X Jornada CELPCYRO

img banner

Informe CELPCYRO

Cadastre-se e receba nosso INFORME
Nome
E-mail*
Área de Atuação

Redes Sociais

  • Twitter
  • Windows Live
  • Facebook
  • MySpace
  • deli.cio.us
  • Digg
  • Yahoo! Bookmarks



TECENDO AS HUMANIDADES MÉDICAS  E-mail
Humanismo Médico

- conhecendo o homem, além do organismo, o médico fica sabendo mais de si e de seu paciente

Betina Mariante Cardoso*

          

Revisitando  a explanação do tema que me coube apresentar  no evento Saúde Mental na Formação Médica, em 1999, organizado pelo Centro de Estudos de Literatura e Psicanálise Cyro Martins- CELPCYRO,  teço algumas considerações. Inicialmente, trago a citação de Dr. Cyro Martins, de 1970: “As perspectivas humanistas da Medicina contemporânea podem ser definidas dizendo-se que paralelamente ao muito que já se conhece do organismo, vimos sabendo cada vez mais do homem”1.

Neste contexto inserem-se as Humanidades Médicas, pois é exatamente ao conhecermos cada vez mais o ser humano, através de ferramentas como a Literatura, as Artes Plásticas, a Filosofia, entre outras, que nos tornamos munidos da compreensão do mundo de que participamos como médicos e do qual participam também nossos pacientes.

Assim,  ao pesquisar a tendência atual à inserção das referidas Humanidades no currículo médico, desde o início da formação profissional, o que se preconiza é que, como referiu Dr. Cyro em 1970, saibamos também muito do homem, paralelamente ao conhecimento biológico que já se tem através dos aspectos técnico-científicos. A partir desta capacitação, é possível conduzir o aluno  de Medicina por caminhos humanísticos durante a graduação, permitindo que conheça mais de si, do mundo em que vive, de suas vicissitudes, e do contexto em que habita o paciente que o procura. Ainda, desenvolvendo  também competências culturais em Medicina, no contexto das Humanidades,  o aluno aprimora o reconhecimento e a percepção do que o indivíduo a sua frente, na sala de consultas,  é capaz de comunicar a respeito de si, de sua doença, de suas expectativas de tratamento. Há uma importante riqueza neste aspecto: ultrapassando o alfarrábio médico, o dissecar objetivo da anamnese, encontramos um labirinto de reflexões, dúvidas, personagens e cenários que o paciente nos traz; ao estarmos atentos ao seu relato, conhecemos a sua história e as variáveis culturais que podem motivar ou emperrar o tratamento. E, conforme preconizam as pesquisas em Humanidades Médicas, o estudo e vivências nesta área- realizados de modo sistemático e com a adequada orientação - são capazes de sensibilizar o estudante e o profissional para uma escuta mais qualificada do indivíduo.

Além de propiciar que o médico se aprimore do ponto de vista de sua visão de mundo, o aprendizado das Humanidades proporciona-lhe condições de qualificar sua escuta e percepção acerca da bagagem do paciente, melhorando a comunicação com este e, por conseguinte, o enfrentamento de desafios na relação médico-paciente .

Uma questão em que esta idéia se aplica, entre tantas outras, é a noção de doença2. O desamparo de todo ser humano face à doença e à perspectiva da morte faz com que a noção de doença, em sua essência, seja universal. Interpretações mágicas e religiosas persistem até hoje; interpretações racionais ou naturalistas já existiam há centenas ou milhares de anos, entre médicos gregos como Hipócrates, assim como Chineses, egípcios e hindus. Ver-se-á, entretanto, que a concepção de doença por parte do paciente surge como aspecto integrante da dicotomia entre o bem e o mal, necessariamente contraditória à noção científica de patologia que o médico possui.

Assim, determinados pacientes podem atribuir à enfermidade uma conotação de fatalidade ou punição, comportando-se da mesma forma em relação ao tratamento proposto, o que promoverá, possivelmente, o abandono do mesmo; algumas vezes, no entanto, a repetição e o sofrimento são concebidos como parte do tratamento, ou da penitência, e costumam ser muito bem aceitos. Outro ponto a salientar é a idéia de cura ou melhoria na mente de quem busca tratamento. Médico e paciente, por exemplo, podem ter parâmetros distintos em relação à prescrição de  determinado medicamento: para o médico, o sucesso do tratamento requer a tomada efetiva da medicação; para o paciente, o sucesso é medido através do efeito desta em sua vida. Ainda, deve-se ter em consideração que o paciente lê, absorve, analisa, interpreta e, por fim, reage de acordo com sua formação, com sua habilidade ou aptidão de ver o mundo. Ele decide, então, conforme os parâmetros de que dispõe, se continuará ou não determinado tratamento2.

Neste contexto, ressalta-se a necessidade de que o médico compreenda  o significado da doença para seu paciente, considerando as atitudes pessoais, o estilo de vida e as concepções culturais do mesmo, adequando o processo terapêutico a cada paciente2. A medicina inclui, dentro de seu interesse e de suas ações, não só o fenômeno biológico conhecido como enfermidade, mas o indivíduo que dela sofre, assim como o nicho social e cultural onde ocorre o episódio. Em outras palavras, no exercício da boa medicina, o conceito biomédico não se contrapõe ao conceito biopsíquico e sociocultural da enfermidade, mas estes se complementam2.

Deste modo, é no intuito de que tal integração ocorra que a presença das Humanidades Médicas no currículo formal das Faculdades de Medicina vem sendo progressivamente discutida, em âmbitos nacional e internacional. A motivação para concretizar a referida integração é, de modo primordial, a necessidade de aprofundar o conhecimento das relações humanas, especialmente daquela entre o médico e o paciente; tal relação apresenta grandes desafios e pode oportunizar gratificações mútuas, como o reconhecimento da diversidade cultural inerente ao encontro das experiências3.

  

A relevância cultural do aprimoramento humanístico durante a formação médica consiste em valorizar a relação médico-paciente e suas implicações na vida de ambos e em seus contextos vivenciais, tais como relações sociais e culturais, porque estas são diretamente ligadas à qualidade de vida e à cidadania3. Deste modo, o projeto de sistematizar o desenvolvimento de competências culturais em Medicina  e de sensibilização e conhecimento no âmbito das Humanidades Médicas contém, em suas diretrizes, o propósito de aprimorar tanto o médico e o paciente, de forma individual, como a relação entre eles; esta, por sua vez, tem um importante efeito na qualificação pessoal e social de cada um deles.

A valorização humanística durante a formação do médico, então, tem   gr ande importância em sua construção como profissional e como indivíduo pertencente a uma coletividade, tornando-se capaz de conhecer “mais do homem”  no paciente  que nele busca auxílio. Reconhecer este significado é propiciar uma formação mais integral ao médico,   oportunizando-lhe as ferramentas das Humanidades para incrementar tal construção,  ferramentas estas tão  essenciais como as disciplinas regulares presentes no currículo formal dos cursos de Medicina.

 

Alunos que, ao lado dos estudos de Anatomia, Fisiologia e Farmacologia, adentram o universo da leitura e conhecem o personagem de “A Montanha Mágica”, Hans Castorp , ou mesmo Ivan Illitch e tantos outros, ou aqueles que usufruem da obra de Dostoievski, das cartas de Ernest Hemingway e de biografias interessantes, ou, ainda, os que visitam centros culturais e exposições de Arte - apenas para citar alguns exemplos-, com grande possibilidade terão um ganho em sua formação médica, pois, nestas circunstâncias, entram em contato com aspectos profundos da condição humana: a expressão artística e manifestações culturais. E esta é a parte em que, como referiu Dr. Cyro Martins, passamos a “saber cada vez mais do homem”.

Com o presente texto, aproveito para convidar os leitores à Pré-Jornada de Humanismo Médico do CELPCYRO, a ser realizada em 13 de agosto de 2010, em Porto Alegre, sobre a qual poderá se informar neste site. Neste evento, serão abordados temas referentes ao Humanismo Médico e suas possíveis aplicações em nossa contemporaneidade, da formação ao exercício da boa medicina.

---------------------------

* Médica Psiquiatra. Diretora da Casa Editorial Luminara. Coordenadora do setor Humanismo Médico no CELPCYRO.

 

Referências:

1.Martins, Cyro. Perspectivas Humanísticas da Relação Médico-Paciente. In: A Criação Artística e a Psicanálise. Ed. Sulina. Porto Alegre.

2. Cardoso, Betina Mariante; Cataldo Neto, Alfredo. A adesão ao tratamento médico. In: Acta Médica, 2001. Porto Alegre, EDIPUCRS.

3. Cardoso, Betina Mariante; Martins, Maria Helena. Projetos em Humanidades Médicas. CELPCYRO e Casa Editorial Luminara, 2010.