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O México em duas novelas bem-humoradas de Juan Pablo Villalobos E-mail
Coluna CELPCYRO - Colunistas


                                                                                  Nubia Silveira 

Juan Pablo Villalobos é um mestre da escrita. Seu texto conciso, direto, leve, bem-humorado, às vezes irônico, faz pensar. O humor é, para ele, “uma arma contra o poder”. Utiliza-o sempre, mesmo nas crônicas e reportagens, sem esforço algum. Depois do sucesso obtido com seu primeiro livro, sente-se livre para escrever o que quiser. Sua dúvida é sobre os críticos: quem os critica? 

Mexicano de Guadalajara, publicou Festa no Covil   em 2010, aos 37 anos, pela Anagrama, editora espanhola. Primeiro de uma trilogia sobre o México, transformou-se rapidamente em sucesso mundial. Já foi traduzido para 14 idiomas até agora e deve virar filme. Nas livrarias brasileiras, no entanto, ainda não divide espaço com os best-sellers expostos nos balcões. Este ano saiu, também na Espanha, a segunda parte da trilogia: Si viviéramos en un lugar normal (Se vivêssemos em um lugar normal). Ainda não foi traduzido para o português e quem estiver interessado em encomendá-lo deve esperar, no mínimo, 12 semanas. Mas, se tiver um pouco mais de paciência, poderá comprá-lo em português, em setembro, quando será lançado no Brasil, pela Companhia das Letras. 

                    Algumas pessoas dizem que sou precoce. Dizem isso principalmente porque pensam que      sou   pequeno pra saber palavras difíceis. Algumas das palavras difíceis que eu sei são: sórdido, nefasto, pulcro, patético e fulminante. O problema é que não conheço muita gente. Conheço no máximo umas treze ou catorze pessoas, e quatro delas dizem que sou muito precoce. 

Assim, Tochtli começa a nos apresentar seu mundo, o do filho de um chefe do narcotráfico mexicano, em Festa no Covil. É com o olhar de uma criança inocente – ele vive isolado num “palácio” – que Tochtli descreve os crimes de Yolcaut, o pai que não quer ser chamado de pai.  

                Hoje apareceu um cadáver enigmático na tevê: cortaram a cabeça dele, e nem era um rei. Também parece que não foi coisa dos franceses, que gostam tanto de cortar as cabeças. Os franceses colocam as cabeças em uma cesta depois de cortá-las. Vi isso num filme. Na guilhotina colocam uma cesta bem debaixo da cabeça do rei. Aí os franceses deixam a lâmina cair e a cabeça cortada do rei cai na cesta. É por isso que eu gosto dos franceses, sempre tão delicados. Além de tirarem a coroa do rei para não amassar, tomam cuidado para a cabeça não escapar rolando. Depois os franceses entregam a cabeça pra alguma senhora, para ela chorar. É uma rainha ou uma princesa ou algo parecido. Patético.

                Os mexicanos não usam cestos para as cabeças cortadas. A gente entrega as cabeças cortadas dentro de uma caixa de brandy reserva. Parece que é uma coisa muito importante, porque o homem das notícias repetiu várias vezes que a cabeça tinha sido mandada dentro de uma caixa de brandy reserva. A cabeça era de um cadáver da polícia, um chefe de todos os policiais ou algo parecido. Ninguém sabe onde estão as outras partes do cadáver. 

A trilogia – Juan Pablo trabalha no último livro – é escrita na primeira pessoa. O protagonista de Si viviéramos en un lugar normal não é mais criança. É um adolescente, que vive em Lagos de Moreno, nos Altos de Jalisco, onde há mais vacas que pessoas, filho de um professor que grita palavrões ao ver o noticiário na televisão e escolheu nomes gregos para os filhos.  

Orestes, diariamente, disputa com seis irmãos as quesadilhas – comida típica mexicana, de tortilha e queijo – feitas pela mãe. A família vive em um terreno invadido no alto de um morro, numa casa que Orestes descreve como uma pequena caixa de sapato. Ao contar sua vida, nos leva a saber como era o México dos anos 80. Eleições fraudadas, protestos contra o PRI, inflação alta, esperanças, desilusões marcaram Orestes, sua família e o país. 

                          Nós conhecíamos muito bem a montanha russa da economia nacional, a partir do tamanho das quesadilhas que minha mãe nos servia. Inclusive criamos categorias para elas: quesadilhas inflacionárias, quesadilhas normais, quesadilhas de desvalorização e quesadilhas de pobres – citadas em ordem da maior opulência à maior mesquinhez. As quesadilhas inflacionárias eram gordas para evitar que o queijo que minha mãe havia comprado em pânico, devido ao anúncio de uma nova alta dos preços dos alimentos e o perigo de que a conta do supermercado passasse dos trilhões de pesos, apodrecesse. As quesadilhas normais eram as que comeríamos todos os dias, se vivêssemos em um país normal. Mas, se fossemos um país normal não comeríamos quesadilhas. Por isso, também a chamávamos de quesadilhas impossíveis. As quesadilhas de desvalorização perdiam substância por razões psicológicas mais do que por razões econômicas. Eram as quesadilhas da crônica depressão nacional – e eram as mais comuns na casa dos meus pais. Finalmente, tínhamos as quesadilhas de pobre, em que a aparência do queijo era literária: abria-se a tortilha e em lugar do queijo derretido, minha mãe havia escrito a palavra queijo na tortilha. O que não havíamos ainda conhecido era a chantagem do desabastecimento quesadilhesco. (trecho de Si viviéramos en un lugar normal, em tradução livre)

Depois de lançar sua primeira novela, Juan Pablo passou a escrever para diversas publicações. A lista é grande: No México, colabora com o jornal Milênio e as revistas Gatopardo e Letras Libres; no Brasil, com O Estado de S. Paulo, Playboy e o blog da Cia das Letras (http://www.blogdacompanhia.com.br/category/colunistas/juan-pablo-villalobos-colunistas/); nos Estados Unidos, com as revistas The Coffin Factory, World Literatura Today, Saveur, The Normal School; na Grã-Bretanha, com Granta e com o blog do Pen Club; na Colômbia, com a revista Don Juan e, na Espanha, com as revistas Quimera e Granta.  

Casado com uma brasileira, com quem tem dois filhos “meio mexicanos, meio brasileiros”, vive, atualmente, em Campinas (SP), onde se dedica a concluir a trilogia sobre seu país natal. Na Espanha, com uma bolsa de estudos da União Europeia, fez o doutorado em Teoria Literária. Fala e escreve perfeitamente português, mas quando quer ganhar tempo, como na entrevista que concedeu ao Sul21, por e-mail, prefere escrever em espanhol.

Juan Pablo Villalobos. Photograph by Rita Platts

 

 

Sul21 – Quais as vantagens e desvantagens de viver longe da terra natal?

 

Juan Pablo – A distância é boa para que se ganhe perspectiva. O ruim é não poder conviver com a família e os amigos mais antigos. E, claro, não poder comer a comida mexicana. 

 

Sul21 – Quando escreveu Festa no Covil, você já pensava em uma triologia?

 

Juan Pablo – Não. Soube disso ao terminar o segundo livro. Além do mais, naquele momento, já tinha a terceira novela pronta na minha cabeça. Aí me dei conta que as três histórias, apesar de independentes, estavam conectadas e poderiam ser lidas como uma trilogia.


 

Sul21 Festa no Covil trata do narcotráfico no México, sob a ótica de uma criança. Seu segundo livro mostra a visão de um adolescente sobre os grandes problemas do México. No próximo livro, o personagem será um velho. Qual o tema do terceiro livro?  Como você definiu os assuntos para cada uma das fases da vida de uma pessoa?

 

Juan Pablo – Eles surgiram de maneira natural. Primeiro penso na trama. Logo no narrador adequado para contar essa história. Os temas surgem de maneira natural, como consequência, não de forma premeditada. Creio, radicalmente, que se um autor de antemão se propõe a abordar determinados temas e subordina a trama e o narrador a esses temas, escreverá uma novela ruim.

 

 

 

Sul21Você começou a escrever o terceiro livro da trilogia. Já tem o título? Pretende lançá-lo quando?

 

Juan Pablo – Sim, estou trabalhando nisso. Mas, não gosto de falar sobre o que estou escrevendo. Sou supersticioso. 

 

 

Sul21 – É mais fácil escrever como uma criança, um adolescente ou um velho? Por quê?

 

Juan Pablo – Os três representaram enormes desafios em diferentes momentos de minha história como escritor. Não posso dizer que um tenha sido mais difícil do que o outro. Acredito, sim, que foi muito diferente escrever Festa no Covil, com toda a insegurança de um escritor inédito, que não sabe se conseguirá publicar seu livro. Ao escrever a segunda novela, poderia ter sentido certa pressão devido ao êxito da primeira, mas preparei a minha mente para que esse êxito me liberasse. Assim, estava mais livre para escrever o que tivesse vontade, pois meu trabalho já estava legitimado. Agora, enquanto escrevo o terceiro livro, me sinto muito mais seguro. Permito-me desfrutar mais do ato de escrever.


 

Sul21 –   Ao escrever Si viviéramos en un lugar normal, você chegou a definir, imaginar, como seria esse lugar normal?

 

Juan Pablo – Na verdade, há uma ironia no título. Não há lugares normais. É uma armadilha pensar nisso. No México – e creio que também no Brasil –, geralmente, fugimos da nossa realidade, pensando que outros países são normais (e por normais queremos dizer “melhores”). Mas, como diria Caetano, “de perto, ninguém é normal”. Uma canção, certamente, cantada para uma vaca, e as vacas são uma das protagonistas de Si viviéramos en un lugar normal. É uma coincidência curiosa.


 

Sul 21 –   Quais os maiores problemas enfrentados pelo México? Quais deles são exclusivos dos mexicanos e quais são universais?

 

Juan Pablo – São os mesmos problemas de toda a América Latina, incluindo o Brasil: uma enorme desigualdade social (um abismo entre ricos e pobres), um sistema de Justiça fracassado, uma corrupção dilacerante, uma classe política desavergonhada, violência...


 

Sul 21 – Você gostaria de ter escrito uma novela sobre o ex-presidente mexicano Carlos Salinas de Gortari (de 1988 a 1994) - http://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_Salinas_de_Gortari. Por que ele o fascina? O que o impediu de fazer essa sonhada novela?

 

Juan Pablo – Cheguei à conclusão que não valia a pena. Salinas já era ele mesmo uma caricatura, não era necessário caricaturá-lo. Ele me fascina porque resume todo o pior da classe política mexicana.


 

Sul21– A América Latina ganhou um papa. Essa escolha ajudará a melhorar a vida dos latino-americanos? Qual o futuro que você prevê para a América Latina?

 

Juan Pablo – O papa é um senhor que anda de branco?


 

Sul21– Seus textos, em livros ou reportagens, são marcados pelo humor. Você é uma pessoa bem-humorada?  Sempre foi assim?

 

Juan Pablo – Talvez como pessoa seja menos bem-humorado. Creio que o humor que faço precisa de repouso. Por outro lado, não gosto de pessoas que passam o tempo contando piadas. Suponho que, como todos, sou uma pessoa bem humorada, dependendo de certas condições: se tomo o café na primeira hora da manhã, se meus níveis de açúcar estão adequados, se meu time de futebol vence, se estou lendo um bom livro, se pessoas tolas não cruzam o meu caminho, se o papa não fala comigo.


 

Sul21 – Há muitos leitores com a síndrome da Má Literatura (ML) como a personagem de sua crônica - http://www.blogdacompanhia.com.br/2013/03/romances-que-eu-realmente-nao-vou-escrever-ii/ ? Como evitar essa síndrome?

 

Juan Pablo – Na verdade, trata-se de uma ficção sobre a má crítica, mais do que sobre a má literatura. Sempre pensei: quem critica os críticos? Me refiro aos críticos em geral, aos de arte, de cinema, de literatura. Nós, os criadores não podemos, não devemos responder aos críticos. Eu jamais responderia a um crítico. Mas, seriamente, um crítico fica sempre impune?


 

Sul21– Numa de suas crônicas para a Companhia das Letras, você diz que o difícil de viver no Brasil é ter de responder, por exemplo, sobre seu(s) escritor(es) favorito(s) no Brasil - http://www.blogdacompanhia.com.br/2012/09/meu-escritor-brasileiro-favorito/. Essa fase já passou? Já começaram a lhe perguntar sobre o México e os mexicanos ou seus interlocutores seguem curiosos sobre o que você pensa do Brasil?

 

Juan Pablo – O Brasil, como todos os países ansiosos por reconhecimento internacional (o México entre eles), olha demasiadamente para o seu umbigo. Acabo de publicar a segunda parte desse texto - http://www.blogdacompanhia.com.br/2013/04/meu-escritor-brasileiro-favorito-ii-reflexoes-sobre-a-existencia-da-bulgaria/ -, onde reconheço que já tenho escritor brasileiro favorito. É Campos de Carvalho. Assim que esse problema, agora, desapareceu. A qualquer pessoa que me pergunte sobre isso, lhe jogarei esse nome. Um gênio. Campos de Carvalho.


 

Sul 21– O que mais lhe perguntam sobre seu país? E o que você gostaria de contar sobre ele e que não lhe é perguntado?

 

Juan Pablo – O que estranho é a falta de curiosidade. Se te apresentam a uma pessoa, digamos, da Bulgária, o normal seria que a enchesses de perguntas. Me parece que a curiosidade é a melhor das virtudes.


 

Sul 21 –  Em tudo que vê, lê e ouve, um repórter costuma encontrar uma pauta. Como escritor, você diria que os temas também estão em todos os lugares?

 

Juan Pablo – Os temas são os mesmos de sempre. E, afinal das contas, os temas, na literatura, não são o que importa. O que importa é o estilo.

 

 

 

Sul21 – Sua produção de crônicas e reportagens é intensa.  Como você divide seu tempo entre trabalho, família e amigos? Os amigos já são muitos no Brasil?

Juan PabloAgora mesmo dedico todo o meu tempo a escrever a novela. Deixei de colaborar, de forma “intensa”, com revistas e jornais. Não posso combinar ambas atividades, por motivos criativos e de tempo. Uma novela exige dedicação máxima, de oito a dez horas diárias de escrita. O resto do tempo é para a família.