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INVESTIGANDO O IMAGINÁRIO - Nádia Tobias | Imprimir |  E-mail
Além da Letra - Depoimentos

 

screenshot 1Sou Nádia Tobias de Souza Seara, arte educadora, focalizadora de Dança Circular Sagrada e Folclórica Amazônica. Desenvolvo pesquisa sobre o imaginário simbólico e a cultura de brincar no Amazonas; coordeno o núcleo de bordado Fios e Tramas na FEUSP e faço fotografia.

Sem ser contaminada pelo “furor pedagógico”, pervago em terras alheias – fotografia, dança e o bordado – almejo ressignificar e fomentar um quiasma epistemológico entre as modalidades que exercito enquanto caminho na práxis pedagógica, e enquanto pessoa.  O quiasma epistemológico tem como base teórica de sustentação a fenomenologia da imagem de Bachelard e a de Merleau-Ponty. Todo esse exercício fenomenológico aparece refletido na minha escrita, na minha dança, no bordado e na fotografia. E, para dar significado às “coisas”, é preciso entrar no plano simbólico: usar a “mente” para libertar a imaginação. Para dar forma às fotografias é preciso sensitividade, intuição, sensibilidade, geometria, um dedo e muitos clics, como diria Bresson. Com a “mente” e a imaginação ativa e criadora, o corpo se liberta pelos movimentos. A dança é libertadora, ensina-nos Wosien. Digo que, no bordado,  no sobe e desce da agulha e da linha há uma conexão, há um transbordar de dentro para fora, um sentindo forte de ser.   Entres fios e tramas sigo minha jornada pessoal em busca constante de pôr em prática os exercícios de uma pedagogia profunda que acolhe a alma e os sonhos de educadores e das crianças.

Portanto, parafraseando Bachelard (2006), digo que foi assim que escolhi a fenomenologia na esperança de reexaminar com um olhar novo as imagens fielmente amadas, tão solidamente fixadas na minha memória que já não sei se estou a recordar ou a imaginar quando as reencontro em meus devaneios.

 

Exercício fotográfico: Caçador de momentos

São fábulas de terror e de piedade, de amor e de ódio, de medos e de paixões desenfreadas, de atitudes generosas e de comportamentos cruéis, de delicadeza e de brutalidade. Um repertório fantástico que até hoje nenhuma outra obra humana igualou.

JAROUCHE[1]

Longos caminhos percorridos, longas noites em claro, passei. Quantos desertos atravessei. Solitário? Ao me posicionar, eu vi um branco candeeiro que iluminava uma pequena área do átrio nupcial.  O recinto quase todo estava adornado por uma pesada cortina de cor preta; o negro véu das mil e uma noites estreladas despencava sinuoso, ameaçador e, como uma cascata, descia vertiginosamente pela parede branca; o negro desembocava no chão. “Ao vaguear pela superfície, o olhar vai estabelecendo relações temporárias entre os elementos da imagem: um elemento é visto após o outro[2]”.

screenshot 2 

Naquele espaço, a luz do candeeiro realçava a alvura de um único rosto. A caprichosa luz iluminava a face de Rubi. Então, “ela surgiu como o plenilúnio em noite bela, membros delicados[3]”. “O vaguear do olhar é circular: tende a voltar para contemplar elementos já vistos[4]”. O vento morno do ambiente circulava, agitava a chama de luz que iluminava os outros rostos; ela não estava só.

Ó tênue luz que incandesce a razão. Ó luz benfazeja que capta e realça tão nobre beleza. Roube-lhe a alma e traga-a, por meio dos meus olhos zoons, para perto de mim. “Tempo de magia. Tempo diferente do linear, o que estabelece relações causais entre eventos. No tempo linear, o nascer do sol é a causa do canto do galo; no circular, o canto do galo dá significado ao nascer do sol...[5]”.

 screenshot 3

Ah! Donde vem tão grandiosa formosura? Qual mão delicada e sábia esculpiu, em branco marfim, tanta beleza?

“Imagens são mediações entre o homem e o mundo[6]”.

 screenshot 4

Rubi, é imperioso que saibas: - És tão bela quanto é belo o negro das pérolas. Pérola negra guardada em conchas nas profundezas do mar, onde se esconde teu brilho? Meus olhos, usurpadores, quase não te percebem. Negro, foste ofuscado por tuas mesquinhas ações. Ó dilaceradoras ações! Logo tu, pérola negra, que de longas datas dominaste minha visão-coração. Distante de mim estás, distante de ti estou. O destino e suas encruzilhadas, nossas concessões. Saibas, pérola negra, “que o destino não pode ser evitado nem nada pode impedi-lo, nem que, quando a mulher deseja alguma coisa, ninguém pode impedi-la[7]”.  

screenshot 5 

O caráter mágico das imagens é essencial para a compreensão das suas mensagens. Imagens são códigos que traduzem eventos em situações, processos em cenas. Não que as imagens eternizem eventos; elas substituem eventos por cenas (FLUSSER, 2011, p. 23).

Contudo, não é do mar que desejo falar... Nada e quase nada conheço dele. Só conheço a força, o ímpeto de sua arrebentação. Mas sei que, passando a arrebentação, ele se torna um solitário “ermitão” contemplativo. Vinhos, frutas, incensos, um mar para recordar. Ó mar, ficar longe de ti é mais belo e adequado para mim: o que os olhos não veem, o coração não sente[8]. Assim ensina o provérbio.

screenshot 6 

Volto a contemplar-te, Rubi...

Então, ali parado ao relento, prostrei-me, fitei-a e disparei... “Há regiões espaciais para visões diretas com olhos ironicamente semifechados. Há regiões temporais para um olhar-relâmpago, outras para um olhar sorrateiro, outras para um olhar contemplativo[9]”.

 screenshot 7

Branca-prata, pele lunar... É este ser feminino que meus olhos querem captar. “Teu rosto parece a face da lua nova[10]”, emoldurado pelas ondas negras dos teus negros cabelos. Teus cabelos serpenteiam por teus ombros. “É como se a cabeleira sobre seu rosto fosse noite de preocupação sobre manhã de alegria[11]”. Olhos perigosos de quem se arrisca, de quem se revela e se esconde; de quem consome nas palavras a verdade que elas podem ocultar. Fotógrafo caçador...

Quem observa os movimentos de um fotógrafo munido de aparelho (ou de um aparelho munido de fotógrafo) estará observando um movimento de caça. O antiquíssimo gesto do caçador paleolítico que persegue a caça na tundra. Com a diferença de que o fotógrafo não se movimenta na pradaria aberta, mas na floresta densa da cultura (FLUSSER, 2011, p.49).

“A fragrância é almíscar; as faces, rosa; os dentes, pérolas; a saliva, vinho; a esbelteza, ramo; os quadris, duna; os cabelos, noite; o rosto, lua cheia[12]”. Teu nariz é belo adorno; tua boca pétala vermelho-rosa; teu sorriso se abre, gargalhas. Falas com verdade e nobreza.

O que escutam teus ouvidos que te fazem rir despretensiosamente? Tuas mãos bailam ao vento; parece reger a mais doce música que vaga nas almas atentas.  Brilhaste “nas trevas e o dia surgiu, e as árvores se iluminaram com tua luz; é através do seu brilho que brilham os sóis...[13]”. A luz do candeeiro brinca com tuas mãos, quer escondê-las, quer revelá-las. O átrio nupcial se enche do claro e do escuro, de formas e de imagens.

 Surgiste “numa túnica azul, lazurita tal e qual a cor do céu[14]”. O azul céu de tua túnica  transmutou-se em branco, bordado de prata, que tocava com suavidade as miçangas azuis de tua sandália. A túnica cobria desapercebidamente o teu corpo, realçando tuas formas, deixando escapar o teu perfume. Túnica liberadora dos teus graciosos movimentos.

 screenshot 8

A cena, as vozes, os olhares iluminados pela luz do candeeiro traduzem felicidade, lembram tempos imemoráveis das antigas caravanas; o silêncio é quase uma música; os batimentos cardíacos impõem o ritmo-canção; o vento de verão é quase uma brisa fresca vinda do mar – do mar quase morto, do mar que outrora foi de aMAR.

“Não abandono amor meu nem me desvio do meu anelo: o amor é a cura e a lei que eu por dentro e por fora desvelo[15]”.

A aurora alcançou Sherazade e ela parou de falar...

 screenshot 9

   Nádia Tobias – fotógrafa e pesquisadora do Imaginário



[1] JARROUCHE, M. Mustafa. Livros das mil e uma noites, volume I – ramo sírio, 2006.

[2] Flusser, 2011, p. 22

[3] Idem, 2006, p. 234

[4] Idem, ibidem, 2011

[5] Idem, ibidem, 2011

[6] Idem, ibidem, 2011

[7] Idem, ibidem, 2006, p.48

[8] Idem, ibidem 2006, p.177

[9] Idem, ibidem, 2011, p. 50

[10] Idem, ibidem 2006, p. 198

[11] Idem, ibidem 2006, p, 198

[12] Idem, ibidem 2006, p, 248

[13] Idem, ibidem 2006, p. 370

[14] Idem, ibidem 2006, p. 234

[15] Idem, ibidem 2006, p. 128