X Jornada CELPCYRO

img banner

Informe CELPCYRO

Cadastre-se e receba nosso INFORME
Nome
E-mail*
Área de Atuação

Redes Sociais

  • Twitter
  • Windows Live
  • Facebook
  • MySpace
  • deli.cio.us
  • Digg
  • Yahoo! Bookmarks



Antonio Chimango* - Maria Helena Martins  E-mail
Além da Letra

 capa antonio chimango

A ilustração da capa de Antonio Chimango é de A. Juv., isto é, Ramiro Barcellos, firmando a marca indelével da caricatura de Antonio Augusto Borges de Medeiros.

 

O “poemeto campestre” - como o apresenta o Autor, Amaro Juvenal (pseudônimo de Ramiro Fortes de Barcellos) - mostra um ângulo peculiar do gaúcho e do seu contexto vivencial, através de um espírito crítico, amargo mas humorado, que lhe valeu a caracterização de “poeta satírico” ou “sátira política”. Para o público sul-rio-grandense das primeiras décadas deste século, seria transparente tratar-se da caricatura de um período político e de seu expoente no governo, Borges de Medeiros.

Antônio Chimango é um poema narrativo, composto de cinco cantos (rondas, para o Autor), num total de 1278 versos, dispostos em sextilhas. Cada ronda contém duas partes, apresentando episódios diversificados e mais ou menos independentes, mas cuja inter-relação levará a compreender a obra de modo efetivo. Em cada ronda, a parte inicial gira em torno da paisagem e do homem da Campanha, em sua lida diária, bem configurado na caracterização da personagem Lautério. E este velho tropeiro cantador se torna elemento de ligação, pois, na parte final de cada ronda, é quem relata a trajetória - do obscuro nascimento à conquista do poder - de “um tal Antônio, Chimango por sobrenome”. Coexistem, no poema, a manifestação de uma tendência neo-romântica, cultuando o passado, a imagem heróica do gaúcho, bem como a tentativa de apontar realisticamente o presente. E o tom satírico dilui a atmosfera que até então envolvia a gauchesca rio-grandense, provocando talvez menosprezo dos cultores do ufanismo literário, além de justificada reação dos correligionários políticos de Antonio Augusto Borges de Medeiros. Este, sem dúvida, o principal motivo de a obra ter-se tornado até mais conhecida como manifestação política do que por suas características literárias. Antônio Chimango - personagem-título - seria o símile ficcional do então presidente do Estado do Rio Grande do Sul, de quem era adversário Ramiro Barcellos, na época da primeira publicação do poema (1915). A obra tem no desacerto entre os dois políticos, seu motivo primeiro, embora componha ficcionalmente, um quadro amplo do Rio Grande do Sul.

O poemeto enaltece as tradições da terra e do homem, ainda que conteste uma situação objetiva imediata, propiciando ao leitor uma visão das circunstâncias temporais e espaciais em que foi criado. Antônio Chimango expressa, com autenticidade, a literatura gauchesca e também se caracteriza como revelador de um processo social, político, econômico e cultural.

O poeta colhe elementos do “cancioneiro guasca” transfigurando-os numa expressão elaborada, sem, contudo, dar caráter livresco aos versos, o que permite a difusão oral. Aqui ressalta a intencionalidade do Autor na escolha do arcabouço formal da obra, propiciando sua ampla compreensão e divulgação - até pelos iletrados. O poema adquire popularidade por vários motivos: pela perspectiva satírica ou pelo que proporciona de reconhecimento dos costumes, da linguagem e das tradições sul-rio-grandenses ou, ainda, por contestar um momento político-social marcante no Rio Grande. Além disso, por se tornar, consciente ou inconscientemente, uma espécie de lenitivo para os espíritos frustrados diante da própria realidade, contra a qual dirigem seu riso amargo e de desforra, através dos versos de “tio Lautério”. Antônio Chimango pode desencadear um processo catártico, possibilitando tirar “conclusões alegres de episódios tristes”, para usar palavras do próprio Ramiro Barcellos. Por outro lado, também pode conduzir à reflexão acerca dos procedimentos artesanais do poeta, da ideologia latente no texto e de sua relação com o panorama sul-rio-grandense.

Apesar de seu caráter eminentemente circunstancial, datado, o poemeto apresenta, no conjunto de personagens, tendências comuns a indivíduos em qualquer tempo e espaço: ambição do poder, repúdio e insubmissão à arbitrariedade, ressentimento em face da derrota. E também ambivalência quanto às próprias emoções e circunstâncias vivenciais, sublinhando o desacerto da imagem que o homem faz de si mesmo e do mundo que o cerca, criando a necessidade de se refugiar no passado, na tentativa de contemporizar as exigências do presente, sem contudo alcançar um posicionamento crítico.

Diante da amplitude referencial de Antônio Chimango, causa admiração o quase esquecimento a que parece estar relegado.** Exercida sua função imediata de sátira política, aos poucos tende a tomar o caminho indicado por sua base estrutural, que o liga à poesia popular. Apesar das dezenas de edições-pirata e muito difundido oralmente, foi-se distanciando de seu Autor e das circunstâncias que envolveram sua criação. Chega a nossos dias pouco lido ou repetido através de estrofes fragmentadas. De certa forma, acaba assumindo a marginalidade a que a historiografia literária, a crítica e a política o haviam relegado. Dos intelectuais que o utilizaram panfletariamente, são raros os que, passados os desentendimentos políticos, lhe dedicam um estudo sob o ponto de vista literário. A maioria recorda-o com um sorriso, entre nostálgico e zombeteiro, como “coisa do passado”. Conhecido nas primeiras décadas do século, objeto de alguns trabalhos críticos nos últimos decênios e, recentemente, reeditado, ainda assim, o poemeto é, hoje, uma vaga lembrança, em face da popularidade que teria possuído.

 

------------------------------------

* Maria Helena Martins. Antonio Chimango. In: Agonia do heroísmo. Contexto e trajetória de Antonio Chimango. Porto Alegre: Ed. da Universidade Federal do Rio Grande do Sul/ L & PM, 1980. p. 31-33.

    ** Antonio Chimango está de novo em voga! Livro sobre ele concorre ao Prêmio  Açorianos  de Literatura, na categoria Especial – 2016. Palestras sobre ele acontecem  na Feira do Livro de Porto Alegre.

Isso me faz muito contente! Fui a primeiras na UFRGS a, digamos, forçar a entrada de Antônio Chimango, de Amaro Juvenal (pseudônimo de Ramiro Barcellos) na Universidade, ao realizar meu Mestrado sobre essa obra, nos idos de 70. Digo forçar porque, ao saberem de minha escolha, muitos colegas e mestres torceram o nariz, pois a seu ver não se tratava de obra "efetivamente literária". Mas meu orientador, Prof. Guilhermino César, acolhendo minha opção, comentou: " Não tem importância que desgostem. Nós dois e o Augusto Meyer sabemos quanto ele vale". Pois aí está! (MHM, nov de 2016)


Leia também O poema Antonio Chimango, de Léa Masina