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Psicanálise e Neurociência Cognitiva | Imprimir |  E-mail
Saúde Mental - Artigos

Wanderley M. Domingues


As teorias psicanalíticas desenvolvidas por Freud e seus seguidores marcaram profundamente os vários domínios do conhecimento no nosso século. A grande capacidade da Psicanálise, em elaborar teorias compreensivas sobre a mente e suas correlações com seus múltiplos distúrbios, tornou possível uma abordagem mais humanista sobre as diversas doenças mentais. Uma de suas grandes contribuições foi a de abrir perspectivas mais científicas e menos religiosas para um entendimento dos modelos de funcionamento mental e suas variações. Suas descobertas na primeira metade deste século sobre sexualidade, desenvolvimento do psiquismo infantil, desejos, motivações conscientes e inconscientes, mecanismos de respostas à dor mental, correlação princípio de prazer versus princípio de realidade, determinismo psíquico, memórias autobiográficas, entre outros tantos fenômenos mentais, revolucionaram enormemente nossa compreensão sobre a vida mental. Ela nos forneceu um corpo de idéias altamente coerente sobre os referidos fenômenos. A introdução de novos processos de investigação psicológica baseados em uma nova escuta do paciente - observação de detalhes de sua relação com o analista no processo de transferência, interpretação dos conteúdos mentais, dentro de uma relação de significados e o acompanhamento dos efeitos sobre a vida anímica do paciente - trouxe um novo e poderoso instrumento compreensivo.

No entanto, devido à carência de desenvolvimentos nas áreas da biologia, bioquímica e fisiologia do comportamento e das memórias para sua época, e ressaltadas por Freud nos seus primeiros escritos, suas investigações sobre os fenômenos mentais se encaminharam para o domínio da Filosofia, mais específicamente para a Metafísica, criando, desta forma, uma fenda involuntária entre estas ciências e a Psicanálise. Por esta razão, no entender de vários pensadores e investigadores atuais, a dicotomia entre a Psicanálise e as demais ciências da mente estaria nas raízes do declínio da Psicanálise, verificado na última metade do século, ao contrário dos avanços obtidos até então. Verificou-se uma diminuição sensível na geração de psicanalistas em gerar novas investigações e de intervenções nos quadros clínicos das Depressões, nas Esquizofrenias e demais Psicoses e nas Psicopatias, ficando restrita à compreensão e manejo dos quadros Neuróticos.

Muitos psicanalistas da atual geração preferem permanecer dentro de concepções estratificadas da Psicanálise. No entanto, se a Psicanálise pretende manter sua vitalidade, e muitos analistas assim aspiram, se deseja evoluir e continuar contribuindo para uma nova ciência emergente da mente, ela terá que se envolver com os demais pesquisadores da mente, no sentido de se alimentar com as novas descobertas realizadas nas últimas décadas nos campos da neurobiologia, neurofisiologia, psicologia genética, e demais ciências biológicas. Autores respeitados , como Eric R. Kandel sugerem que a colaboração mútua seria extremamente preciosa para todos, no estabelecimento de novos paradiígmas no campo dos Distúrbios Mentais. Nesta nova ciência emergente, a colaboração seria muito proveitosa. Pela compreensão das memórias e sua dinâmica nas amnésias, que acompanham os vários casos de Demências Senis, Vasculares e de Alzheimer, assim como alterações biológicas e comportamentais observadas nos vários quadros de Autismo Infantil, participação do eixo hipotálamo-hipofisário nos quadros de estresse crônico e suas relações com a ansiedade patológica, alterações genéticas nos vários subtipos de Depressão e suas correlações com os afetos, processos de atenção e memória., seriam alguns exemplos de parceria proveitosa.

A Psicanálise constitui um corpo de idéias ímpar e valioso. De todas as formas de intervenção psicoterápica é a mais consistente e a mais efetiva. Por que não se estudar as alterações cerebrais decorrentes das suas intervenções? Por que não avaliar seus benefícios em pacientes que se utilizam da psicofarmacologia e sua atuação nos pacientes, desde o vértice psicodinâmico? Por que não estudar o excesso de influência dos glicocorticóides nas atrofias neuronais do hipocampo e rastrear este comprometimento na mente do paciente dentro do setting analítico?

É importante que se tenha presente que a Genética não deixou de existir com a parceria da Biologia Molecular. Muito pelo contrário. Ela se enriqueceu e permitiu uma evolução muito mais consistente e útil. Se a própria Psicanálise ainda não tem estabelecida, de maneira suficientemente clara, a questão das diferenciações, identificações, e preferências e orientações sexuais, se faz necessária uma parceria com os demais investigadores da área em apreço. Neste sentido, a Biologia e a Etologia têm muito a contribuir para a Psicanálise e vice-versa. O talento de muitos gênios é genético, porém existem evidências de que esse talento tem também muito a ver com a época de vida em que eles se dedicararam às atividades que os tornararam diferentes, possiívelmente desenvolvendo regiões cerebrais de maneira mais ampla e complexa. Desta forma, muitos estudiosos têm proposto um diálogo efetivo, uma parceria da Psicanálise com as ciências biológicas. Biologia como fator necessário para se alcançar uma melhor e mais sofisticada compreensão da relação mente-cérebro, se é que a Psicanálise pretende ascender à condição de ciência e não á Metafísica., buscando a integração tão almejada por Freud.

São Paulo, julho de 1999

Wanderley M. Domingues é psiquiatra, neurologista e psicanalista

 

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