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Rogério Gastal Xavier apresetado por Léa Masina FLOR DA FORTUNA Quem não vê logo atrás desses olhos profundos, no olhar marcado, enormes campos abertos a refletir transparências verdes-água? Quem não sente a mansidão dos matos vicinais, a sua contenção sóbria, sábia, neles? Quem não aspira à solidez-pétrea, caráter desse corpo franzino, quase etéreo, machucado pelo mal do homem e suas poções de veneno? =============== BARQUEIROS Um barco é ponto branco no mar. O homem, ponto branco à distância. Já o ponto branco dos pássaros é diferente: Move-se em três dimensões. A imobilidade de um barco ou do homem São flagrantes de sua pequenez Frente aos pássaros. Barcos e homens são objetos ou seres Sintéticos, sobrevivem pela capacidade De interação entre portos e pessoas. O pássaro altaneiro, não. Deve-se a si, aos seus. E nada mais. ==================== HOMEM - OBJETO Assim como a sombra é oculta à elevação do sol, O homem-objeto está preso em si mesmo. A esfinge suspira na boca conectada a um tubo. Fino traço ausente, dizque pintado por Clara Pechanski. Adormece a vida, a majestade do olhar perdida. Dizque Amedeo Modigliani pintaria dois orifícios, A expressão vazada pela luz intensa. Do corpo submisso fluem sonhos-labirintos. Carretéis enfiados em linha, dizque seriam Na pintura de Iberê Camargo. E o dito: “Dentro do traço mesmo, o vácuo ora está fora ora dentro”. ====================== SENDAI, SENDAI De um maremoto o clamor brota da terra, do chão, do mar. Perdão. As placas deslizam e abatem o teu corpo de gesso. Frio. Expõe as nervuras, jorra sangue das feridas. Ameaça à alma. Os campos mudos sem o viço do prazer. Sem tuas sementes. A água, subida do mar em ciclone, a terra arrasa. Baque de casas, florestas, fendas se abrem e engolem gente. No desvão, sem gritos, vão-se multidões, vidas. Um sopro que pára. A mulher idosa, levada pelas três filhas no xale branco. O bebê rosa sob risco de radiação. A multidão sóbria. Sem saques, sem medos, pessoas buscam água, pão. Ficam em filas. Jovens sem sorrisos auxiliam a carregar vivos e mortos. Sendai, Sendai, a usina de Fukushima explode, queima. Gueixas delicadas, narizes perfeitos, somem trás das máscaras. Tóquio está longe, mas treme aos abalos e de pânico. Lembranças constantes, Hiroshima e Nagasaki, no bojo das nuvens. Fumaças, cheiros. E o aroma dos pessegueiros onde está? Sendai, Sendai, tuas bonecas de louça ainda conversam? E as flores de março nas brancas cerejeiras, de ti irão lembrar? Água, luz e gás mínguam. Sobram detritos a purificar. Montes de lama e lixo, à espera de um Samurai.
Rogério Gastal Xavier é natural de Pelotas, Rio Grande do Sul, cidade de onde provém o imaginário presente em grande parte dos seus poemas. Médico pneumologista de reconhecidos méritos, exerce a profissão em Porto Alegre, onde se formou e atuou como docente na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Há alguns anos, dedica-se à literatura, escrevendo sobretudo poemas. Publicou, em 2009, seu primeiro livro, “Maria dos Mares Lunares” e, por sua atuação nos meio culturais e literários, foi convidado para integrar a Academia Sul-Brasileira de Letras . Lidando com a linguagem em sua função poética, Rogério Xavier não hesita em experimentar novos ritmos em seus poemas, sem abrir mão dos paradigmas colhidos à tradição. O poeta extrai de cada instante novas temáticas e formas, articulando a palavra poética com seu peso, cor, cheiro e competência para criar novos e múltiplos significados. Assim, transita do universo mítico de Pelotas para o mundo, ora deixando-se levar por linhas melódicas extensas, ora optando pela forma enxuta dos hai-kai. Léa Masina Professora de Literatura Crítica Literária Doutora em Literatura Comparada |