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Sobre destinos possíveis e outras lágrimas | Imprimir |  E-mail

Juarez Guedes Cruz


Não há nome para esse lugar, mas deveria haver. Nas casas antigas, o espaço de chão logo após o último degrau de quem sobe a escada que conduz do térreo para o segundo piso. Não tem nome esse pedaço, mas deveria ter. Então você acabou de subir a escada e, sem que estivesse planejado, vê a mulher que pretendia descer o mesmo degrau. Nesse local, que não tem nome, vocês, que vivem há mais de vinte anos na casa, encontram-se como não se encontravam há tempos. Abraçam-se e ficam vários minutos (quantos?) assim.

Em silêncio e balançando levemente. Não importam a latitude e a longitude do lugar onde está a casa. Onde estão o bairro e a cidade. O fato é que o diminuto espaço tornou-se, naquele segundo, o centro do universo. Dali a instantes o abraço terá que se desfazer tal qualquer outro abraço. E vocês serão entregues ao mundo. Você correrá para atender o próximo compromisso e ela retornará para a urgência das tarefas que ferem e despedaçam a alma.

Aí você passará vários meses à espera do movimento centrípeto que o devolva ao abraço acontecido na data que você não sabe mais qual é, mas onde e quando você estava no centro do mundo, não importando as coordenadas cartesianas, não importando o nome que tenham esses locais onde o chão se aplaina logo após o final de uma escada que conduz do térreo para o segundo piso nas casas antigas iguais àquela que você habita há mais de vinte anos com a mulher amada (e quase esquece disso). Quase esquece, também, precisava tanto esquecer, que você acabou de subir a escada e viu a mulher iniciando a descida. Vocês encontram-se como não se encontravam há tempos. Abraçam-se e ficam vários minutos em silêncio. Não importam paralelos e meridianos.

O fato é que o local e o momento tornaram-se o centro do universo. Dali a instantes aquele abraço será desfeito. Você, a alma ferida e despedaçada, correrá para limpar o sangue e ocultar o cadáver. Então passará dias à espera da cela em uma penitenciária imunda e do movimento centrípeto que o devolva ao remorso, não importando o nome que tenham esses locais onde o chão se alisa após o final da escada nas casas antigas iguais àquela que você habita há mais de vinte anos com a mulher odiada (e quase esquece disso). Escada que você acabou de subir e, sem que estivesse planejado, vê a mulher cruzando indiferente. Em silêncio. Não importam referências geográficas.

O fato é que o local tornou-se um vazio no centro do universo. Dali a instantes aquele vácuo será desfeito e vocês serão devolvidos ao mundo com a alma ferida e despedaçada, em busca da rotina que ainda proporciona migalhas de prazer. Antes enxugarão a lágrima, lembrança de outros tempos, não importando o nome que tenham esses locais onde o chão deixou de dobrar-se nas casas antigas iguais àquela que você habita há mais de vinte anos com a mulher que você amou, odiou e que, agora, lhe é indiferente (e quase esquece disso).

No entanto, para sorte sua, alguns chamam baldios esses terrenos onde poderiam ser construídas casas nas quais você, logo após o último degrau, mais cedo ou mais tarde encontraria a mulher. E já nem saberia se e quando amor, ou ódio ou indiferença. Só de pensar o quanto teria a alma ferida ou despedaçada, você dará graças a Deus porque nesse terreno não aconteceu casa alguma e o local continuou sendo, apenas, uma possibilidade no centro do universo.

Você balançará a cabeça lentamente, disfarçará lágrimas e pensará que poderia ter sido feliz, infeliz, feliz, infeliz, não importando o nome que tenham esses locais onde o chão desistiu de erguer-se, nessas casas iguais àquela que você nem chegou a conhecer.


Nada corriqueiro

- Ana Mariano apresenta Juarez Guedes Cruz

Ao iniciarmos a leitura de A Cronologia dos Gestos somos advertidos pelo autor através de uma citação de Cortazar: esta escrita é o único recurso que me foi proporcionado para não dissolver-me neste que bebe seu café matinal e sai para a rua para iniciar um novo dia. É preciso, portanto, estar atento. Sem abrir mão da beleza, o texto de Juarez Guedes Cruz, psiquiatra e psicanalista gaúcho , ganhador do Prêmio açorianos 2004 na categoria contos, irá romper  a vida corriqueira e nos conduzir  às profundezas do humano , lugar íntimo e defendido, sem possibilidade de fuga, onde encontraremos a nós mesmos. Nem sempre é fácil este encontro, nunca somos tão bons,  nem tão felizes como gostamos de aparentar. O encanto delicado de A Cronologia dos Gestos, por vezes, dói. E, no entanto, sem esta dor, como romper as algemas ? As fronteiras são tênues e se diluem entre finas folhas de papel, entre palavras. No prefácio, escrito por Léa Masina, as chaves para a compreensão de Juarez: delicadeza e recato.

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Leia Léa Masina sobre a paixão dos médicos pela literatura