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A ERA DA GRUPALIDADE*

             Luiz Carlos Osorio **

 

“Muito antes de ter apreendido a fazer fogo ou construir um abrigo o homem percebeu as qualidades especiais que podiam ser obtidas da reunião com seus semelhantes”

Foulkes, 1963

 

 

            O século que se findou caracterizou-se no âmbito das relações humanas pelas conquistas individuais. Ainda que obtidas por ações coletivas seus efeitos -- a ampliação dos direitos humanos – beneficiam indivíduos: mulheres, crianças, idosos, membros de minorias étnicas ou religiosas.

            Essa que podemos denominar a “era da individualidade” trouxe, por outro lado, um incremento da competitividade na afirmação dessas conquistas. A busca de hegemonias cria tensões e conflitos entre os beneficiários desses avanços e aqueles que antes os oprimiam. O aprendizado da convivência entre os “diferentes” ainda é um objetivo a alcançar. E ao que tudo indica esse aprendizado marcará a “era da grupalidade” que ora se inicia.

            O ser humano sempre foi socializado antes para competir que para cooperar. E esse tem sido sem dúvida um entrave para o progresso civilizatório, que só se dá quando predomina o consenso sobre o dissenso. Desde os primórdios da civilização foi a reunião com seus semelhantes que permitiu a sobrevivência e evolução da espécie humana. Assim ocorreu com os indivíduos como com as instituições que criou e as nações que hoje tentam formar blocos sócio-econômico-políticos para sobreviver.

            Palestras sobre autodesenvolvimento, livros de autoajuda, cursos de capacitação para o exercício da liderança continuam a privilegiar fórmulas de se sobrepor ao outro, de triunfar. E onde há vencedores há perdedores, cujos ressentimentos se transformam em tentativas de boicote aos que os derrotaram.

            Poucos são aqueles que se dão conta que cooperando vão mais além em seus objetivos pessoais que competindo. Esse é um truísmo que a era da grupalidade irá comprovar.

            Aprender a trabalhar em equipes é uma necessidade, mais que isso, obrigação, nos dias de hoje, seja nas escolas, instituições multidisciplinares, empresas ou órgãos públicos. E a capacitação para o trabalho em equipes se apoia no aprimoramento das relações interpessoais.

            As vias para o desenvolvimento interpessoal pressupõem:  

  • Convergência dos objetivos individuais e coletivos
  • Reconhecimento e aceitação da singularidade dos seres humanos
  • Diversidade como valor agregado na realização de tarefas compartilhadas
  • Desenvolvimento de aptidões para cooperar antes que para competir
  • Valorização das conotações positivas, ou seja, foco nas qualidades e não nos defeitos dos parceiros
  • Privilegiar lideranças centrífugas e interativas
  • Exercício das competências relacionais

 

            Indivíduos com satisfatória competência interpessoal estarão mais bem aparelhados para enfrentar os desafios da era da grupalidade. Mas essas competências, nem sempre inatas, podem ser desenvolvidas ou aprimoradas. E seu aprendizado será matéria obrigatória do currículo escolar no futuro.

 

Corporativismo e Cooperativismo

Embora sejam duas ideologias alicerçadas no reconhecimento dos potenciais da grupalidade e do efeito multiplicador das ações grupais, divergem essencialmente nas motivações que as originaram e nos propósitos que as animam.

O corporativismo, que nasceu sob a égide do fascismo, propondo-se a utilizar-se da prática de unificar sindicatos de patrões e empregados do mesmo ramo para harmonizar seus interesses e pô-los a serviço do estado centralizador, assumiu, depois da queda dos regimes nazifascistas por ocasião da II Guerra Mundial, uma feição não diretamente comprometida com sistemas políticos, mas guardando os vícios de origem na forma excludente dos dessemelhantes, ativando, para a defesa dos interesses do grupo profissional que representa, práticas de ataque ou prejuízo aos demais. É, portanto, um sistema grupal de feição bélica que, se preconiza a coesão intragrupo, acarreta simultaneamente a desagregação do tecido social pelo estímulo à rivalidade e implícita desconsideração dos direitos alheios.

Já o cooperativismo, cujas origens políticas vinculam-se ao socialismo utópico, assumiu contemporaneamente um caráter empresarial, nas cooperativas profissionais que pretendem autonomizar-se em relação aos interesses alheios aos dos grupos que as constituem e assim garantir melhores perspectivas de desenvolvimento laboral e, consequentemente, maiores ganhos para seus membros.

O cooperativismo guarda certas semelhanças com a prática milenar do mutirão e se insere, ao menos em seus objetivos intrínsecos, ainda que nem sempre em sua práxis, numa proposta de conciliação e solidariedade entre entidades congêneres e com outros setores da sociedade. Tem, pois, uma feição pacífica, de construção do tecido social através do reconhecimento e aceitação da alteridade e dos direitos de todos.

A menção, aqui, a essas duas correntes ideológicas na organização das relações de trabalho na sociedade, não leva outra finalidade que enfatizar como elementos da psicologia grupal foram utilizados na estrutura e funcionamento de modelos de resolução de aspirações coletivas.

 

O paradigma relacional-sistêmico

                Até meados do século passado o progresso científico deu-se sob a égide do paradigma linear, padrão causa-efeito. Procurava-se explicar os fenômenos encontrados na natureza buscando suas causas. Acredita-se que Newton tenha descoberto a lei da gravidade (causa) observando a queda de uma maçã da árvore (efeito).

            Tanto as ciências ditas naturais, capazes de serem estudadas através dos órgãos dos sentidos, como as humanas, objeto do escrutínio da mente, aportaram conhecimentos através do padrão causa-efeito que alicerçava suas pesquisas. Freud, homem de seu tempo, não fugiu a esse paradigma de busca das verdades científicas: a partir dos sintomas conversivos de suas pacientes (efeito) chegou aos traumas sexuais infantis (causa) que os determinavam.

            No entanto, o esgotamento dos modelos da física clássica e a inoperância das leis que havia estabelecido quando se tratava de observar eventos que não podiam ser observados diretamente deram origem à física quântica, que foi o estopim para o surgimento de outro paradigma no campo científico: o paradigma circular, modelo feedback ou retroalimentação, que questionava o modelo disjuntivo (uma causa ou outra) para introduzir a noção da multi-causalidade intrinsecamente conjuntiva (uma causa e outra). Assim, as duas concepções da matéria, a corpuscular e a ondulatória, não seriam excludentes, mas complementares.

            O paradigma circular não veio substituir o linear, mas ampliar as possibilidades de analisarmos os fenômenos, tanto na esfera física quanto no comportamento humano. Continuamos buscadores de causas para explicar os fenômenos observados, mas sem limitar as fronteiras do conhecimento científico com uma visão bidimensional. Metaforicamente poderíamos dizer que a visão tridimensional nos foi oferecida pelo novo paradigma, que posteriormente foi batizado de paradigma sistêmico e que, no campo de estudo dos grupos humanos, prefiro denominar relacional-sistêmico para enfatizar os dois pilares do funcionamento grupal, a interação e a comunicação.

            A nova janela que se abriu com o novo paradigma para a compreensão do comportamento humano na esfera interpessoal tem balizado o ingresso da humanidade na era da grupalidade. E hoje já não podemos prescindir da abordagem relacional-sistêmica para referenciar nossas ações no âmbito social e promover um novo estágio evolutivo no processo civilizatório.

 

Referência bibliográfica:

Osório, Luiz Carlos – Como trabalhar com sistemas humanos. Porto Alegre: Artmed, 2013.


* Artigo de Fundo

** Médico, pós-graduado em psiquiatria (FMPA-UFRGS), especialista em psiquiatria de crianças e adolescentes (ABENEPI-AMB). Psicanalista titulado pela International Psychoanalytic Association (I.P.A.). Grupoterapeuta com formação em psicodrama (com Olga Garcia, Argentina) e em terapia familiar (com Maurizio Andolfi, Itália). Fundador e diretor de ensino da GRUPPOS, entidade formadora de grupoterapeutas e terapeutas de família.

Mais informações:

https://www.linkedin.com/in/luiz-carlos-osorio-b973b82a/?originalSubdomain=br