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A morte de Getúlio Vargas  E-mail
Artigo de Fundo




                                                         

Mariante               João Gomes Mariante


 

Getúlio Vargas: o lado oculto do Presidente. Esse é o título do livro  de João Gomes Mariante, que está por sair e o autor concede ao CELPCYRO o privilégio de apresentar um capítulo, em primeira mão. Dr. Mariante é médico psiquiatra e  psicanalista, escritor e jornalista, Diretor do Jornal MenteCorpo.  O fato de sua profissão refinar seu conhecimento da alma humana e sua vivência como  contemporâneo de Getúlio lhe permitem  resgatar  aspectos da personalidade dessa figura ímpar de nossa história e interpretar suas atitudes com razoável segurança. Lembrando que, segundo Mariante, "a morte, para Getúlio, foi um dever cumprido, uma decisão que ele vinha elaborando há muito" apresentamos, em primeira mão, o capítulo "O Suicídio".

 

O Suicídio *

“Não se é homem enquanto não se encontra alguma coisa pela qual se está disposto a morrer” Mathieu

                                        “Navegar é preciso, viver não é preciso” Fernando Pessoa


Em vários trechos dos livros Os 3 Ases de 30 e Três no Divã focalizo o suicídio de Getúlio à luz da psicanálise. Neste adendo, não só amplio o texto como anexo interpretações psicanalíticas relacionadas ao psiquismo de Getúlio.

No presente ensaio, tento aprofundar os conceitos e reafirmar a convicção de que o suicida confunde os objetos internos com os externos. Assim sendo, no que tange a Getúlio, necessário se torna identificar quem ele “matou” realmente. Os que promovem a autodestruição guardam uma concepção totalmente diversa dos que se amam. Tal asserção leva-nos a concluir que suas vidas prendem-se mais aos sentimentos de ódio e desprezo pela existência; tornam-se uma tentativa a nível mágico de encontrar a felicidade e o amor. A morte é a dissolução das formas, o fim de toda a esperança, esse alento que o suicida augura encontrar no além. Insisto ainda em dizer que boa parte dos que se autodestroem não concretizariam o autocídio se o paraíso para eles fosse inexistente. Se o mundo em que eles vivem fosse compensador, não estariam “tentando” outros. Nas constantes e históricas ameaças diretas e indiretas, ele faz, inconscientemente, um pedido de clemência, de complacência, como um apelo, como mensagem às massas para fazê-las pensar. Quem realmente está em seus cabais, não se mata.

O destacado líder político poderia ser incluído no rol de suicidas “borderline”, como acentuamos em alguns capítulos deste livro. Inúmeras foram as vezes em que deu a entender ou em que ameaçou suicidar-se, no caso de ser impelido a deixar o governo. Acaso não foi o que a história registrou em 24 de Agosto de 1954, no Rio de Janeiro ?

Ao praticar o ato suicida, cumpriu as advertências que efetuou ao longo da existência: “Eu, se for vencido, não emigrarei”. Faltou incluir: “nem serei prisioneiro, nem serei Washigton Luiz”. Com o suicídio, ele foi, apenas e autenticamente, Getúlio Dornelles Vargas. Só com o recurso da morte foi autêntico.

Getúlio, quando ainda menino, dava prioridade às atuações lúdicas de considerável violência, que de alguma forma expunham sua vida ao perigo. Seu irmão (¹) descreveu episódios diversos - entre temerárias batalhas ou contendas com outros desafetos - os quais demonstravam claramente sua intenção autodestrutiva e as tendências suicidas desde os mais verdes anos.

Todo o ser humano, segundo Melanie Klein, guarda no inconsciente, objetos “bons” e “maus”. Segundo a teoria kleiniana, o suicida, ao consumar o ato, mantém uma parte do Ego identificada com tais objetos e o faz por dependência do Id, que é o guardião dos instintos, a parte mais profunda do inconsciente, e o centro dos impulsos, o guardião do ódio e da inveja. O Id é o principal responsável pela indiscriminação de objetos maus.

A morte, para Getúlio, foi um dever cumprido, a uma decisão que ele vinha elaborando há muito, conforme assinalamos no início do texto.

Na Carta-Testamento, afirma: “Sigo o Destino que me é imposto”. Em outro tópico da histórica missiva, ele diz ainda quase ao finalizá-la: “Eu vos dei a minha vida. Agora, vos ofereço a minha morte”. Nota-se em tal oferecimento, a condição de uma oferta valiosa, e o símbolo de um prêmio, que ele enaltece como um bem supremo, a morte.

Para a maioria dos que se matam, nunca falta um motivo, e eles se apresentam da forma mais grave à mais trivial. A esse respeito, Sartre relata que um suicida, para justificar seu gesto, deixou a seguinte mensagem: “cansado de abotoar e desabotoar os botões das calças”.


É de se concluir que em suas fantasias, ao redigir a epístola, predominasse em Getúlio o desígnio de sugerir aos que lhe amavam, transformar o texto em epitáfio, para assegurar-lhe no bronze a condição que sempre perseguiu, a de transfigurar-se num ser eterno e perene, presente na consciência das massas. Os mais significativos desejos de Getúlio eram o de integrar a história e tornar-se eterno, condições que lhe assegurassem o culto permanente do prestígio e da preponderância, anseio esse que o suicídio lhe consagrou. Por isso, conduziu toda a existência no sentido de se transformar em mito, para integração perpétua na história,  e enigmático, sem “se explicar”.

Possivelmente, uma visão extra sensorial caíra sobre ele, repetindo a Epistola de São Paulo: “O resgate do pecado é a morte”. Provavelmente, muito antes do tiro no coração, entre outras vivências desesperadas, tenha rememorado situações externas, iguais ou parecidas às suas.

 

Getúlio, se vivo continuasse, e do governo fosse apeado, segundo seus princípios, enfrentaria o opróbrio, a desonra e a humilhação. Perante a história, seria um desertor e, diante da consciência coletiva, um fugitivo. Optou por apagar-se e integrar a história não só como mártir e herói mas se valeu de sua reputação e, como guapo de fronteira, cairia por terra. Assim agindo, não foi efêmero, foi eterno. Com gesto dramático transfigurou-se em herói mítico e perene. Acaso não foi essa sua autodestinação que consagrou o permanente propósito de viver para a posteridade e morrer por ela?

Se fosse caçado do governo, passaria seus últimos anos, em plena solidão à sombra de um Umbu, e entre um mate e outro a rememorar e mal dizer Carlos Lacerda e outros inimigos ilustres, a sorver um mate amargo, oferecido pelas mãos já tremulas de Gregório Fortunato.

Dada a sua personalidade, um tanto paranóide, seria a pior das mortes.

Getúlio foi um leitor assíduo de Erico Verissimo e, possivelmente, tenha introjetado, um seu dizer: “Cambará macho não morre na cama”.

O ser humano que se autodestrói está preso às artimanhas de um reservatório, onde as pulsões de morte residem e o instinto de vida esta ausente. Todo o autocida tem no inconsciente o que Freud chama de Id: “a parte obscura, inacessível da nossa personalidade; o pouco que sabemos a respeito, nós o aprendemos em nosso trabalho sobre os sonhos e através dos sintomas neuróticos”( em O Ego e o Id, 1923).

Getúlio não repele uma metafísica, que poderia esclarecer e até apagar conceitos e teorias, perduráveis ou não, no terreno das crenças divinas, responsáveis por suas tímidas manifestações indiretas. O grande estadista jamais assumia um compromisso no concernente a quaisquer acordos vinculares. Ele nunca se manifestava diretamente. É de sua lavra: “Prefiro que me interpretem, do que me explicar”. Só ao valer-se da ocorrência de um suicídio conseguiu em parte se explicar.

 

Diversas vezes Getúlio fora avisado de eventuais possibilidades de ataques contra ele, ao que não se preocupava  nem dava a devida atenção.

Ao folhear as páginas de seu Diário, volume II, p. 162, encontramos seus comentários sobre certos boatos de que extremistas estariam articulando um movimento para eliminá-lo, sob o comando do integralista fugitivo Belmiro Valverde: “Talvez recrudesçam os boatos de minha eliminação por um golpe de surpresa. Essa ameaça repetida não me impressiona nem preocupa. Trabalho em beneficio do país. E se for eliminado à traição ou por surpresa? Não será um meio de sair dignamente da vida?”. Diante de conceitos como esse, não se concebe que nenhum ser humano, dotado de um grão de senso de realidade, ainda que pertença à legião de getulistas, deixe de aceitar a condição de pré-suicida do destacado líder de massas. Em momento algum, perante quaisquer episódios em que sua vida periclitava, Getúlio  manifestou a mínima preocupação em preservá-la. O suicídio foi para ele a condição de morrer dignamente, com altivez e desassombro.

Todo suicida, segundo os preceitos religiosos, comete um crime contra Deus, árbitro supremo da vida e da morte, porque usurpa seus direitos; age contra a sociedade, porque a priva de um membro que poderia ser-lhe indispensável. Getúlio morreu com a noção infalível de um cometimento contra o criador. Eis porque, com o suicídio, um dos mais célebres da nossa história levou consigo culpas, sem desculpas, pecados imperdoáveis e dúvidas não resgatadas porque, com a consumação do ato patológico, não lhe restou tempo para um arrependimento e para a elaboração de uma culpa persecutória.

Quem conheceu Getúlio jamais poderia crer que o atentado a Carlos Lacerda tivesse sua aprovação e, muito menos, sua aquiescência. Jamais ele correria o risco de ser o mandante, porque sua experiência em assuntos criminais impediria que fosse capaz de meter a mão em cumbuca.

A velha raposa sabia desarmar a esparrela antes de ingressar no galinheiro. Getúlio nos idos tempos foi promotor público, o que lhe brindou experiências no trato das ações criminais. Atribuir-lhe a culpa, seria conclusão primária e absurda, o que anula a existência de um desejo em tal sentido. As decisões, as condutas e os comprometimentos do grande líder, nos últimos tempos da sua atribulada existência, apresentavam-se quase totalmente opostas ao que ele fora em tempos anteriores.

 

Como psicanalista e psiquiatra não tenho dúvidas, de que uma depressão bastante acentuada instalou-se em sua personalidade.

 Nem sempre é possível estabelecer-se um diagnóstico estrutural de maneira rigorosa sobre a depressão, como  ocorreu nas psicoses maníaco-depressivas, em que  os sintomas clínicos são visíveis e detectados por qualquer leigo esclarecido. As depressões, especialmente as que atingem a terceira idade, poderão limitar a capacidade intelectual, e restringir as condições perceptivas da realidade. Acaso não foi o que ocorreu com a atuação criminosa do “Anjo Negro” (Gregório) no caso da Rua Tonelero? Se Getúlio da época pré-suicida tivesse as condições de neutralizar a realidade, como nos tempos em que a lucidez psíquica lhe sobrava, certamente teria detectado que o seu fiel escudeiro não era mais digno de confiança.

Incontáveis foram as vezes em que o “Pai dos Pobres” desafiou a morte. Está registrado no Diário no ano de 1933, no dia 03 de abril que não viajasse, porque havia boatos de conspiração. A respeito, diz textualmente: “Fui prevenido pelo Ministro de Guerra que não deveria viajar para Minas, pois havia uma conspiração preparada para que o movimento explodisse nesse estado e em São Paulo. Tomei a notícia como poisson d´avril, e viajei.

Getúlio, em sua longa caminhada, agiu sempre com uma notória simultaneidade de formas e procedimentos e de identificações inconscientes. Essas características de sua personalidade, que não chegavam a configurar o quadro clínico de “personalidade múltipla”,  traduziam a duplicidade de ações e decisões de que o conceito de ambivalência é o melhor exemplo. Na oculta essência de seu psiquismo, de sua personalidade, mantinha a sete chaves muitos “Getúlios” que, nas ocasiões precisas, nem ele sabia quais eram, o instinto vaqueano se encarregava de utilizá-lo conscientemente.

O mais destacável é que todos esses “Getúlios” se aninhavam no seu interior: o Getúlio de 30, de 37, o Getúlio nazifacista, Getúlio Bolchevista, Getúlio e os demais portadores do seu cognome, tal como a matriz célula mater, repousam no ambicionado seio da eternidade.

Sabe-se que Prometeu, suposto criador mítico da estirpe humana, ao qual foi atribuída a criação dos homens, utilizando o barro, arrebatou o fogo do céus, para doá-lo aos seus semelhantes e ensinar-lhes como utilizá-lo.( Carlos Lacerda, tenaz inimigo de Getúlio, lembra-nos o deus pai dos deuses).Tal conquista despertou profundo ódio a Júpiter, que o amarra aos rochedos do  Cáucaso e designa uma águia para  todos os dias dilacerar-lhe o fígado.

Carlos Lacerda (O Corvo do Lavradio) à guisa da águia de Júpiter, “amarrou” Getúlio ao Palácio do Catete, e como a ave de rapina, corroia as entranhas mentais da vítima, que na carta-testamento declara: “Se as aves de rapina querem o meu sangue, o ofereço em holocausto a minha vida”.

Lacerda, de igual maneira que o corvo, detem em sua personalidade os aspectos negativos da ave carniceira, cujo alimento preferencial é carne putrefada. É a ave negra dos românticos, figura de mau agouro, representante do terror e da desgraça, é a ave negra planando por sobre os campos de batalha, a fim de saciar a fome nos restos deteriorados de soldados mortos.

Há, entretanto, entre certas crenças que atribuem à ave sinistra, uma figura heróica e divina,  de demiurgo primordial ou de mensageiro primordial.

No que tange à mitologia, o corvo era na Grécia consagrado a Apolo.

 

 Em inúmeras ocasiões, Getúlio manifestava, de forma clara ou latente, suas intenções suicidas. Na campanha eleitoral de 1954, em que ele disputava a presidência da República, num comício em São Paulo, em resposta a um jornalista, ele declara: “Conheço meu povo e tenho confiança nele. Tenho plena certeza que serei eleito, mas sei também que, pela segunda vez, não chegarei ao fim do meu governo  ”. A predição se confirmou e o fenômeno da intuição, como capacidade psicosensorial, mais uma vez lhe deu razão.

Ainda sobre uma possível culpa, que ele jamais confessaria, façamos referência ao doloroso episódio da entrega da judia russa, esposa do líder comunista Luiz Carlos Prestes à Gestapo de Hitler, ao crematório de Aüschiwitz, não obstante estar grávida de sete meses. Em março de 1936, teve início o processo de deportação, e em 17 de junho do mesmo ano, foi confirmada a decisão de expulsá-la. Essa, a meu ver, constitui uma das grandes culpas que foram sepultadas com ele.

O impressionante, no rumoroso processo, foi a rapidez com que o processo foi armado, decidido e julgado (em apenas três meses).

Não há dúvida de que, um processo de igual natureza, sem as características do atual, consumiria um tempo sem comparação para o seu julgamento. Na tentativa desesperada, para demover a intenção desumana do governo brasileiro, Olga, ela mesma tenta desesperadamente uma solução. Conforme acervo do Jornal O Globo, na época, “Olga recorre então à Corte Suprema dos Estados Unidos do Brasil – antigo nome do Supremo Tribunal Federal. Mas, em 17 de Junho, os ministros confirmam a ordem de expulsão dada por Vargas.”, só não mencionaram que essa expulsão era a equivalência de uma sentença de morte.

O episódio - nem a culpa por não se impor diante de imperiosas decisões, que se consubstanciaram na sentença proferida a um só tempo para eliminar, mãe e filha nascitura - revelou a submissão de Getúlio às  forças de direita.

A culpa certamente incidiu sobre a consciência de um ditador que, por seu poder absoluto, poderia, se assim desejasse, evitar uma extradição. Getúlio pilatônicamente lavou as mãos diante de uma ação desumana e perversa, para continuar contemplando-se com o apoio das facções castrenses e outras.

Getúlio jamais pediria perdão porque, possivelmente no tempo de sua adesão ao nazifacismo, imitasse o Marechal Petain, notável cabo de guerra francês, tido como traidor da França, cujo tribunal que o arguiu, diante da pergunta de um dos juízes, se ele pediria perdão, contestou: “Um Marechal de França não pede perdão”. Não se tem indícios de que Getúlio tenha favorecido alguém com o sentimento de perdão, a não ser que o ato de perdoar resultasse numa compensação ou em algum resultado profícuo, que viesse contemplar adjutórios eleitorais. Certamente, se a época fosse outra, Getúlio, teria absolvido Olga Benário.

O exemplar humano que perdoa, retém no fundo do ser uma certa onipotência, ao igualar-se a Deus, que é executor divino do perdão. Para igualar-se a Ele, Getúlio perdoaria até Plínio Salgado, o criador do partido integralista, líder e executor do célebre “Putsch” no Palácio Guanabara, que por um triz não triunfou. Perdoaria também, o maior de seus inimigos: Carlos Lacerda. É por demais conhecido, o episódio, em que um jornalista lhe perguntava, se ele tinha muitos inimigos, ao que ele retorquiu: “Nem tantos que amanhã não poderão ser amigos”.

O suicídio deixa sempre alguém culpado, e até responsável pelo ato doentio. E essa culpa atinge os pais,  a sociedade e as instituições. Na véspera da grande tragédia, um aglomerado de milhares de elementos humanos, formadores da uma massa completamente psicotizada, circundando o Palácio do Catete, exigia a renúncia de Getúlio. A extraordinária multidão configurava um cardume de peixes vorazes, disposta a arrombar as grades do Catete, para saciar a fome de vingança pelo crime da Rua Tonelero, porque Carlos Lacerda inculcou no espírito coletivo a ideia de que o desastrado plano foi de autoria de Getúlio. A tal respeito, a culpa coletiva via-se flagrante nas fisionomias da horda aglomerada, em torno do esquife, para rezar, chorar e compungir-se, no velório histórico, no fatídico dia em que Getúlio se matou.

Na hipótese de uma culpa coletiva, a turba que ali estava, em 23 de agosto, véspera do suicídio, era para penitenciar-se e consolar-se e condoer-se diante do seu fadário, tragédia que muitos atribuem a um poder sobrenatural, pela culpa de um tempo anterior e atual, diante do crime da Rua Tonelero em Copacabana, no Rio de Janeiro, na qual foi morto um oficial da aeronáutica. Esses mesmos componentes, embora acionados por momentos céleres levados pela atroz campanha incitada pela UDN, posicionaram-se contra ele, e agora a turba diante de seu esquife está a manifestar profunda contrição, forma de amainar a culpabilidade e expressar arrependimento, essa atitude da massa arrependida, que há menos de 24 horas, afinava com a UDN, no propósito de derrubar Getúlio. Em comícios monstruosos, queria vingança, a desforra pela morte de um oficial da aeronáutica. Em menos  de 24 horas a mesma tuba pré-assassina, num ato de quase curto circuito, derrama lágrimas sobre seu cadáver.

 

O indivíduo, ao cometer o suicídio, em suas fantasias, hipoteticamente, executa uma ruptura, com o mundo externo, perseguidor e odiado, com a esperança e, às vezes, com a convicção, de encontrar no outro o que este lhe negou. Ao por fim à existência, exalta o malogro da vida e proclama o triunfo da morte.

As leituras preferenciais de Getúlio versavam em torno de autores suicidas, destacando-se a de Santos Dumont.

O “Pai dos Pobres”, desde os  verdes anos, flertou com a morte, é de sua autoria a seguinte frase:

“Talvez recrudesçam os boatos de minha eliminação por um golpe de surpresa. Essa ameaça repetida não me impressiona nem preocupa. Trabalho em benefício do país. E se for eliminado à traição ou por surpresa ? Não será um meio de sair dignamente da vida ?”

É bem provável que Getúlio tivesse acesso às memórias de Garcia Lorca, o dramaturgo e grande poeta espanhol, obcecado pela morte, a tal ponto que chegou a dramatizá-la num “jogo de esconde-esconde com o próprio fim”, conforme reportagem da Folha de São Paulo, de 10/08/2014.

A história foi seu refúgio, escusa e alento, a ela entregou mágoas, tristezas, alegrias e íntimos segredos, sempre afiançado à magia do destino, tanto em sua ação protetora, quanto às dádivas da sorte, como reações adversas, enumeradas ao fadário, essa condição, atribuída a poderes sobrenaturais.

Um dos fenômenos mais destacáveis no doloroso episódio foi a metamorfose da multidão a respeito do crime da Rua Tonelero, da qual, Carlos Lacerda incutiu no espírito do povo, teria sido Getúlio  o responsável.

A propósito, no conceito lapidar de Janio de Freitas, publicado na Folha de São Paulo, em 24/08/1954, sintetiza melhor: “No dia 23, o Brasil estava endoidecido de ódio a Getúlio. No dia 24, enlouquecido de saudade”.

Diante do trágico episódio, a impressão dominante foi a de que o getulismo viraria cinzas, mas os que assim pensavam olvidaram que, sob as cinzas jazia uma brasa ainda não apagada, para reascender em 24 de agosto de 1954, sob o sopro dos ventos redentores.

Ao longo da existência, Getúlio posicionou-se na expectativa de uma sentença do destino, e o grande juiz da ventura, da sorte, do azar, da bonança e da adversidade, acionou o martelo da justiça, para outorgar-lhe a tão ambicionada sentença judicial.

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* Capítulo inédito de Getúlio Vargas: o lado oculto do Presidente, de João Mariante, a sair.