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O primeiro e único parto


            Comemoravam-se 90 anos de nascimento de Cyro Martins (1908 – 1995), em Quaraí-RS, sua cidade natal. Foram vários dias de mesas-redondas, inaugurações, visitas a escolas, entremeados de encontros com antigas amizades e raros parentes. Também foi inaugurada Biblioteca em escola rural, uma rua batizadas com o nome dele e uma praça com o nome de Porteira Fechada, título de seu Best seller. Aí me detenho.


O Prefeito da cidade, junto à porteira “de verdade” que sustentava a placa a ser desvendada, discursava com eloquência. A colina onde estávamos era batida pelo Minuano, sob um solzinho tímido. Umas 50-60 pessoas postavam-se diante das autoridades convidadas (vereadores, professores, diretores de Escolas, figuras importantes da sociedade), amigos e familiares de Cyro Martins, enquanto crianças se aproximavam, curiosas. Seguia o discurso do Prefeito, com entusiasmo, enaltecendo o perfil humano e profissional de Cyro Martins.


            Quando o Prefeito estava já encerrando, com referências calorosas à família do homenageado, saiu do meio do público, em passos rápidos, uma senhora – baixinha, cabelos cobertos por um lenço - que veio direto a mim, quase gritando: “Eu sou filha do teu pai! Eu sou filha do teu pai!”. Fiquei fria: que fazer? Abraçou-me, em lágrimas, enquanto eu procurava acalmar sua emoção, pensando no que dizer, mais surpresa que comovida. Os presentes se voltavam para nós, admirados, entre sorridentes e constrangidos... Passados segundos intermináveis, a senhora, ainda chorosa e abraçada em mim, voltou-se para o público e falou em tom alto e entrecortado pelo choro: “Quase ninguém sabe. Mas se estou viva é porque ele, o Dr. Cyro, me fez nascer, por milagre, quando minha mãe quase morria no parto! Então ela me deu pra ele, em pagamento pelo que ele fez! Eu fiquei sendo ‘filha dele’”. Apertou-me mais uma vez nos braços, me beijou e, quase correndo, voltou para o meio dos presentes, sumindo, enquanto o Prefeito enaltecia o feito de Cyro Martins, encerrando a cerimônia. E eu, pasma, buscava visualizar aquela figurinha insólita no meio do público, perguntando se alguém a conhecia ...

           

Passado o impacto, achei que o episódio possivelmente decorresse de um surto psicótico da senhorinha. Mas fiquei perturbada. Dela não soubemos mais nada...


           Acalmados os ânimos dos familiares mais próximos, ainda ficamos alguns momentos a receber abraços das autoridades. Foi mais tarde, naquele mesmo dia, que lembrei, inesperadamente, do conto onde o pai relata seu primeiro e único parto. E mais: o gesto agradecido dos pais da criança, paupérrimos, oferecendo-a em pagamento pelo sucesso no parto. O conto se intitula “Mãos amigas do próximo” e está no livro A dama do Saladeiro (Ed.Movimento,1980). Vale a leitura, pois além do relato curioso, encontram-se importantes e despretensiosas reflexões de Cyro Martins sobre o desempenho profissional do médico.

                                                                                                                                                                                                                                    Maria Helena Martins (Junho de 2019)