CRÔNICA DE VÁRZEA E COXILHA | | Imprimir | |
Cyro Martins
De Alegrete pra lá, os horizontes rasgaram-se mesmo, num espanto de distâncias. A meia-tarde outonal punha um devagar mansinho nos verdes, nos sombreados, nos rasos, nas baixadas e nos altos. Altos que são apenas coxilhas. E punha também um diluído nas feições que eu me esforçava por lembrar. De vez em quando se abria um vau na memória e as visões se faziam presenças. Mas esvaziadas da intimidade antiga. Talvez porque a velocidade, a sessenta, a oitenta, a cem, não lhes desse tempo para se chegarem, à sua moda, à moda dos meus tempos de guri, ao tranco, a trote ou a galope que fosse. Iam ficando para trás, nem tristes nem contentes, enganchadas em cavalos feitos de ruflos de saudade. E logo a dispersão. Uma dispersão sem retouço, como se poderia esperar. Pareciam meio atarantadas, é verdade. Sobretudo tremendamente irreais. Mas tão verdadeiras! Tanto que, sem que eu me desse conta, de repente voavam, porque não podia ser doutro jeito, e iam me esperar lá adiante, mais longe, mais perto, sob a forma embuçada dum cerro, dum umbu, duma tapera, ou dum vago desandar ladeira abaixo de acenos ondulando nos raios do sol já pendente para o ocaso. Depois de vinte e nove anos de ausência, nos reencontrávamos. Estranhei a paisagem. Mas era a mesma. Eram os campos da fronteira, finos como antes, com os coxilhões, as várzeas, os caponetes, as sangas que os poetas crioulos já cantaram de sobra. Primeiro, a visão dos campos da minha infância bem infância, bebida a sorvos, ligeiro, de passada, a oitenta ou cem, porque na cidade os conterrâneos me esperavam, com hora marcada. Lá se estendia ainda, soberbo, o chapadão da Lata. E também, erguidas, como indagadoras as casuarinas do Descanso. Não direi nomes, porém, pois a estranhos eles não falam. O sentido das suas vidas, no caso, no instante em que estava outra vez ali, parecia-me que só a mim dizia respeito. Isso provavelmente não será verdadeiro. Pensamos assim pelo vício de não procurar o avesso das coisas e das criaturas. O caso é que a visão imediata daquelas casuarinas de quando eu tinha quatro anos e meu avô me levava a cavalo para escolher terneiras no rodeio, não é mais, não pode ser mais a visão imediata, porque de há muito elas são, as casuarinas do Descanso e as do Garupá, a visão sonhada. Subitamente, o Cerro do Marco, que dava nome à venda do meu pai. Aquele corte meio enviesado que o trânsito e as águas fizeram no seu flanco me pareceu demasiado imerecido, como é o seu anonimato atual, pois agora não está mais no meio da estrada nem assinala venda nenhuma. De pena, tive ganas de gritar: estou outra vez aqui! De novo vou subir no teu topo para contemplar o Jarau e imaginar a salamanca, os anões, o pobre Blau atarantado e o santão, tão branco! ................... Leia comentário sobre esse texto escrito pelo poeta Elvio Vargas |