A PALAVRA POÉTICA: INAUGURAL E DERRADEIRA* Maria Helena Martins**
Passando pela rua Barão de Itapetininga, no centro de São Paulo (SP), em meio a intenso movimento e barulho, ouvi nitidamente este verso: “Eu canto é pra saber o que é que eu penso”. Parei. Que vontade de ficar um pouco a ouvir aquele cantador de rua nordestino. Mas eu precisava tocar em frente. Restou seu verso: “Eu canto é pra saber o que é que eu penso”. O que eu ouvira me tocou como pura poesia. Até pelo fato de manifestar estranhamento do óbvio: o poeta não cantava pra expressar suas ideias, suas emoções, mas para saber, descobrir o que pensava ... A linguagem poética e a linguagem prosaica interagem permitindo inúmeras possibilidades de elaboração de um texto, seja em prosa ou em verso, resultando ou não em poesia. E aquele verso é exemplar. Entre as características textuais que podem indicar que se trata de linguagem poética destacam-se:
Já entre as características textuais da linguagem prosaica são marcantes:
Diante dessas oposições e contrastes, entre a linguagem poética e a linguagem prosaica, seria possível considerar que a palavra poética é aquela que vai se caracterizar como a inaugural e a derradeira? Seria inaugural porque sua escolha ou sua criação (neologismo) inserida na estrutura de um verso ou de uma frase seria única, nem mesmo um sinônimo satisfaria ao poeta, ao perceber que aquela palavra escolhida/inventada/descoberta é a que cabe no que deseja expressar. E, em consequência, seria também a derradeira, finalmente fora encontrada, não dando lugar a substituição. Um dos traços mais marcantes na linguagem poética é o estranhamento do óbvio: recurso do poeta ao elaborar seu poema, jogando com as palavras quanto a seu significado, sua constituição sonora, seu aspecto visual, de modo a levar o leitor a perceber sua linguagem como algo novo, inusitado. Nesse jogo, o poeta envolve o leitor ou o ouvinte numa teia poética. Isto é, pode chegar a um quase emaranhado de significados, sonoridades, imagens cuja expressividade rompe com o conhecido, levando o leitor ou o ouvinte a sensações, emoções e pensamentos incomuns. Por isso, acho que sim: mesmo que pouco de novo apareça no vocabulário, a palavra, em sua expressão poética, é inaugural e derradeira. Fácil? Então ouçamos o que diz o poeta dos poetas brasileiros: Carlos Drummond de Andrade** Lutar com palavras apareço e tento Insisto, solerte. Palavra, palavra Luto corpo a corpo, Iludo-me às vezes, O ciclo do dia ------------------ * Apresentação em SARAU POÉTICO , do CCYM/CELPCYRO, Porto Alegre, 18/10/19 . ** Diretora de Cultura Humanidades e Literatura do CELPCYRO.
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