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Captando o óbvio e segurando o fugaz  E-mail
ERA DIGITAL - Criações Internéticas



                                                                 

                                                                                         Maria Helena Martins *


 

A velocidade e transitoriedade de informações, a alta visibilidade do que se publica na internet assombram, excitam, estimulam. Daí muitos internautas das redes sociais parecerem mais interessados em se expressar - dizer de si - do que propriamente desejosos de se comunicar, estabelecer um diálogo. Uma ironia: usam simultaneamente várias redes, mas resultariam eletronicamente ilhados e crentes de estar se comunicando com o mundo? Vangloriam-se de poupar tempo, vencer distâncias, mas isso não os faz menos apressados ou menos superficiais. Exagero para chamar a atenção dos deslumbrados. Mas, longe de uma atitude preconceituosa, constato o evidente. E não desfaço da importância dessa magnífica e irreversível tecnologia: urge compreendê-la, além de consumi-la, tirando dela o melhor proveito.

 

 

Se textos produzidos de modo convencional não raro se apresentam a meia-língua, revelando precário conhecimento "do Português", não deixam por menos os escritos internéticos, propositalmente em meias palavras, mais alusivos que explícitos, códigos decifráveis só pelos comparsas da rede. Refiro-me ao que se observa de imediato nos registros das redes sociais, mais evidente no twitter, com sua limitação de 140 dígitos por mensagem. Uma linguagem forjada na urgência de manifestar algo, necessidade essa, insisto, talvez maior do que a de comunicação propriamente dita. Parece tratar-se de um código em mutação ou que teria mesmo um caráter provisório, pela própria natureza virtual do meio, fluido, inconsistente.

 

Decorreriam daí a diversidade de formas - facebooks, blogs, twitters, linkedIn... - e as tantas denominações que as redes sociais assumem, com seus propósitos específicos. Sempre a partir da ideia de compartilhamento, embora com frequência não passem de meios de expressão pessoal. De “se mostração”, como diria o poeta Mario Quintana? Enfim, essa é uma realidade da era digital.

 

E se o puxador de uma rede social quiser ir além da atenção fugaz de seus seguidores ou pretender se fixar num tempo e num espaço ou reter um momento de vida, quiçá em busca de alguma permanência mesmo que provisória? Ainda não há pendrive que assegure a durabilidade de um registro virtual de modo mais garantido do que a impressão em papel. Será por conta disso que o internauta-autor se volta para o livro? A fantasia de "palavras ao vento" ou ao sabor da instantaneidade da web atrai pelo aparente facilitário da expressão e a complacência da tela. Mas é próprio do ser humano o desejo de ser (re)lembrado, de deixar-se ficar e de deixar sua marca. Mesmo não sendo seu recado transcedental, é bom "sair bem na foto". Então, há que tomar alguns cuidados, a começar pelo trato da escrita, não importa o teor do recado a dar.


O objeto livro, apesar de facilmente manuseável, ainda provoca certa cerimônia. Em especial num autor iniciante e num leitor iletrado. Mas, dependendo do conteúdo e de como este é tratado, pode estar aí um grande trunfo para conquistar o leitor e satisfazer anseios autorais.


         Não sei se foi assim que aconteceu o Parece filme, mas é vida mesmo, de Camila Fremder. Mas, não à toa, cada texto deslizou da tela do PC, em blog e no youtube, para o papel. Inteligentemente acolhido pelas jovens editoras do Selo Editorial Prólogo, Fernanda Carvalho Kasinsky e Renata Nascimento, também internautas, cujas vivências na web e sensibilidade indicaram um jeito novo para fazer um livro, fruto da era digital.

 

 

capalivro camila

                                      Saiba como aconteceu o livro

  

     Esse livrinho provoca estas elocubrações minhas. Desmistifica-se nele muito do que o iletrado imagina conter um livro, principalmente uma possível seriedade e dificuldade de entendimento. Aos que acreditam que um livro pode desencadear transformações significativas no sujeito comum como em intelectuais, essa não será a leitura definitiva. Mas nessas 65 páginas se encontra uma amostra de como reunir relatos de pequenos acontecimentos apresentados em tom de humor caseiro, sem provocar gargalhada, mas quase todo o tempo levando o leitor entre-sorrisos. Principalmente: é uma amostra de quem sabe captar e expor as obviedades que usualmente ignoramos, desconsideramos por banais que são. Aí está uma boa sacada do autora - num gesto democrático de compartilhamento, revela o já sabido além das evidências e mostra que a internauta escritora não é ET, é " gente como a gente", - e ganha o leitor. Desse gesto destemido - porque não é fácil mexer com o óbvio, fica-se a um fio do bisonho, da rejeição - desse gesto brota um feeling que atravessa os textos com a coragem juvenil e talento.

 

 

  Fixando-se como instantâneos fotográficos, os escritos de Camila Fremder divertem quem os lê, realçando a perspicácia e simplicidade da autora no registro de seu tempo, seu lugar. Revelam alguém que já aprendeu a rir de si mesma, e se deixa levar por um jeito sensível e inteligente de olhar as situações e as pessoas, os bichos e as coisas. Compartilha isso com o leitor tão naturalmente que este se assume como seu interlocutor. São assim as melhores crônicas de qualquer tempo e lugar.


                            

* Dra. em Teoria Literária e Literatura Comparada (USP), pesquisadora sobre leitura e leitor.