopatas da vez.

Fazendo-se uma analogia breve, colocaria que, assim como temos ídolos saudáveis ( como o nosso tenista Gustavo Kürten), que estimula os jovens a buscarem aprimoramentos para ter uma notoriedade e reconhecimento, há pessoas perturbadas e portanto frágeis no seu funcionamento mental global que podem sentir-se influenciadas por tal explosão de estímulos vinculados ao bombardeio massivo a que nos vemos invadidos quando da descoberta de tais crimes. Evidentemente que os sociopatas estão presentes em nossa sociedade, quer tenham divulgação na mídia ou não. Mas há uma tendência de complicações e repetições mais seguidas destes distúrbios comportamentais quando do estímulo mídia.

Cláudio Martins


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