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Roda de Boi-Bumbá  E-mail
Fronteiras Culturais - Outras Fronteiras

 

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                                                                BRINQUEDO DE SÃO JOÃO: RODA DE BOI-BUMBÁ                                                                                         

Nádia Tobias de Souza Seara *

Este artigo é uma continuação de um projeto de pesquisa iniciado em 2009 na cidade de Parintins (Amazonas): Devaneios poéticos e a cultura de brincar de Boi-Bumbá em Parintins-AM. A pesquisa que deu origem ao trabalho foi realizada durante as últimas semanas que antecederam o megafestival folclórico de Parintins-AM. Destaca-se o olhar sensível para a cultura de brincar de Boi-Bumbá dos povos da floresta, nas figuras dos tarefeiros, participantes, integrantes, moradores, apreciadores e brincantes dos Bois-Bumbás: Caprichoso e o Garantido.

BumbódromoVista aérea do Bumbódromo

 

 

Esse Festival é uma festa popular realizada anualmente no último fim de semana de junho na cidade de Parintins, Amazonas.

O festival apresenta a céu aberto de diversas associações folclóricas, sendo o ponto mais importante do evento atualmente a disputa entre dois bois folclóricos, o Boi Garantido, de cor vermelha, e o Boi Caprichoso, de cor azul. A apresentação ocorre no Bumbódromo. O Festival de Parintins se tornou um dos maiores divulgadores da cultura local. Durante as três noites de apresentação, os dois bois exploram as temáticas regionais como lendas, rituais indígenas e costumes dos ribeirinhos através de alegorias e encenações.

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Nádia Tobias de Souza Seara é pedagoga com especialização em Psicopedagogia, no Instituto de Ensino Superior Martha Falcão (Manaus-AM) e em Educação Lúdica em contextos escolares não formais e corporativos, no Instituto Superior de Educação Vera Cruz (São Paulo-SP). Desenvolve pesquisa sobre o imaginário simbólico e a cultura de brincar de Boi-Bumbá em Parintins – Amazonas e faz fotografia.

 

 

alt Parintins                                                                              

                                                      altRio Amazonas

O referencial teórico contemplou no tocante ao Amazonas, Márcio Souza; a Parintins, Rodrigues; a outros olhares, Ferreira-Santos, Paes Loureiro. A motivação do trabalho foi, ao mesmo tempo, a constatação do pouco cuidado que a população tem com a memória cultural – material e imaterial, e a manutenção orgulhosa da tradição que une elementos indígenas, caboclos e a presença sutil de uma educação de sensibilidade.

 

Particularidades da pesquisa

alt   Artesanato de fibra vegetal

Cultura: tal qual Geertz, assumo cultura como "sendo essas teias e as suas análises, portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis; mas como uma ciência interpretativa, à procura de significados” (2008, p. 4).

                                                                   Parintins

Parintins (Am.): Ilha Tupinambarana. A cidade é simples, aconchegante como seu povo. Curiosamente, algumas casas são pintadas com as cores dos bois preferidos. As agremiações dos Bois-Bumbás (Caprichoso e Garantido) têm a nítida noção do potencial financeiro, turístico e de desenvolvimento da cidade. Por enquanto, vamos acreditando nos binômios cultura-cabocla e folclore popular, uma manifestação popular com influências variadas, mas com suas bases enraizadas nas danças primevas dos indígenas. Como em todas as cidades do interior, as noites são iluminadas pelas fogueiras. O povo é muito receptivo; também sabe ser arisco, arredio; necessita de tempo para se abrir e se acostumar com a nossa presença

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                                                                       Desembarque dos brincantes do boi Caprichoso

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                                           Réplica do Cristo Redentor

 

 

Os Bumbás: Garantido e Caprichoso

A origem dos Bumbás é prosaica e cercada do imaginário popular, assim como dos mistérios, das encantarias e das lendas amazônicas. No livro O Magnífico Folclore de Parintins, de Tonzinho Saunier, há uma entrevista de Lindolfo Monteverde, fundador do Garantido, concedida ao autor, então repórter. Lindolfo ratifica que a brincadeira de criança transformou-se em manifestação folclórica a partir de 1920.

 

Garantido: o nome teria surgido de um encontro com o delegado de polícia e os irmãos, Lindolfo e Amâncio, durante o registro policial para inibir as brigas, fato muito comum durante as incursões bumbalinas nas ruas de Parintins e em Manaus. O vermelho e branco são as cores dessa paixão. De acordo com Rodrigues (2006, p. 68), o lugar onde morreu Lindolfo serviu por muitos anos como local de ensaios. Entretanto a partir do ano de 2000, as atividades passaram a ser realizadas na “Cidade Garantido”, ou seja, no espaço construído para ensaios e confecções alegóricas. O velho terreiro ainda tem o status de Curral Antológico, sendo utilizado todos os anos, no dia 24 de junho, dia dedicado a São João Batista, quando acontece uma ladainha para pagar a promessa feita pelo fundador do boi ao santo de sua devoção.

alt Boi- Bumbá Garantido

 

Caprichoso: Esse Boi também tem uma história prosaica, rica em detalhes, cujas versões se desencontram. Raimundo Cid e Pedro Cid, quando chegaram a Parintins, vindos da cidade do Crato (Ce) fizeram uma promessa ao santo de sua devoção: queriam prosperidade. Em troca levariam às ruas a brincadeira de Boi-Bumbá. A folclorista Odneia Andrade, residente em Parintins, confirma a data de 1913 para a fundação, reforçando os méritos da criação do Caprichoso pelos irmãos Cid.

altBoi-Bumbá Caprichoso

 

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                                       Cartaz publicitário alusivo ao Festival 2009

 

A brincadeira de Boi-Bumbá: num processo crescente, aos poucos, foi perdendo a inocência dos tempos de seu surgimento, para ganhar fôlego de megaespetáculo. Mas tal intrepidez não passou despercebida aos olhos dos seus adeptos e do povo.

Segundo Saunier (1989, p.34), em 1965, iniciou-se o Festival Folclórico organizado. O criador foi Raimundo Muniz Rodrigues que, juntamente com Xisto Pereira, Lucinor Barros e o Reverendo Padre Augusto, em reunião na sede da JAC (Juventude Alegre Católica), lançaram as bases daquele que seria um dos maiores festivais do gênero, no Brasil. Nesse ano, os Bumbás se apresentaram na JAC, mas não houve competição.

O ponto alto da brincadeira em Parintins, em cada uma das três noites, é a confraternização entre as raças: o branco, o negro e o índio. As potências criadoras e reprodutoras dos caboclos tarefeiros do Boi transformam a união num espetáculo cênico, dançante, dramático e vibrante. Numa característica tipicamente regional, destaca-se a presença da cultura indígena, representada pelas diversas tribos femininas e masculinas, pelos tuxauas-luxo, a batida ritmada das toadas. A grande apoteose são os rituais do ponto de vista teatral. O folguedo deriva da tradição espanhola e da portuguesa.

Os personagens de maior destaque são as mulheres: a cunhã-poranga – mulher mais bela da tribo, a sinhazinha, filha do dono da fazenda. A presença majoritária na brincadeira é a mulher: a primeira a cultivar as plantas alimentares. Foi ela que, naturalmente, se tornou proprietária do solo e das colheitas: a figura da Mãe-Terra, a floresta, a Amazônia.

O ritmo da festa segue na percussão dos toques das palminhas (instrumento de madeira), das caixinhas, do surdo. Acrescentaram-se ao remodelamento dos ritmos, o xarango, o violão, o banjo regional, o teclado, o contrabaixo, a guitarra. Toda essa mudança instrumental deu-se em função da evolução das toadas (legítimas representantes musicais do Amazonas). São aproximadamente 35.000 fantasias produzidas para as três noites de festival e algo em torno de 2.500 brincantes. A temática gira em torno de temas tribais, caboclos, folclóricos e amazônicos – com grafismos étnicos, elementos da fauna e da flora.

Cada agremiação tem em torno de 350 integrantes em sua batucada e na marujada. Três dos instrumentos têm mais importância na percussão: o surdo, que traz ritmo e tom, e o repique, que ajuda a manter a marcação. Os outros instrumentos do batuque são o roçar, a palminha e o xeque-xeque, que acompanham os bois desde as origens.                                                                     

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                                                         Grupo mirim do Garantido

 

Breve descrição dos chamados itens dos Bumbás:

Amo do boi: é o dono da fazenda e do boi.

Apresentador: conduz todo o espetáculo; atua como mestre de cerimônias, contando a história do boi e o tema que será abordado.

Boi-Bumbá: personagem principal da brincadeira; marca a rivalidade nas cores e nos símbolos.

Cunhã-poranga: a índia mais linda da tribo; em língua tupi, representa a beleza indígena na Amazônia.

Lamparineiros e bailado corrido: figuras típicas do início do Boi-Bumbá.

Levantador de toadas: a voz do Boi que canta todas as toadas da festa.

Batucada e marujada de guerra: agrupamentos de percussão dos Bois.

Pajé: o curandeiro que é chamado à fazenda para salvar o boi doente.

Porta-estandarte: índia que representa a diversidade cultural do Boi-Bumbá.

Rainha do folclore: índia que aparece no momento da alegoria.

Sinhazinha da fazenda: filha do amo, loira e de cabelos cacheados, usa vestido rodado, luvas finas e delicada sombrinha, inspirada nas antigas sinhás.

Tribos: personagens coletivas representando etnias indígenas.

Tuxauas: autoridade máxima da tribo, o grande chefe que resolve conflitos, orienta a comunidade e hospeda visitantes da aldeia.

Vaqueirada: o grupo de vaqueiros encarregados da proteção do Boi.

 

Arvoro-me em dizer que no processo de manutenção orgulhosa do imaginário caboclo, da cultura, da tradição, perpassa uma educação de sensibilidade profunda, presente na figura dos iniciadores – tarefeiros –, que sabem mostrar o leito do rio, fora mesmo dos muros das escolas. Em terra tupinambarana, brincar de Boi-Bumbá é ver nascer, das mãos habilidosas desses mestres-tarefeiros, motivos para imaginar e projetar cenas futuras.

 

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Dança Circular com Idosos Mao-AM 

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                                        Dança Circular parque CEMUCAM – COTIA - SP

Sobre as Rodas de Danças Circulares

Em 2011, a brincadeira de Boi-Bumbá ganhou espaço. O Mosaico de Danças Circulares Sagradas foi o grande facilitador para que o Boi-Bumbá passasse a ser dançando nas mais diversas rodas de danças circulares.

A Dança Circular Sagrada sempre foi uma prática recorrente entre os povos primitivos. Há uma grande variedade de motivos para dançar em roda, por exemplo, reverenciar a união e a natureza, auxiliar a comunicação entre os membros dos grupos... Durante a dança, há uma comunicação entre os mundos externos e o mundo interno de quem dança. A Dança Circular Sagrada é libertadora.

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Roda de Boi-bumbá Cotia/SP

 

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Roda de Boi- Bumbá São Paulo/SP

 

 

 

Sobre a Dança do Boi-Bumbá:

A dança de Boi-Bumbá – originária do Maranhão – chegou a Parintins pelas mãos dos fundadores dos Bumbás, Garantido e Caprichoso, há quase um século. É um ritual que, na sua gênese, acomoda a mística da ressurreição e da irreverência. Em Parintins acrescentou-se ao folguedo, o isomorfismo dos conteúdos profanos, religiosos e míticos. Mesclaram-se as tradições dos nordestinos ao lendário amazônico, dando origem ao que é chamado de Boi-Bumbá. A influência dos tempos modernos se faz perceber nas letras das toadas, nos arranjos musicais, na tecnologia. Como mantenedor das “origens”, há presença de alguns regulamentos obrigatórios que exaltam e valorizam a cultura amazônica como modelo estruturador do festival folclórico em Parintins.

Referências

GREERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008.

LOUREIRO, João de Jesus Paes. Cultura amazônica: uma poética do imaginário. São Paulo: Escrituras, 2001.

RODRIGUES, Allan. Boi-Bumbá evolução – livro-reportagem sobre o Festival folclórico de Parintins. Manaus: Editora Valer, 2006.

SAUNIER, Tonzinho. Magnífico Folclore de Parintins. Manaus: Empresa Oficial. 1989.

SOUZA, Márcio. Breve história do Amazônia: a incrível história de uma região ameaçada contada com o apaixonado conhecimento de causa de um nativo. 2º edição, Rio de Janeiro: Agir 2001.

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Mini -entrevista com Nádia Tobias de Souza Seara alt

Maria Helena Martins - O que teria levado a Brincadeira do Boi BUMBÁ a assumir dimensão/característica assemelhada aos desfiles das Escolas de Samba do Rio e São Paulo? (cf. http://boibumba.com/index_pt.htm)

Nádia Tobias - No desenrolar da pesquisa de campo fui informada de que:

Certo “tarefeiro” saiu do Amazonas e foi trabalhar nos barracões das escolas de samba do RJ. Depois de um longo período ele retorna à Ilha Tupinambarana. Ao retomar o seu trabalho de “tarefeiro”, introduziu na essência do boi-bumbá de sua devoção os elementos carnavalescos. Inicialmente a novidade agradou, mas dividiu opiniões. Aos poucos a novidade tomou conta dos “tarefeiros” dos dois bois. O “novo” boi-bumbá ganhou brilho, requinte e atraiu os interesses das mídias. A meu ver foi neste exato ponto que o boi-bumbá perdeu suas características originais para tentar “agradar” um público externo e exigente – além das nossas fronteiras. As toadas seguiram caminho semelhante, vieram outros ritmos e desatenção. Há pessoas envolvidas com os bois que se mostram preocupadas como esse tipo de “copia” e “cola” destoando das origens primeiras.

Outro fator decisivo foi o interesse da mídia em querer transmitir para o mundo um espetáculo grandioso tanto quanto o carnaval. Há um pesquisador em Manaus que estudou essa questão e deixou claro que foi o preço pago pelo Festival Folclore para ultrapassar fronteiras e alcançar outros continentes.

 

MHM - Em que medida essa transformação teria alterado a brincadeira tal como é registrada nas tuas fotos?

N T -Na medida em que se cria uma linha tênue com o descaso com a cultura local. A meu ver essa transformação abriu espaço para a usurpação de valores, pois onde o dinheiro sobeja, sobejam também problemas de ordem político-administrativa.

 

MHM - Teu trabalho quer resgatar as origens e manter a brincadeira sem a influência do Festival com ares "Globais" , melhor, com um espetáculo televisivo? Por quê?

Sem a influência do Festival com ares “Globais”, penso que é impossível. Apenas gostaria de chamar a atenção para o descompromisso com a cultura material e imaterial. Quero acreditar que seja por desinformação quanto ao valor cultural que temos e herdamos dos nossos antepassados. Acho importante que a juventude tão bem informada dos tempos atuais use esse corolário de informações e ressignifique a tradição sem perder de vista suas raízes. Unindo tradição, modernidade a tanta diversidade.

OBS.: essas questões são também pretexto para ampliar também a perspectiva de fronteiras culturais hoje, não só sob o ponto de vista geopolítico e folclórico, mas como efeito, simultaneamente, globalizador (como ampliador de horizontes) e de reconhecimento das manifest