PENSAMENTOS E DEFINIÇÕES | Imprimir |

Mario Quintana - Seleção de Antônio Goulart

 

LOTERIA - A loteria - ou o jogo do bicho, seu filho natural - jamais engana. Porque a gente não compra bilhete: compra esperança. (A Vaca e o Hipogrifo)

ACIDENTE DE RUA - Estou folheando revistas, no stand. Um velho senhor, de ar respeitável, aborda-me:

- Mario, quero apertar-lhe a mão. Primeiro, por ser quem é... Depois, porque é colorado.

- Mas eu não sou colorado. Sou colorido... Sou o Corujo Colorido! (Da Preguiça como Método de Trabalho”)

ESPORTE - O único esporte que pratico é a luta livre com o meu Anjo da Guarda. (Porta Giratória)

IDADE - Estou nesta idade em que o juiz consulta o relógio e as arquibancadas já vão se esvaziando. .. (Porta Giratória)

ELEGIA URBANA - Rádios. Tevês.

Gooooooooooooooooooooooooooolo!!!

(O domingo é um cachorro escondido debaixo da cama).
(Apontamentos de História Sobrenatural)


QUINTANA, O APOSTADOR

Mario Quintana foi o protótipo do sujeito desligado do futebol, aliás, de qualquer esporte. Não torcia por nenhum clube. A dupla Gre-Nal nada representava para ele. Nem mesmo os jogos de uma Copa do Mundo, que agitavam a redação do jornal onde trabalhava, interferiam no seu costumeiro cismar poético.

Há, no entanto, em sua biografia uma particularidade pouco conhecida que, de certa forma, desmente tudo isso. Sou testemunha de que o nosso poeta maior cultivou, durante anos, com meticulosa rotina, uma estreita relação com o futebol ou, mais precisamente, com a loteria esportiva, hoje chamada de loteca.

Foi na segunda metade da década de 70, quando começou a participar, todas as semanas, do concurso de apostas. Claro que jamais prestou atenção nos nomes das equipes e menos ainda entrou numa casa lotérica para preencher um volante. Anos mais tarde, Quintana chegou a tomar gosto pela loteria de números, a Loto. Mas, quanto à esportiva, descobrira uma forma mais prática e simples de fazer a sua fezinha no jogo.

Todas as quintas-férias à noite, ao encerrar seu expediente, passava pelo setor de esportes do antigo Correio do Povo para participar do “bolão” que o editor Paulo Moura e eu organizávamos. Era o apostador mais assíduo e pontual. Chegava sempre com a cota certa na mão: uma nota de dez. As vezes, contrariando a regra, tinha que revirar os bolsos à procura do dinheiro, tirando para fora vários papéis com rabiscos, endereços, cartas amassadas, rascunhos de poemas, mil coisas.

Cuidadoso (ou desconfiado?), Quintana nunca deixava de conferir se seu nome realmente ficara anotado na lista, repetindo, invariavelmente, o mesmo alerta: “Não esqueça de colocar aí o PG (pago)!” Jamais se preocupava em dar palpite ou em saber que tipo de aposta iria ser feita. “Confio cegamente nos entendidos em futebol”, costumava dizer.

Na segunda-feira, a primeira coisa que fazia ao entrar na redação era se aproximar da nossa mesa para, discretamente, perguntar: “Como é, foi desta vez que ficamos ricos?” Diante da invariável resposta negativa ou da informação de que havíamos feito apenas nove ou dez pontos, tinha sempre um consolo: “Até que fomos bem. Da próxima vez vai dar, com certeza”.

Nunca me ocorreu perguntar ao poeta o que faria com a parte dele, se um dia acertássemos os 13 pontos.

 

- Texto publicado originalmente em Zero Hora, dia 05 de abril 2006, na seção semanal "Mario Quintana e seus leitores".

ANTÕNIO GOULART
- Jornalista profissional, com formação em Letras (Ufrgs). Diretor Cultural da Associação Riograndense de Imprensa (ARI). Mantém coluna na revista Press, de Porto Alegre, no Jornal da ARI. Foi o primeiro editor da página Almanaque Gaúcho, de Zero Hora (1999-2001). Publicações: O Outro Lado do Poder (Ed. Mercado Aberto, 1996), As Tiradas do Dr. Brizola "Almanaque Gaúcho - O Livro" (RBS Publicações, 2005), e "Prêmio ARI de Jornalismo - 46 anos de história" (2005). (Martins Livreiro, 2004), Nomes que Fizeram a Imprensa Gaúcha, vol. II. (Edição Press, 2002).