Só um palmo... * | Imprimir |

sobre Cyro Martins 100 anos- O Homem e seus Paradoxos

É fácil ver no texto de Celito De Grandi e Núbia Silveira marcas do romance-reportagem, oscilando entre verossimilhança literária, histórias de vida e “a vida como ela é”. Também, apontar nele a sutileza dos autores na escolha da estrutura narrativa – seqüências entrecortadas, num anticlímax que se estende por todo o livro, ora parecendo ter pontas soltas, ora levando-nos a acreditar em possíveis “erros de continuidade”, como se diz de incongruência em seqüências cinematográficas.  Enfim, um texto multifacetado, modo perspicaz de apresentar uma personalidade em linguagem jornalístico-literária muito bem escrita. Quer dizer: o distanciamento narrativo vem temperado de sensibilidade; a empatia e o parti-pris estão eqüidistantes de quem se fala.

E se impõe pensarmos no processo de coleta de dados e sua elaboração até a redação final do texto; no exercício de escolha do mais significativo, no estabelecimento de relações, na opção pelo fidedigno ou pelo notável. Méritos das pesquisadoras, as jornalistas Adélia Porto e Lorena Paim. Principalmente, deve-se considerar a dificuldade de recriar uma figura sem ter dela memória efetiva e afetiva; pois se trata de gente, de alguém que viveu até há pouco, não, de personagem. (Re)montando pedaços de vida, frases, gestos, diálogos e lembranças de outros, talvez antes mesmo de pretenderem um resultado, digamos, fiel, os autores tenham procurado dispor as peças, como num quebra-cabeças, para que cada  leitor refaça o Cyro que lhe apraz.

No meu caso, reencontro um pai com quem partilhei momentos muito intensos e raros; que reparti com muitos conhecidos e desconhecidos. Descubro outros Cyros: alguns, mal suspeitava existirem; outros, entrevira nas falas e nos silêncios que compartilhamos. Sinto falta do que eu não disse a meu pai; sinto falta do que deixei de dizer aos autores. Sobre o pai que me ensinava a cada gesto e frase, com jeito manso, sem ditar regras. Sobre o pai a quem eu chamava, sem motivo - pai, pai – para ouvi-lo dizer – o que é, minha filha?-, consciente de estar tirando a diferença do tempo em que não pudera chamá-lo ou que o chamava no quieto da saudade.

 

Maria Helena Martins

São Paulo, outubro de  2008

 

* Ao ser solicitado a escrever algo sobre um trabalho, Cyro Martins, entre chistoso e formal, indagava sobre a extensão do texto desejado. Quando lhe devolviam a questão, respondia perguntando: "Serve um palmo"?(MHM)