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Uma experiência de autoficção e memória em "Um menino vai para o Colégio" | Imprimir |  E-mail

Um menino vai para o colégio é exemplo do que se tem denominado ultimamente autoficção. Noutras palavras: é uma forma de memória. Nela, o tradicional narrador ficcional mistura sua visão e análise às das lembranças do autor. O autor da época da narração não pode ser o mesmo da época da narrativa nem vice-versa. A memória, fraturada e dubitável, chama novas tranças discursivas.Trançam-se assim tentos das lembranças com tentos que cobrem fraturas do tempo e assim diminuem os esgaçamentos das dúvidas.


No mundo em que desenvolvemos nossas vidas, não há como sustentar qualquer possibilidade de uma única consciência obter e processar esse mundo na integralidade. Sócrates já tinha anunciado isso. Dessa conclusão, legou-nos a noção de diálogo (diá+logos). Isso quer dizer que a única maneira de o homem conseguir o máximo de entendimento sobre o mundo é através do diálogo. Vale dizer: cada consciência autônoma, no exercício de palavra de mesmo peso (Bakhtin) pode auxiliar no partejamento (Sócrates) do que se costuma denominar de a verdade.


Na tentativa de acolher essa forma de percepção, comunicação e expressão, a literatura ficcional, a partir da seleção de um narrador, faz conviverem e concorrerem com ele outros seres ficcionais, os personagens. Com a multiplicidade de consciências (percepções, compreensões), de que participam narrador e personagens, modo dialógico, a palavra sobre o mundo ficcional fica mais verossímil. Torna, simultaneamente, por esse procedimento, um pouco mais verossímil e compreensível o mundo concreto-sensorial relacionado ao imaginário, para além do tecido sígnico do texto ficcional. A verdade, como a se tem tratado vulgarmente, fica fora de cogitação. Assim se compõe o texto da autoficção ou a memória autobiográfica.


Na novela em questão, Carlos é o menino, mas não o narrador. As tomadas narrativas são feitas por narrador em terceira pessoa, mas sob o ponto de vista de Carlos. A narrativa parte da infância e vai à mocidade do personagem sobre quem se fixa o olhar narrador. Sai do interior de São João (parte do antigo nome do município de Quaraí;  na narrativa, é o nome do município ficcionalizado de onde Carlos provém) e vem a Porto Alegre. A experiência anterior do menino é de mundo livre, de brinquedos e relações sociais infantis na Campanha. Espera-o austero internato dirigido por religiosos, em que desconfiança e violência psicológica põem medo. Carlos se sente isolado, ignorado, incompreendido e estranho ao novo mundo social e ignorante dele. Sente-se crescer apenas quando pode deixar o colégio e viver o mundo urbano de Porto Alegre, por decisão que toma.


Durante a narrativa, Colégio Anchieta, Hotel Lagache, Porto Alegre mantêm seus nomes verdadeiros, entre outros.


A literatura, como a mais clara das artes (embora ambígua, em busca da interpretação), possibilita memória de maior evidência. De que outra maneira teríamos hoje a memória das transformações das condições familiares do Rio Grande, entre a Campanha, então poderosa, e a vida urbana em Porto Alegre, no início da segunda década do século 20? De que outra maneira poderíamos avaliar as transformações pessoais dos jovens que se deslocavam de um mundo completo em si mesmo a outro, de dúvidas, medos e perspetivas novas?


Há outros exemplos brasileiros conhecidos, construídos através de técnicas semelhantes à empregada em Um menino vai para o colégio: Memórias do cárcere de Graciliano Ramos, Memórias do coronel Falcão de Aureliano de Figueiredo Pinto, Solo de clarineta de Erico Verissimo.


*Cícero Galeno Lopes
(Publicada em 15/09/2010)