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O CONTATO DO PORTUGUÊS COM O ESPANHOL NO SUL DO BRASIL | Imprimir |  E-mail

A história do contato entre o português e o espanhol está vinculada, no sul do Brasil, à disputa de poder entre Portugal e Espanha, tendo como cenário o espaço do Rio da Prata e da Banda Oriental. Trata-se de um contato permeado de rivalidades antigas e cunhado, nos tempos da colônia, a ferro e fogo.

É assim que se gesta, também, no espaço do pampa, a fronteira.

Nesse espaço, fronteiriço, extremo e meridional brasileiro, a língua constitui um contínuo onde o português predomina, mas se vê impregnado, em várias dimensões, pelo espanhol que historicamente lhe faz contato.

A fim de estudar o contato é preciso recortar o seu momento histórico, atentando para sua dimensão sincrônica, bem como descrever a sua evolução temporal. De outra parte, a análise lingüística busca compreender as dimensões geográfica e social do contínuo português-espanhol.

Geograficamente, o contínuo distribui-se ao longo da fronteira e em zonas adjacentes à linha. No norte e nordeste do Uruguai, o português ainda constitui língua materna de parcela significativa da população.

Esse português fronteiriço, uruguaio e brasileiro, vem sendo objeto de pesquisas conjuntas, por parte da Universidade Católica de Pelotas e a Universidad de la República, do Uruguai. As pesquisas contribuem para a consolidação de dois bancos de dados: o BDS Pampa – Banco de Dados Sociolingüísticos da Fronteira e da Campanha Sul-Rio-Grandense – e o BDPU – Banco de Dados dos Dialetos Portugueses do Uruguai.

Nesses trabalhos busca-se, além de analisar o contato, quanto à sua fenomenologia e ao impacto produzido em trechos bilíngües e monolíngües do contínuo, resgatar o prestígio dos dialetos portugueses do Uruguai, vinculando a sua pesquisa ao âmbito dos estudos lingüísticos do português brasileiro, na condição de variedades de contato, e promovendo o seu valor de patrimônio cultural regional.

A análise lingüística do contínuo fronteiriço revela heterogeneidade, seja no sentido longitudinal ou transversal da linha, que decorre da gênese de cada comunidade e do seu desenvolvimento posterior. A heterogeneidade lingüística pode ser creditada, em grande parte, à heterogeneidade do contato português-espanhol.

No sentido longitudinal, a paisagem lingüística da fronteira Brasil-Uruguai pode ser pesquisada em torno de duas realidades históricas distintas, que têm como referência um marco geográfico: a Lagoa Mirim.

Ao sul da Lagoa Mirim, não se verifica, de modo significativo, a influência lusófona para além da linha de fronteira do Brasil com o Uruguai. Aqui, desde a época colonial, as posições fronteiriças estiveram sempre bem marcadas e voltadas a conter o avanço militar de um lado sobre o outro.

Do lado brasileiro, as características geográficas, praticamente peninsulares, dos Campos Neutrais dificultaram sobremaneira a integração da população  fronteiriça ao Brasil, fazendo com que, a partir da segunda metade do século XIX, as comunidades de Chuí e Santa Vitória do Palmar se integrassem ao espanhol e à cultura uruguaia, mais próximas e facilmente acessíveis. Em conseqüência, os fronteiriços brasileiros desta região são naturalmente bilíngües.

Tais atitudes, naturalmente positivas em relação à cultura hispânica e à língua espanhola, constituem peculiaridade diferencial da fronteira sul do Rio Grande do Sul, comparativamente a outras comunidades fronteiriças. Tal peculiaridade, somada à regularidade e à intensidade do contato que atualmente se verifica entre ambas as línguas, configuram uma trincheira de resistência a mudanças oriundas do pólo português do contínuo lingüístico.

Assim, nas interações bilíngües, os fronteiriços brasileiros e uruguaios dessa zona dão preferência à língua espanhola nas alternâncias entre espanhol e português, que ocorrem, naturalmente, durante a fala. Já quando utilizam somente o português, esses fronteiriços favorecem tradições e estilos lingüísticos hispânicos, em detrimento de alternativas inovadoras do português brasileiro, disponíveis no contínuo lingüístico. Na verdade, trata-se de formas mais antigas, no português, as quais possuem, atualmente, plena vigência no espanhol do Uruguai.

Esse estilo “mais hispânico” do português ao sul da lagoa Mirim evidencia-se também em outros dialetos fronteiriços, seja na gramática, seja no cenário variacional fronteiriço. As generalizações que podem ser feitas, nesse sentido, permitem caracterizar peculiaridades constitutivas do português gaúcho; especialmente, do português gaúcho da fronteira.

Na fonética, por exemplo, os fronteiriços dizem [t]ia, [d]ia, brasi[l], a[l]moço, não aplicando a palatalização das plosivas coronais nem vocalizando a lateral, dois processos típicos do português brasileiro, em que esses sons são produzidos como [tS]ia, [dZ]ia, brasi[w], a[w]moço. Na morfossintaxe, preferem usar o pronome “tu” concordante: tu és, tu foste, em detrimento da forma “você”: você é, você foi; e do “tu” não-concordante: tu é, tu foi, estas mais utilizadas no Brasil.  

O sentido transversal à linha de fronteira é determinante do contato e da formação diacrônica do português que se fala ao norte da lagoa Mirim e, especialmente, no Uruguai, ao norte do rio Negro, já que é nesse sentido transversal que se dá, historicamente, a tensão entre os dois pólos do contínuo português-espanhol; tal é o rastro do fluxo colonizador e migratório entre o Brasil e a Banda Oriental.

A lombo de cavalo ou de carroça, iniciou-se o afluxo do português na Banda Oriental no século XVII, através de bandeirantes e tropeiros que incursionavam na região em busca de rebanhos e de mão-de-obra indígena para os mercados das regiões de São Paulo e Rio de Janeiro.

A ocupação da Banda Oriental, ao norte do rio Negro, por parte dos portugueses, intensificou-se durante o século XVIII como extensão natural do processo colonizador do Rio Grande do Sul. Formaram-se corredores por onde o vaivém de tropas passou a ser também, cultural e lingüístico.

Nesse processo, ao passo que surgiam comunidades rurais, numa fronteira sempre difusa, o português disseminou-se e tornou-se dominante frente a outras línguas circulantes na região, como o guarani e, menormente, o espanhol.

O predomínio português teve o seu apogeu no período de 1821 a 1828, em que a Banda foi anexada a Portugal com o nome de Província Cisplatina. A presença portuguesa em Montevidéu quebrou a hegemonia do espanhol no Prata, favoreceu o bilingüismo ao sul do rio Negro, prestigiou as variantes lusitanas do cenário variacional e fortaleceu ainda mais o português do norte e nordeste da Cisplatina e da fronteira, intensificando-se o seu processo de expansão.

Com a retirada dos portugueses e o surgimento do Uruguai como estado independente, em 1830, muda o quadro de forças no contínuo lingüístico. Na segunda metade do século XIX, fundam-se cidades uruguaias e escolas monolíngües, na fronteira política com o Brasil. Em 1877, o estado uruguaio adota uma política rigidamente monolíngüe para todo o país.

A partir desse processo, o português uruguaio conhecerá, de modo efetivo e progressivo, o contato com o espanhol. A região torna-se bilíngüe e o português, mesmo permanecendo como língua materna, passa a ser socialmente estigmatizado e confinado ao ambiente doméstico. A referência padrão da variedade escrita que o português brasileiro continuou a ter, especialmente na escola e nos meios de comunicação, faltou ao português uruguaio, cujos falantes tornaram-se inseguros no uso da língua, ainda mais diante do intenso contato com o espanhol.

Nessas condições, o português do Uruguai, comunitarizado em dialetos, recebeu, no século XX, aportes gramaticais e lexicais significativos do espanhol, os quais, mediante um processo de reiteração de interferências, internalizam-se na língua. Trata-se de um processo diacrônico de hibridação, através de contatos e recontatos do espanhol, no qual inovações lingüísticas exógenas impactam e desestabilizam o cenário variacional, como variantes, e, posteriormente, após competirem com as formas já existentes no vernáculo, estabilizam-se e consolidam-se como protagonistas de mudanças lingüísticas.

A partir da década de 1990, com o abrandamento da resistência oficial do estado uruguaio em relação ao português, ressurgem no cenário variacional do contínuo variantes oriundas do português brasileiro e os dialetos de português começam a ser valorizados mais positivamente.

Essa miscigenação lingüística provoca um conflito de identidade cultural nos uruguaios falantes de português, um conflito entre a lealdade lingüística e a lealdade nacional: Semo uruguaio pero falemo brasilero.

De certa forma, pode-se dizer que a presença do português no norte e nordeste do Uruguai e o seu predomínio histórico configuram a contraparte da situação de bilingüismo das comunidades brasileiras fronteiriças ao sul da lagoa Mirim e do prestígio de que goza o espanhol, nessa região, a ambos lados da linha de fronteira.


Prof. Jorge Espiga
UCPEL - Lingüística


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