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Vanguarda estética e política no Caribe hispânico: um avance entre encouraçados | Imprimir |  E-mail

< Sumário - Volume 2 - Segundo Semestre - 2011


Encontros e Desencontros da/na

América Latina no Século XX


Organização Ligia Chiappini



Vanguarda estética e política no Caribe hispânico:

um avance entre encouraçados[1]


Viviana Gelado[2]



no mar há mais ondas do que normalmente seriam necessárias,

e no mar não se sabe o que há no fundo.

V. Maiakóvski, Minha descoberta da América


Uma das caracterizações, tão recorrente como debatida, dos movimentos de vanguarda é a do seu surgimento em um contexto político conturbado. Com efeito, estudos fundamentais como os de Renato Poggioli, Hans Magnus Enzensberger, Peter Bürger ou Andreas Huyssen coincidem em apontar vinculações (de proximidade ou tensão) entre a vanguarda de inícios do século XX e o marco político de surgimento dos diversos movimentos.

No âmbito latino-americano, estudos de valor análogo, como os de Ángel Rama, Ana Pizarro e Saúl Yurkievich, assim como os realizados pelos também organizadores de coletâneas de textos polêmicos de vanguarda ―Nelson Osorio, Hugo Verani e Jorge Schwartz― assinalam, entre outras características destes movimentos, seu valor duplo de questionadores do status quo institucional, seja este estético ou político. Paralelamente, em estudo mais recente, Fernando Rosenberg atribui à vanguarda latino-americana um valor contemporâneo: o caráter precursor que o debate cultural das décadas de 20 e 30 teve, em termos geopolíticos, em relação à postura crítica atual, na região, respeito da chamada cultura global.

Na década de 80, Yurkievich reconhecia, na vanguarda, a existência de duas atitudes em relação ao progresso científico e técnico: uma otimista e outra pessimista; e derivava delas o apontamento de uma vectorialidade tríplice predominante nos diversos movimentos: uma, realista/historicista (atualista); uma outra, formalista (que propicia a autonomia do signo estético); e uma terceira, subjetivista (que se aprofunda na pesquisa do universo psíquico). (YURKIEVICH, 1982, p. 351-366)

Na década anterior, Rama, atento às advertências de Enzensberger, assinalava a presença de dois debates sobrepostos na vanguarda latino-americana: aquele que opõe, contemporaneamente, o velho e o novo em termos de formas artísticas (romance regionalista vs. ruptura vanguardista); e aquele que opõe dois modos vanguardistas da criação estética (o que se adentra em uma comunidade social e se religa com o regionalismo, e aquele que intensifica suas vinculações com o vanguardismo europeu). Do reconhecimento desses dois debates, Rama deriva uma compreensão da ruptura vanguardista como “principio regenerador de la estrecha vinculación entre realidad y literatura”, antes que como “instancia pura de destrucción” (RAMA, 1973, p. 62)[3]; e constrói, conseqüentemente, uma perspectiva que, ao conceber os movimentos de vanguarda latino-americanos já como elementos próprios da história das idéias estéticas do continente, cria, paralelamente, as condições de possibilidade de consideração do caráter político intrínseco desses movimentos (LÓPEZ ALFONSO, 1994, p. 15-19) (mesmo nos casos daqueles cujas publicações ―Martín Fierro, Contemporáneos e a revista de avance― rejeitam esse rótulo).

Como a maior parte dos estudos interessados em analisar as vinculações entre vanguarda estética e política na região, o empreendido por Ana Pizarro em começos dos 80 parte da leitura de Mariátegui e Amauta ―considerados pelos críticos, quase unanimemente, como os paradigmas do intelectual “orgânico” e do periódico a serviço de um propósito estético-ideológico que transcende a simples atualização dos ismos no período. De acordo com Pizarro, pois, haveria três ordens de articulação da vanguarda estética com a política: a) uma postura militante antiimperialista e democrática (seria o caso de Mariátegui e da revista Amauta, no Peru; do grupo da revista válvula e a chamada Geração de 28, na Venezuela; dos estridentistas mexicanos a partir de 1922 e, apesar dos paradoxos, da revista de avance cubana); b) uma postura reivindicatória de aspectos nacionais ou americanos (a do afro-antilhanismo de Luis Palés Matos, em Porto Rico ou da revista Indigène, no Haiti; do nacionalismo antropofágico do Modernismo brasileiro; ou daquele que polemiza com o “meridiano intelectual” madrilenho desde a revista Martín Fierro, na Argentina e, desde Cuba, com Alejo Carpentier); c) uma postura reativa contra o discurso esclerosado, sustentado por estruturas arcaicas de pensamento (sobretudo, a do Creacionismo huidobriano, mas também a de Luis Vidales e o grupo colombiano de Los Nuevos e, em geral, a proposta de todos os grupos de vanguarda). (PIZARRO, 1981, p. 87-95)

De acordo com estas distinções estabelecidas por Pizarro, chama a atenção, no entanto, ao percorrer as páginas da principal publicação do movimento de vanguarda cubano, a revista de avance[4], a insistência com que seus editores explicitam a decisão de manter separados os planos político e estético[5]; postura que, como veremos, resultou impossível de sustentar a partir de finais de 1927. Esta separação de planos[6] (e a consciência de sua relativa inoperância em alguns momentos mais conturbados da história das relações entre Cuba e o “vizinho” do Norte) acusam o paradoxo da revista de avance e, em geral, do movimento de vanguarda cubano, no tratamento de outros dilemas do momento como, por exemplo, a assim chamada “questão do negro”[7]. Em torno desta “questão” e coerente com essa orientação, a revista adota, por um lado, uma postura inclusiva dos afro-cubanos sob o signo do nacionalismo (reconhecendo a participação dos mesmos em todas as “gestas” nacionais pela independência e, de maneira menos clara e mais esporádica, o aporte cultural desta matriz[8]); mas por outro lado, interpreta o “enegrecimento de Cuba”, graças à progressiva introdução de braceiros jamaicanos e haitianos semi-escravizados pelas grandes empresas “ianques” (entre elas, a Central Nacional Azucarera), como signo de “decadência” e “ruina intelectual”[9].

Anos mais tarde, ao se referir ao “vanguardismo” cubano e, particularmente, à sua principal publicação, Félix Lizaso explicitava o esforço de especialização do grupo, ao sublinhar como “a tentativa máxima daquele empreendimento” a criação de uma “órbita de universalidade” e a constituição de um “sentido de cubanismo sem sentimentalismo”. (LIZASO, 1949, p. 132)  Este duplo empreendimento, com o objetivo de por em dia as letras nacionais com a produção da vanguarda internacional e apontar e divulgar os valores da cultura nacional dentro e fora do país, estará na base de não poucas polêmicas e deslocamentos discursivos ao longo das décadas de 20 a 40, nas produções dos poetas e intelectuais que participaram no movimento.

Assim por exemplo, dentro de seu labor em prol da cultura nacional, a revista de avance auspiciará moderadamente o surgimento da poesia afro-cubana e dará espaço a uma certa “poesia social”; mas sobretudo se encarregará de divulgar a obra e o pensamento de Martí (e de confirmar-lhe o título de “apóstolo”) tanto nas suas páginas, através da publicação de artigos e conferências, quanto com a edição de livros de e sobre Martí nas suas coleções, com o propósito último de reacender o fervor nacional da última guerra de independência, para moralizar as práticas no âmbito da política contemporânea.

Uma vanguarda tardia, a cubana e, especificamente, sua principal publicação periódica surgem na segunda fase, mais construtiva, dos movimentos de vanguarda no continente. Solidária, pois, desse espírito construtivo, e atuando em um marco político muito conturbado (no qual há ainda marcas claras do passado colonial recente, às quais vêm se somar as marcas e ameaças contemporâneas do “imperialismo” estadunidense), “os Cinco”[10] editores da revista farão o esforço de  se manterem atentos às produções da arte nova, para além das limitações de perspectivas traçadas pelo plano político. Contudo, nas suas “diretrizes”[11] editoriais muitas vezes a pulsão ideológica (a ameaça do imperialismo norte-americano, chamado constantemente em tom pejorativo “ianque”) sobredeterminará posições interpretadas, em alguns momentos, desde outras publicações do continente (Amauta, por exemplo), como excessivamente moderadas ou ainda simpáticas ao colonialismo nostálgico espanhol[12].

Neste sentido, a perspectiva adotada pela revista de avance respeito das relações político-culturais entre Cuba e Estados Unidos no período evidencia paradoxos ideológicos do movimento de vanguarda cubano relativos a aspectos da cultura nacional —“a questão do negro”, por exemplo— e internacional —os vínculos com a América Latina, por um lado, e com a Europa (e, particularmente, Espanha), pelo outro. Paralelamente, a análise das relações entre Cuba e Estados Unidos no período também ajuda a explicar o silêncio mantido, na revista, em torno de determinados assuntos de ordem estético-ideológico: o da recepção do “primitivismo” da vanguarda européia por parte da vanguarda nova-iorquina e, sobretudo, a referência escassa e tangencial à produção contemporânea da “Harlem Renaissance”, claramente envolvida no debate político relativo a esta “questão”[13].

Com efeito, há na revista dois modos diferenciados de se relacionar com os Estados Unidos, modos correlativos da separação deliberada, por parte dos editores, dos âmbitos estético e político. Assim, se por um lado os argumentos dos “Cinco” para justificar seu interesse pela cultura norte-americana são claros no que se refere à música, por exemplo; no que diz respeito à política, pode se observar uma progressiva explicitação (e paralela ampliação do espaço dedicado ao assunto na revista) de questionamentos diretos das medidas adotadas por Estados Unidos em relação com Cuba e da conivência dos políticos cubanos com o, assim chamado, “imperialismo ianque”. Em conseqüência, se inicialmente a revista se anuncia como específica do âmbito da cultura, os acontecimentos políticos coincidentes com a celebração do 25° aniversário da República, em maio de 1927, levarão “os Cinco” a lembrar sua participação no movimento minorista e a reproduzir parcialmente os propósitos da “Protesta” desse grupo, realizada em 1923, contra a corrupção do governo local de Zayas e em defesa do patrimônio histórico nacional. Neste sentido, entre os propósitos selecionados pelos “Cinco” estão: “Pela arte vernácula e, em geral, pela arte nova em suas diversas manifestações. [...] Pela independência econômica de Cuba e contra o imperialismo ianque”. (1927, 5, p. 102)

Desta feita, a revista explicita, pela primeira vez e de um modo amplo, seu protesto contra os rumos seguidos pela política local ―desde o momento de entrada dos Estados Unidos na guerra pela independência travada pelos cubanos frente ao poder espanhol, até a generalização de práticas de corrupção econômica e repressão política da primeira República. A este respeito, cabe apontar que a revista de avance “leva âncora”[14] no ano em que a “Comissão revisora de filmes” proíbe a exibição do Potemkin[15] [sic] eisensteiniano, porque “inflamava o ânimo do público”, e navega no mar agitado pela irrupção, em 1898, no ancoradouro de Havana, de um outro encouraçado, o Maine. Entre um e outro, como bem o assinala Benítez Rojo, o encouraçado aparecerá como figuração do engenho açucareiro moderno e metáfora da “máquina imperial” estadunidense em Cuba, no “poema de combate” La zafra, do modernista Agustín Acosta, em 1926.[16]

Em junho de 1927, com a prisão de um dos editores da revista de avance por suspeita de participação em um “complô comunista”, se inicia na publicação o tratamento mais explícito de temas políticos; aspecto que se intensificará, a partir de finais de 1927, com uma nota editorial que reivindica a independência de Porto Rico (1927, 13, p. 3); com notas que explicitam a frustração das expectativas regionais na reunião da Sexta Conferência Pan-americana, em Havana, no início de 1928, e que reconhecem a “solidariedade” demonstrada, nesse momento, por “Prensa Latina” (1928, 20, p. 37-39); e, mais tarde, com aquelas que denunciam o “robustecimento da máquina imperial” (1929, 31, p. 35) em 1929 e os efeitos da crise econômica e política, em 1930. Neste percurso, a revista irá alargando progressivamente sua postura em defesa da especialização da cultura, para dar espaço em suas páginas a textos que dialogam cada vez mais intensamente com a atualidade política local e continental. Assim, começará protestando contra a prisão de Mariátegui, no Peru, e reconhecendo que “aunque carente de filiación doctrinal, [la revista] admite y estimula el libre examen de todas las cuestiones en un sector de ideología y de sensibilidad francamente izquierdista” (1927, 8, p. 181); ao passo que decidirá sair de circulação quando da prisão de outro de seus editores ―J. Marinello, acusado de instigar um levantamento estudantil, brutalmente reprimido― e da suspensão das garantias constitucionais, em setembro de 1930.

Nesse percurso, chama a atenção a presença de um elemento recorrente: os limites que impõem ao discurso alguns dos fatos promovidos por representantes da administração da jovem república. Nestes casos, o discurso notadamente ponderado ―e apoiado em numerosas elipses, duplas negações, profusão de ressalvas que, entre vírgulas, antecedem ou formam círculos em volta dos argumentos, como escudos, assim como os adjetivos qualificativos (aos que se atribui uma função necessária, de clareza e distinção), procedimentos estes com que a intelligentsia da revista apresenta a análise do meio cultural e do contexto político contemporâneos― encontra, na repressão policial ou nos efeitos da crise de 1929 sobre a economia cubana, seus obstáculos intransponíveis: esses outros procedimentos “no necesitan calificación” (1930, 50, p. 259).

Neste sentido, vale já como antecipação o diagnóstico que os editores realizam ao completar-se 25 anos de República. Em nota editorial, reconhecem que, se bem no período se produziu uma transformação material no país, ela foi superficial; e que o sintoma dessa superficialidade é perceptível na “falta de preparo” e de especialização com que se levam a cabo as tarefas relativas à vida intelectual e à política. Citando o historiador Ramiro Guerra ―quem iniciava nesse momento a publicação, por entregas no Diario de la Marina, de seu Azúcar y población en las Antillas―, os “Cinco” denunciam a persistência de vícios coloniais sob o novo regime; mas, paralelamente, cifram na publicação da revista, a “esperança” em uma compreensão mais cabal e sincera das questões nacionais, ao reivindicar as vinculações estreitas do grupo com os propósitos (reeditados então pela imprensa havanesa) da “Protesta dos treze”, de março de 1923, e o Minorismo.[17] A frustração dessa esperança inicial e o apontamento das causas dessa frustração constituem o assunto de uma importante nota assinada por Mañach, dois anos mais tarde.

Porém, antes disso, em 1928, o “veleiro” dos jovens cubanos reafirma sua vontade de navegar com o propósito de “conhecer novas Américas”, em nota editorial em que arremete contra a Sexta Conferência Pan-americana que logo se reuniria em Havana. Opondo, ironicamente, a comicidade das reuniões das nações “hispano, ibero e latino-americanas” ao dramatismo das representações do pan-americanismo, aponta o caráter da reunião: o de um jogo de cena no qual só o “manager do Norte” tem sucesso. Conforme avança, a nota vai abandonando o tom humorístico do “choteo criollo” em favor da enumeração direta das demandas locais e regionais, cuja satisfação ainda constitui uma das “esperanças” dos jovens de avance. Com efeito, aos “três postulados apriorísticos da nação de Coolidge” ―intangibilidade da doutrina Monroe, supervisão militar do Canal de Panamá e oposição à formação de toda e qualquer liga continental― se opõem a independência de Porto Rico, a abolição da emenda Platt, o debate em torno do teor imperialista da doutrina Monroe assim como do direito de intervenção armada, a questão do Canal de Panamá, a questão da Nicarágua etc. (1928, 18, p. 3-4)

Contudo, imediatamente a seguir, se publica uma nota assinada por Juan Marinello, “Arte y política”, na qual este insiste (certo que já com menos veemência que antes) no perfil, de preferência, estético da revista. No corpo da nota, os paradoxos recorrentes: se por um lado, se afirma a fé em que “um labor sério de cultura” pode promover uma transformação social profunda, assim como se postula, como obrigação do intelectual, a de ser “orientador e esclarecedor” dos problemas nacionais; por outro lado, ao distinguir o caráter da política e da arte, se refere a esta última como “labor apolítico” e questiona a eficácia de publicações jovens contemporâneas, que apostam nas “aristocráticas formas novas de expressão artística” para a difusão de um credo social. (1928, 18, p. 5-7) Só alguns anos depois, o mesmo autor se referirá com maior acuidade à distinção ou especificidade da arte e da política; sua reflexão então terá como mote o subtítulo revista de avance:


Aquella rebeldía contra la retórica, contra la oratoria, contra la vulgaridad, contra la cursilería, contra las mayúsculas y a veces contra la sintaxis, era el primer ademán de una sensibilidad nueva, que ya se movilizaba para todas las insurgencias [...]. Nos emperábamos contra las mayúsculas porque no nos era posible suprimir a los caudillos, que eran las mayúsculas de la política.[18]


Alguns números mais tarde, em “La reivindicación del político”, nota editorial de 1929, reaparece o contraponto entre arte e política, mas, neste caso, à reafirmação da especificidade de cada uma delas, se acrescenta a consideração da política como ciência, com postulados e técnicas próprios. Assim também aparece, por contrafação e pela pragmática do discurso, a definição da tarefa do intelectual (como orientador) e o conteúdo semântico daquela “esperança” postulada pelos jovens desde os primeiros números da publicação: a de moralizar as práticas políticas da República local em nome dos imperativos do sentimento pátrio. Com efeito, a nota aponta três modos de se fazer política: a idealista (para o povo), a realista (com o povo) e a subrrealista [sic] ou subpolítica (do povo), esta última, herança colonial e sinônimo contemporâneo de corrupção generalizada. Em conseqüência, “os Cinco” sublinharão a necessidade que o manejo da coisa pública tem de políticos, a um tempo, idealistas e realistas. (1929, 33, p. 95-96)

Pouco tempo depois, instigado ao debate pela publicação do livro de Lamar Schweyer, La crisis del patriotismo[19], Jorge Mañach escreve “Crisis de la ilusión”, nota de uma clareza e refinamento intelectuais extraordinários; explicitação privilegiada dos paradoxos do grupo frente ao dilema das vinculações entre arte e política, na tentativa de superá-los. Assim, a nota começa afirmando a qualidade política de todo “homem sensível” e sublinhando a complementaridade necessária (para um exercício eficaz na política) de realismo e imaginação. Logo a seguir, constata a indiferença que, tanto “o povo” quanto os “aptos para a condução”, experimentam contemporaneamente em relação à política. O diagnóstico, como em tantos estudos do período, dentro e fora do Caribe, reveste-se de caráter psicológico: trata-se de “um complexo de inferioridade em grau coletivo”, que destruiu a energia da “ilusão patriótica”. Tão importante quanto enganosa, essa ilusão se perde quando confrontada com limitações reais, externas, dando origem (assim entre os “diretores inteligentes” como na “massa intuitiva”) a dois sentimentos opostos: por um lado, um otimismo “obtuso”, embora honesto, que redunda em uma “melancólica tolerância” em relação a essas limitações; e, por outro lado, um pessimismo “que não seria excessivo qualificar de desesperado”. Sentimento franco e compreensível, o pessimismo advém da percepção dessas limitações reais como determinadas pela geografia e pela história e explicitadas pela “mediatização política” e econômica, decisivas para o futuro da Ilha e do continente, mas agenciadas pelos Estados Unidos.

A observação da experiência histórica de outros povos hispano-americanos demonstra que essa “mediatização econômica” pode se realizar sem a política; mas, no caso cubano, “no parece dudoso que a la primera forma de ingerencia se debe la peculiar gravedad y eficacia que [...] ha alcanzado la segunda”. Ao abortar o processo independentista com sua interferência, os Estados Unidos recolocaram Cuba no lugar da subalternidade próprio das relações coloniais. Assim, entre a explosão no Maine e a proibição de exibição do Potemkin eisensteiniano, as tentativas de agenciamento autônomo, por parte de alguns “espíritus de bastante tamaño para subordinar su razón particular a la razón de la patria”, não conseguiram fundar uma continuidade de práticas republicanas onde houve, desde a independência, uma “espasmódica política interior” sob a “fiscalização e o julgamento de Washington”, dissimulados no respeito ao aparato jurídico local.

Assim, o “complexo de inferioridade” cubano teria sua origem, em última instância, na apreensão real da “economia controlada” e se expressaria mediante uma “vã mania afirmativa, uma disposição a se consolar com ficções e vitupérios”.

Em lugar da “liberdade de crítica e o temor da opinião pública” ―apontados pelos “Cinco” em “La reivindicación del político”, que comentávamos acima―, os governos locais não se sustentaram nem com nem em contra da opinião pública local, mas com a necessária aceitação das condições favoráveis aos investimentos ianques ―“o latifúndio, a dominação bancária, a servidão de braceiros importados, o monopólio”. Nesse sentido, a abolição da emenda Platt, que contemporaneamente se solicita, repõe a ilusão no que ela tem de mais enganoso (e, pelo mesmo, de solidário ou conivente com as táticas do “imperialismo econômico”); pois supõe a confiança em que a derogação desse documento (e a instância jurídica que o elaborou e que impôs seu acatamento ao longo de todo o período republicano em Cuba) seja capaz de alterar, em essência, o estatuto colonial da nação, enquanto persistirem os interesses imperiais a que esse documento serve. Um mês depois do craque da bolsa de Nova Iorque, há sobradas razões para temer um futuro naufrágio da política e da economia locais, fortemente atreladas aos interesses dessa grande economia ora em crise.

A esperança, enfim, esvaziada dos enganos da ilusão pela contundência dos fatos econômicos recentes, se cifra na possibilidade de ocorrência de um “grave transtorno” ―o “fogo andino”, de que falara Martí, ou um outro tipo de “erupção”―, que instaure uma nova ordem econômica e social e estabeleça uma “hierarquia distinta nas relações e possibilidades políticas”. Entretanto, resta à vontade patriótica a reserva das “afirmações morais ―que, às vezes, podem ser só silêncio”. (1929, 40, p. 321-325 e 348)

Melancólica tolerância, em compasso de espera da ocorrência de um “grave transtorno”? A opção pelas “afirmações morais”[20] ou pelo silêncio (solidário delas) não autoriza a levantar a hipótese de que os jovens “de avance” vejam, nessa circunstância histórica, a condição de possibilidade real de, ao menos, dar início a um momento histórico local distinto; mas, antes, a atribuir ao autor do brilhante diagnóstico o padecimento da mesma doença que tão esclarecidamente aponta como entrada já na fase da “crise coletiva”. Como frente a outras circunstâncias de gravidade extrema na política local, nesta ocasião os jovens editores da revista optam, mais uma vez, pela afirmação moral ou pelo silêncio reprovador.

Neste sentido, caberia dizer deles o que Rama atribui como característica aos jovens venezuelanos de El Techo de la Ballena. De acordo com o crítico uruguaio, as contradições observáveis nas produções dos jovens de vanguarda estão relacionadas com a inserção do escritor latino-americano em uma estrutura social complexa, marcada por um movimento sempre pendular entre poder/falta de poder, consciência política/falta de eficácia revolucionária; que se, por um lado, condiciona uma “escassa formação doutrinária”, por outro lado, autoriza “su más alto nivel en la preparación intelectual por ser los destinatarios de la educación nacional” (RAMA, 1987, p. 16)[21].

Contudo, se a eficácia revolucionária dos jovens da vanguarda cubana parece ficar aquém da sua consciência política até a crise de 1929, também o grau de esclarecimento dos diagnósticos que realizam sobre a situação contemporânea local é certamente maior que aquele que evidenciam, até o começo de 1930, ao tratar do contexto análogo nos outros dois países do Caribe hispânico, com os quais, no entanto, compartilham, embora com características específicas diversas, a realidade das práticas, políticas e econômicas, do imperialismo estadunidense.

Assim, ao tratar das circunstâncias que rodearam o fim da presidência de Horacio Vázquez (quem tentou se manter no poder, depois ainda de ter estendido o período de mandato presidencial, de quatro para seis anos), em 2 de março de 1930, na República Dominicana, a revista de avance comemora a resolução do impasse político e o cita como “Un ejemplo” (1930, 44, p. 67)[22]. Na nota editorial, se denuncia as artimanhas legais que Vázquez tentou utilizar e, como contraponto, se exalta a “rara dignidade civil” do povo dominicano que se opôs à continuidade dele no poder, organizando um movimento que o então comandante do exército, Rafael Leónidas Trujillo, decidiu não reprimir. Com “esperança” renovada, os jovens cubanos comemoram a resolução civil, pacífica e, sobretudo, interna do impasse, que dispensou inclusive a mediação norte-americana.

Sem suspeitar das motivações de Trujillo nesse episódio, os “Cinco” o tomam como exemplo prático da recomendação martiana aos países hispano-americanos, no sentido de que eles “sudaran la calentura”, “sin curanderos” externos. O parcial equívoco na avaliação, neste caso, pode se dever ao fato de que, se contemporaneamente as circunstâncias em Cuba não contribuíam para a consideração, como provável, da ocorrência de uma rebelião que tornasse efetiva a participação da maioria na cena republicana; na República Dominicana, berço do general da independência cubana Máximo Gómez, essa probabilidade parecia ser de realização mais factível.

Já em relação às circunstâncias contemporâneas de Porto Rico, a revista de avance demonstra, talvez por razões de contigüidade histórica de ambas as ilhas, uma familiaridade maior. Com efeito, as referências a Porto Rico se iniciam com a visita de Pedro Albizu y Campos, vice-presidente do Partido Nacionalista, a Cuba, em fins de setembro de 1927 (i.e., pelos mesmos dias em que se dava a estréia do filme sobre o encouraçado russo, de Eisenstein). O propósito da viagem é o de conseguir, entre as nações hispano-americanas, “atenção para o drama da Antilha sem pátria”. (1927, 12, p. 320)

No número seguinte, aparece, entre as notas editoriais, uma cujo título já advoga: “pela independência de Porto Rico”. (1927, 13, p. 3-4) Nela, os “Cinco” explicitam com entusiasmo sua adesão à causa do título e anunciam a constituição de uma Junta Cubana pela Independência de Porto Rico, na qual também participa Varona; além de noticiarem a assinatura (por parte de três dos Cinco) de um longo manifesto[23] que, no entanto, não publicam a causa (dizem) da extensão do mesmo. Paralelamente, a visita serve para traçar uma radiografia do meio local, no qual se reconhece a presença: a) dos elementos chamados “sérios, conservadores da ordem”; b) de “a inquieta minoria jovem, rebelde por antonomásia”; e c) de uma “grande zona inerte da massa”; distinções que amiúde estarão presentes nas notas dedicadas a assuntos da atualidade política. Por outra parte também, a nota dá a “temperatura cívica” do momento, pois os “Cinco” explicitam nela a necessidade (obviamente, logo frustrada) de que a independência de Porto Rico constitua um dos temas a serem debatidos durante a Sexta Conferência Pan-americana, que uns meses mais tarde se reuniria em Havana.

Contudo, fora os momentos em que as ilhas da região são lembradas como casos análogos ao cubano quanto aos procedimentos aplicados pelo imperialismo do Norte ―notadamente, a editorial “Cuba, caso antillano” (1929, 39, p. 287-288) ―, as referências a Porto Rico na revista quase desaparecem até finais de 1929, quando se publica um “Mensaje a Puerto Rico” (1929, 41, p. 351-352). Nele, os “Cinco”, retomam o diálogo suspenso dois anos antes e o histórico de vínculos culturais, contra o qual conspiram duas formas coloniais: na atualidade, o tratamento diferenciado que ambas as ilhas receberam, após a independência da Espanha, por parte dos Estados Unidos; antes, o individualismo herdado da cultura espanhola. Contra esses dois pesados obstáculos, os jovens cubanos conclamam seus pares porto-riquenhos, acusando recebimento das revistas Índice e Hostos, e relembrando a visita de Albizu.

A resposta de Índice se torna pública quatro números mais tarde e incita à reposição, na pauta dos cubanos, da necessidade de fomento de uma “Conciencia de archipiélago” (1930, 45, p. 98)[24]. Na prática, o que os “Cinco” propõem é o estudo aprofundado das respectivas realidades insulares, a intensificação do contato cultural e a constituição, em um futuro não muito distante, de uma confederação antilhana. Assim, como Rosenberg o aponta em relação aos movimentos de vanguarda brasileiro e argentino, os jovens vanguardistas caribenhos buscaram também uma resposta geopolítica, duplamente defensiva, no caso, frente aos efeitos nefastos do imperialismo norte-americano: a criação (impensável antes da Primeira Guerra Mundial) de uma confederação antilhana que, além de ajudar a romper o isolamento cultural ―aprofundado com a instauração de relações bilaterais do “vizinho do Norte” com cada uma das ilhas caribenhas―, operasse como marco de proteção respeito dos efeitos da crise econômica de 1930.

Em atenção a estes propósitos, três números mais tarde, a revista de avance abandona o discurso ponderado de outrora e se refere à situação porto-riquenha em termos duros ―“os pequenos-proprietários nativos, donos, até não há muito tempo, do país, ficam reduzidos a um rebanho de escravos”.[25] Além disso, denuncia, citando inclusive nomes próprios, a ação de antilhanos e sul-americanos que trabalham a serviço do “novo colonialismo”; e atribui à compreensão interessada dos mercadores, a consideração do “anexionismo” como uma questão meramente econômica. A gravidade das injunções históricas, enfim, compele o discurso dos jovens vanguardistas cubanos a abandonar o silêncio como meio de reprovação e a navegar além, sorteando mais ondas que as “que normalmente seriam necessárias”.

Ao longo de sua navegação, a revista de avance revela, de algum modo, a alternância de atitudes e vectorialidades apontadas por Yurkievich. Ao tratar-se de uma publicação de vanguarda da fase construtiva e surgir em um contexto político conturbado (porém de valorização da constituição e sustentabilidade de jovens instituições), a revista aplica, no início com otimismo, os meios oferecidos pelo progresso técnico e científico ―perceptível tanto na extraordinária qualidade gráfica de sua apresentação, quanto nos discursos que articulam as análises, notadamente, da atualidade nacional―; mas logo aprende também a ver nestes últimos uma forma solidária do exercício do “novo colonialismo”.

Por outro lado, no modo como se modificam suas concepções acerca do campo cultural, pela imposição das injunções históricas e a transformação das sobredeterminações ideológicas que as acompanham, a vanguarda cubana explicita, na sua revista, o predomínio alternativo de alguma das três vectorialidades apontadas por Yurkievich. Assim, postulando-se, no início, como atualista no âmbito estritamente estético, será, ao mesmo tempo, formalista. Mais tarde, frente à pressão das circunstâncias históricas e lançando mão dos discursos do progresso científico em voga, começará a aliar ao subjetivismo da pesquisa do universo psíquico (individual e coletivo), um alargamento de sua preocupação atualista, aplicando-a cada vez mais a materiais de teor diverso (político, econômico, social etc.), ampliando assim sua concepção inicial do campo cultural.


Bibliografia

Acosta, Agustín. La zafra. Havana: Minerva, 1926. 153 p.

Benítez Rojo, Antonio. La isla que se repite. Barcelona: Casiopea, 1998. 415 p.

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[1] Este artigo faz parte de uma coletânea de trabalhos de membros do GT da ANPOLL “Relações literárias interamericanas”, organizada por Silvina Carrizo e Jovita Noronha, Relações literárias interamericanas: território & cultura (Juíz de Fora: UFJF, no prelo).

[2] Universidade Federal Fluminense-RJ

[3] As traduções dos textos em espanhol são da autora do artigo e têm o propósito de torná-los mais acessíveis ao leitor brasileiro.

[4] revista de avance é o subtítulo fixo da publicação, mantido ao longo dos 50 números publicados; seu título, móvel, muda anualmente entre 1927 e 1930. De freqüência quinzenal até novembro de 1927, a partir de dezembro desse ano se transforma em mensal, com saída nos dias 15 de cada mês. Uma outra característica que assinala o experimentalismo da publicação é a mudança de formato durante o primeiro ano. Assim, os dois primeiros tomos da revista de avance correspondem a 1927: o primeiro abarca os nº1 a 12 (15.III a 30.IX.1927) e o segundo, de 13 a 17 (15.X a 15.XII.1927); o terceiro tomo corresponde a 1928 (nº18 a 29, de 15.I a 15.XII.1928); o quarto tomo a 1929 (nº30 a 41, de 15.I a 15.XII.1929); e o quinto a 1930 (nº42 a 50, de 15.I a 15.IX.1930).  Em julho de 1927 a revista não circula, em conseqüência dos processos judiciais abertos contra dois de seus editores, Tallet e Casanovas, por razões políticas. Assim, o nº8 se publica em 30.VI.1927 e o nº9, em 15.VIII.1927.

[5] Cf. al respecto, Manzoni, C., “Vanguardia y nacionalismo...”; e Gelado, V., “¿Cuál debe ser la actitud del artista americano ante lo europeo?...”.

[6] O nº3 traz uma nota editorial, “Política”, na qual se afirma: “No extrañe a nadie el silencio de ‘1927’ sobre los asuntos de política inmediata. [...] ‘1927’ se propone ser, exclusivamente, una revista de cultura”. Cf. 1927, 3, p. 41.

[7] Designada com os mesmos termos utilizados contemporaneamente por políticos e intelectuais estadunidenses, esta “questão” aparece assim enunciada em nota editorial da revista de avance, no mesmo número em que se resenha a conferência de Ortiz em Madri sobre “raça” e “cultura”. Na nota se fala na existência de uma elite “da raça negra” que está colocando “sua” questão. (Não se diz quem seria nem em que âmbito estaria colocando essa questão.) A seguir, se opõe, ao indo-americanismo surgido em vários países do continente, o afro-cubanismo como tendência mais própria: “Los intereses de una raza que cooperó a nuestra emancipación son doblemente nuestros: primero, por un espíritu de mera solidaridad humana, fortificado por la larga convivencia; después por un sentimiento nacionalista, que arranca de las raíces mismas de la historia. // Pero importa más que sea el negro y no el blanco quien dé muestras de sensibilidad en esta cuestión. En última instancia es una cuestión de cultura y el hacer de su entidad racial una entidad cultural, con caracteres y valores genuinos, es tarea de las minorías de color, de esas que ya están ‘sintiendo’ más que viendo el problema”. Cf. “La cuestión del negro”, em: 1929, 30, p. 6, subl. VG.

[8] Isto é válido, mesmo que se  leve em conta que a revista de avance foi a primeira revista cultural cubana a reproduzir os poemas negristas de Ramón Guirao, “Bailadora de rumba” (1928, 26, p. 241), e de Emilio Ballagas, “Elegía de María Belén Chacón” (1930, 49, p. 241); assim como a comentar as idéias do maestro Pedro Sanjuán, valorizadoras da música afro-cubana. Acerca da sobredeterminação da pulsão ideológica no tratamento da “questão do negro”, pode se consultar a nota editorial do mesmo título (1929, 30, p. 5-6). Por outro lado, Juan Marinello afirmará nas páginas da revista, que a única expressão literária válida em Cuba deve ser a de base negra, como alternativa autêntica ao imperialismo cultural norte-americano e europeu. Cf., Marinello, “Sobre la inquietud cubana” (1929, 41, p. 354-357; e 1930, 43, p. 52-54).

[9] 1929, 39, p. 287. Sobre o alcance que categorias desta ordem tem, contemporaneamente, no pensamento de F. Ortiz, cf. o cap. 4, “Fernando Ortiz (1881-1969) y Allan Kardec (1804-1869): espiritismo y transculturación”, em Sobre los principios..., de A. Díaz Quiñones, p. 289-317.

[10] As mudanças na conformação deste grupo de editores também foram determinadas por razões de ordem profissional ou política. Assim, os editores do primeiro número de 1927 são Alejo Carpentier, Martí Casanovas, Francisco Ichaso, Jorge Mañach e Juan Marinello. No segundo número, José Z. Tallet substitui Carpentier, que, como editor de Social, se vê forçado a renunciar ao mesmo cargo em 1927. Mais tarde, processados judicialmente Casanovas e Tallet por suposta participação em um “complô comunista”, o primeiro deve abandonar o país por ser estrangeiro e é substituído, a partir do nº11, por Félix Lizaso.

[11] Assinadas ou não por “Los Cinco”, as notas editoriais, em seção inicial fixa (a partir do nº2) com o título de “Directrices”, são assumidas sempre como expressivas da posição da revista sobre os temas tratados.

[12] Em 1928, 19, p. 46, se publica a “Oda al bidet”, de Giménez Caballero. Pouco depois, Amauta (n°15, 1928, p. 40) reproduz o poema do espanhol com o título “Elogio al bidet”, acompanhado de uma “Nota polémica”. Nela caracteriza o poema como “un testimonio de acusación para el pleito del meridiano” e, sem citar a fonte, lamenta que “los hijos de esta América todavía aldeana y rural [sean] tan propensos a la seducción de cualquier artefacto cosmopolita” e que as vanguardas do continente rendam “todavía a la vieja metrópoli largo y puntual tributo”. Da (quando menos, tentativa de) equanimidade de Mariátegui, no que se refere às relações culturais entre Hispano-américa e a antiga metrópole, pode dar prova uma nota jornalística publicada por ele nesse ano. Com efeito, em “La batalla del libro” (Mundial, 30.3.1928) diz: “Desde un punto de vista de libreros, los escritores de La Gaceta Literaria estaban en lo cierto cuando declaraban a Madrid meridiano literario de Hispanoamérica. En lo que concierne a su abastecimiento de libros, los países de Sudamérica continúan siendo colonias españolas”. Cf. Temas..., p. 118.

[13] A revista noticia o lançamento de livros de Langston Hughes (1930, 47, p. 187) e Countee Cullen (1927, 12, p. 318), em notas breves, em seções específicas (Almanaque, Letras), mas não aparecem notas ou resenhas de maior fôlego sobre a produção da “Harlem Renaissance”.

[14] Em lugar do manifesto inaugural, próprio dos movimentos e publicações de vanguarda da fase rupturista anterior, a revista de avance abre seu número inicial com um “prospecto”, intitulado “Al levar el ancla”.

[15] Cf.Potemkin”, em 1927, 13, p. 4 e 28. Na nota, os editores afirmam o inadmissível do papel que a administração republicana local se arroga como “Estado-tutor” e o compara, por analogia, com o do “Estado-gendarme mussolinesco”. A razão argüida para a suspensão da exibição do filme de Eisenstein (de que “enardecía los ánimos del público”) serve de mote aos “Cinco” para ironizar sobre a instituição de uma “ética menor”, por parte do órgão público, que não proíbe a exibição contemporânea de filmes obscenos.

[16] Diz o poema de Acosta: “Gigantesco acorazado / que va extendiendo su imperio / y edifica un cementerio / con las ruinas del pasado...! / Lazo extranjero apretado / con lucro alevoso y cierto; / lazo de verdugo experto / en torno al cuello nativo... / Mano que tumba el olivo / y se apodera del huerto...!”. Cf. Acosta, A., La zafra, p. 12; e Benítez Rojo, A., La isla que se repite, p. 147-148.

[17] 1927, 5, p. 97-98 e 102. Além dos propósitos citados acima, neste número se incluem também: “Por la revisión de los valores falsos y gastados. / Por la introducción y vulgarización en Cuba de las últimas doctrinas, teorías y prácticas artísticas y científicas. / Por la reforma de la enseñanza pública y contra los corrompidos sistemas de oposición a las cátedras. Por la autonomía universitaria. / Contra las dictaduras políticas unipersonales, en el mundo, en la América, en Cuba. / Contra los desafueros de la pseudo-democracia, contra la farsa del sufragio y por la participación efectiva del pueblo en el gobierno. / En pro del mejoramiento del agricultor, del colono y del obrero de Cuba. / Por la cordialidad y la unión latinoamericanas.” (Id., p. 102)

[18] Mañach, J., “El estilo de la revolución” [1935], p. 96-97, apud C. Manzoni, “Formas de lo nuevo...”, p. 739.

[19] Para uma contextualização desta obra, cf. Rafael Rojas, “Fernando Ortiz: contra el homo cubensis”, in: Motivos de Anteo, p. 249-276; em especial, p. 254-256.

[20] Em seu artigo “revista de avance: vanguardia artística y vanguardia política”, Celina Manzoni desenvolve o argumento da “eticidade” como “traço dominante da vanguarda cubana”. De acordo com ela, a restituição da figura de Martí como central na produção modernista e a paralela ampliação (e heterogeneização) da tradição literária moderna em Cuba, levada adiante por Félix Lizaso e José Antonio Fernández de Castro em La poesía moderna en Cuba (1882-1925), constituiriam o “grau zero” das atividades e conceptualizações culturais do grupo de vanguarda cubano. Instaurada, assim, a figura de Martí como poeta “novo”, “contemporâneo”, os jovens vanguardistas cubanos disputam o desenho de uma “tradição ampliada” (em relação ao recorte realizado por José María Chacón y Calvo em Las cien mejores poesías cubanas, de 1922), articulada como resposta às circunstâncias históricas (em particular, ao “fracasso e à corrupção do ideal republicano” e ao “sometimento a uma potência estrangeira”).

[21] É interessante lembrar aqui, que os estudantes rebeldes venezuelanos, exilados em Havana pela ditadura de Gómez, encontraram sempre, nas páginas da revista de avance, eco e divulgação de suas atividades e propostas.

[22] Nesta linha, poderia se ler, como “contra-exemplo”, a nota editorial dedicada à “tragédia nicaragüense”. Nela, os “Cinco” lamentam a “absorção econômica e política destas pobrezinhas terras histéricas” de América pelos Estados Unidos; ao passo que consignam o caráter ilusório de pedir às repúblicas americanas “um comportamento totalmente civil, uma normalidade política”, pois faltam, para tanto, a cultura primária e as capacidades individuais. No fim, se perguntam se a juventude do momento poderá fazer algo contra uma “maquinaria formidável que todos contribuíram a criar e cujo funcionamento é dirigido por uma mão loira”. (1927, 6, p. 125-126)

[23] Em Social (Havana, vol. XII, n°11, nov. de 1927, p. 5) aparece a notícia da constituição desta Junta e se citam trechos do manifesto, que recupera a história do Partido Revolucionário Cubano, formado em 1892 com o propósito de alcançar “a independência absoluta de Cuba e fomentar e auxiliar a de Porto Rico”). Paralelamente, o manifesto enfatiza os vínculos de “sangue”, “religião”, “idioma”, “costumes” e “interesses materiais” que uniriam Porto Rico e Espanha, ao passo que, em relação aos Estados Unidos, “não há conexões de nenhum tipo”.

[24] 1930, 45, p.98. Da fortuna desta figura na percepção das relações de ordem diversa (histórica, política, cultural etc.) estabelecidas entre as nações caribenhas e ds implicações da tensão entre o caráter insular nacional e a vocação consciente de arquipélago dão conta, entre outros, os ensaios de Antonio Pedreira (Insularismo), Ramiro Guerra (Azúcar y población en las Antillas), Fernando Ortiz (Contrapunteo cubano del tabaco y el azúcar) e, mais recentemente, a análisis desenvolvida por Benítez Rojo em La isla que se repite.

[25] “Otros traidores”, em: 1930, 49, p. 226.