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O conflito psíquico, com maior ou menor violência, quer esteja presente no plano intra-subjetivo de cada indivíduo, quer no intersujetivo das relações entre as pessoas e os grupos, permeia toda a nossa vida de relações humanas e determina a estruturação das mais diversas configurações vinculares.

Embora os termos "inter" e intra-subjetivo" apareçam separadamente no título do presente trabalho, é necessário deixar claro que ambos mantêm uma estreita continuidade entre si e, da mesma forma, eles interagem e se complementam.

Dessa forma, o plano intra-subjetivo alude às relações objetais internas que estão internalizadas em cada um de nós, e elas dependem fundamentalmente de como introjetamos as nossas primitivas experiências emocionais, no início com a figura da mãe da realidade externa, seguida da introjeção do pai, da relação entre os mesmos, etc., etc. Não custa enfatizar que a representação intra-subjetiva dessas personagens que povoam o nosso mundo interno sempre fica distorcida em razão do acréscimo inevitável de fantasias inconscientes, especialmente as de natureza agressiva, com as respectivas ansiedades.

Da mesma forma, em um permanente círculo virtuoso benéfico, ou vicioso maléfico, as relações intersubjetivas são, em sua maior parte, uma reprodução e um prolongamento na realidade exterior das mencionadas relações objetais que se processam no interior de cada sujeito, sempre levando em conta, é claro, que as novas experiências da vida real vão transformando e processando novas estruturas e modalidades de vínculos relacionais.

Destarte, partindo da idéia de que todo indivíduo é um grupo (composto pela mãe, pai, irmãos, avós, etc., etc.), pode-se afirmar que sempre há uma íntima inter-relação e interação entre os grupos, tanto os de dentro como os de fora, e deles entre si.

A conexão de qualquer indivíduo, consigo mesmo ou com outros, se processa através de vínculos, perceptivos e afetivos. Estes vínculos são permanentes e a sua natureza é de quatro tipos: os clássicos, de Amor e de Ódio, o do Conhecimento (K), concebido por Bion, e eu permito acrescentar um quarto vínculo: o do Reconhecimento (baseado na convicção de que toda criatura humana, desde o nascimento até a morte, passa toda a sua vida necessitando, de uma forma ou outra, ser reconhecida pelos demais como sendo alguém que é amado, desejado, valorizado, e sobretudo que ele, de fato, existe, e quando isso não acontece forma-se um caldo de cultura para o surgimento dos ingredientes de violência).

É claro que estes quatro vínculos determinam diversas combinações e configurações vinculares, com predominância de um ou de outro conforme a situação, porém eles são inseparáveis e estão sempre imbricados entre si. Por essa razão, a psicanálise - individual ou grupal - adquiriu uma nova dimensão a partir dessa concepção do entrelaçamento dos vínculos. Assim, o eixo principal da conflitiva psíquica deixou de ser o simplificado conflito entre o amor versus o ódio. Antes disso, o mais importante é como o amor convive com o ódio, quais são as nuanças e os derivados de cada um deles, e quais são as suas respectivas vinculações com as capacidades de Conhecimento (K ou -K) e com a ânsia de Reconhecimento.

Assim, por exemplo, não basta mencionar a presença do sentimento de amor em alguma relação vincular; antes, é necessário discriminar e compreender qual é o tipo de amor manifesto ou oculto, com as respectivas fantasias, ansiedades e propósitos. Trata-se de amor ternura?, erótico?, paixão? (e neste caso, com o lado belo, ou com a predominância do lado burro e cego das paixões?), ou prevalece o companheirismo, ou ainda, o amor sadomasoquista? quem sabe uma mistura de todas essas formas de amar e ser amado? Em suma, tanto pode estar acontecendo um vínculo amoroso construtivo, como pode estar prevalecendo uma agressão escravizante e destrutiva.

O mesmo vale para o sentimento de agressividade, o qual tanto pode ser destrutivo, como também pode estar a serviço da vida e construtividade. A etimologia pode-nos ajudar a compreender melhor essa última afirmativa. Assim, a palavra "agredir" é composta pelos étimos latinos "Ad" (quer dizer "para a frente") e "gradior" (significa "um movimento"). Portanto, normalmente, agredir é um movimento sadio que nos movimenta para a frente e nos protege contra os predadores externos. No caso de uma patologia de evolução psíquica, o agredir transforma-se em agressão destrutiva, podendo atingir os graus máximos de violência e crueldade.

É importante repisar que os quatro vínculos, em algum grau, sejam sempre presentes e interagindo entre si, como pode ser exemplificado com a situação de uma criança que não se sinta compreendida e amada pela mãe: neste caso esta criança vai desenvolver uma demanda excessiva por amor; as inevitáveis frustrações dessa demanda insaciável de amar e ser amada vão desenvolver uma agressão crescente: o resultante ódio excessico, tal como nos ensinou Bion, pode atacar as capacidades de pensar e a de conhecer as penosas verdades externas e internas, assim causando um sério prejuízo nas demais funções egóicas nobres e, por conseguinte, na estruturação da personalidade, e na vida de relações.

Embora os quatro vínculos mencionados estejam sempre entrelaçados, de acordo com a proposta deste trabalho vamos nos deter mais particularmente nos aspectos da violência. Mais uma vez vale a pena apelar para o recurso da etimologia. Assim, o étimo latino "vis" (que significa "força") tanto dá origem aos vocábulos "vigor" (de vis, vita) e "vitalidade", como ele também origina o termo "violência". A transição de um estado mental de "vigor" para o de um estado de "violência" é a mesma que se processa entre a antes mencionada passagem de uma agressividade sadia para o de uma agressão destrutiva.

Resulta evidente que a violência pode se manifestar em diversos graus, formas e situações.

Estritamente no plano intra-subjetivo, é importante consignar a violência que os objetos superegóicos cometem contra o self do indivíduo, impedindo-o de crescer e de se emancipar, ameaçando-o, desde o interior do psiquismo e tolhendo o direito à liberdade de o sujeito ser quem ele realmente é e não como o superego punitivo, ou as expectativas exageradas de seu ideal do ego, exijam que ela deva ser. Ao conjunto de objetos sádicos, enlouquecedores ou narcisista-parasitários que, somados a pulsões e ansiedades aniquiladoras, habitam o interior do indivíduo e qual uma "gangue" (Rosenfeld, 1971) se constituem como uma "organização patológica" (Steiner, 1981) que, tendo como moradia o ego, comete violências contra o próprio ego, eu, particularmente, denomino essa instância psíquica como sendo o "contra-ego".

Em relação à violência manifesta nas relações intersubjetivas, não resta dúvidas que a mais primitiva e deletéria é aquela que a mãe e o meio ambiente cometem contra o bebê desamparado e indefeso, não entendendo e nem atendendo às necessidades básicas, frustrando a criança excessivamente e, ainda por cima, inundando a criança com ansiedades, culpas e ameaças.

Nas relações interpessoais que caracterizam o funcionamento de uma determinada família, a violência costuma se manifestar sob a forma da designação de determinados papéis destrutivos, que são impostos a um ou vários membros dessa família, e que devem ser cumpridos estereotipadamente ao longo da vida, como são, por exemplo, os papéis de "bode expiatório", o de "pequeno polegar", etc., etc. Além disso, é necessário lembrar a violência que emerge do clássico "conflito de gerações", no qual, muitas vezes uma contestação de um filho contra os valores dos pais, pode vir a ser significada por estes como sendo uma violência agressiva contra eles e daí gera-se um clima de recíproca e crescente violência, quando na verdade aquela contestação do filho podia estar representando uma agressividade sadia em busca de uma diferenciação, individuação e auto-afirmação.

Ao nível de casal, por vezes a violência manifesta-se de forma acintosa, tal como transparece nos vínculos de natureza abertamente sadomasoquista, ou ela pode estar presente sob formas disfarçadas como é o caso de uma relação simbiótico-parasitária travestida de amor; de um controle obsessivo de um cônjuge sobre o outro, que pode atingir o grau de escravidão, esvaziamento e crueldade; de um deslumbramento narcisista de um deles, e que promove a idealização excessiva e conseqüente audodesvalia no outro, e assim por diante.

Não fora a natural limitação do tempo e espaço para a apresentação, aqui, do presente trabalho, seria bastante útil enfocar a violência que está presente sob inúmeras modalidades em situações como a de "gangues" adolescentes (nestes casos, a própria violência é realizada por seus participantes, e constitui-se como um arrogante fetiche de coragem, e essa é uma das razões que contribuem para a dificuldade de recuperação).

Também seria interessante abordar as formas sutis de como a violência pode estar presente nas instituições em geral, tal como pode ser exemplificado com as instituições de ensino, desde os primeiros bandos escolares até as mais sofisticadas, como pode ser a de algum instituto de psicanálise. Nestes casos a violência pode aparecer na forma catequisadora dos professores que acham ser justo e eficaz impor os seus valores e maneira de pensar aos seus alunos, sem se importarem com a possibilidade de estarem esterilizando a capacidade de autonomia e criatividade de seus alunos.

No entanto, é importante esclarecer que a maior violência não parte tanto dos professores ou autoridades manifestamente tirânicos, mas sim daqueles que fazendo uso de uma brilhante capacidade narcisística de sedução e deslumbramento (e não é por nada que essa última palavra vem de "des" que significa "privação" e de "lumbre" que quer dizer "luz") ofuscam aos alunos através da cegueira de uma idealização excessiva. Ainda em relação à violência presente nas instituições seria interessante enfocar como o "establishment" tende a expulsar ou anular todo o indivíduo que for portador de idéias novas e, portanto, ameaçadoras. Da mesma forma, não pode passar sem um registro a violência que se instala entre os indivíduos e subgrupos das cúpulas dirigentes em razão dos conflitos inerentes à disputa pelo poder.

Particularmente a violência que aparece no campo do vínculo psicanalítico, quer se trate de análise individual ou grupal, mereceria, por si só, longas considerações, tal é a sua importância na prática clínica. A violência do campo psicanalítico a que estou aludindo não se refere à pessoa do paciente, afinal, este está rigorosamente em seu papel; antes, estou me referindo à violência que pode vir a ser praticada pelo psicanalista, e isso pode ocorrer através de duas maneiras: a da violência da interpretação e pela formação de conluios inconscientes entre a dupla analista-analisando.

Tomo emprestado de P. Aulagnier (1979) a expressão "violência da interpretação" para caracterizar aquelas situações pelas quais as "interpretações" do psicoterapeuta podem, na verdade, não estar significando mais do que disfarçadas acusações, cobranças, exigências ou a imposição de imperativos categóricos.

Por sua vez, a formação de conluios inconscientes entre a dupla analista-analisando (aos conluios conscientes é mais apropriado chamá-los de "pactos corruptos") adquire diversas formas, sendo a mais comum de todas a relação que se estrutura como uma não percebida relação de poder de natureza sadomasoquista. Outra forma comum de violência psicanalítica, porquanto também perverte o objetivo precípuo da psicanálise, é a da formação de um conluio inconsciente que consiste em uma recíproca fascinação narcisística que pode esterilizar o necessário crescimento mental que deve processar-se através de penosas transformações, e substituir por uma acomodação e construção de um falso self do analisando.

Quero crer que a pálida amostragem de situações de conflito e violência que expus neste trabalho, justifique a relevância deste tema, tal como destaquei no seu início.

(IN: Séculos XX e XXI- o que permanece e o que se transforma. No. VI- O Novo Paradigma. Institutos de Psicoterapia Analítica de Grupo. São Paulo, 1996. - As Referências Bibliográficas se encontram no texto original)

David E. Zimerman