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A atualidade de Porteira Fechada (1944)  E-mail
Fortuna Crítica - Artigos

 

 

Wanessa Tag Wendt*

 

O ano de 2012 foi marcado pela realização de eleições municipais pelo Brasil a fora. E infelizmente por muitas reportagens divulgando compra de votos em diversas localidades do país. E, novamente, se falou em clientelismo, voto de cabresto, coação, coronelismo, violência, fraude, reformas políticas, econômicas e sociais.

Tais questões levaram Cyro Martins em 1944 a escrever o romance Porteira Fechada, segunda obra da posteriormente denominada “trilogia do gaúcho a pé”. E, em meados de 2010, levou-me a pesquisar e analisar a obra em questão, em busca das práticas políticas retratadas pelo autor. Buscava compreender como Martins retratou o contexto político gaúcho entre o final da República Velha e meados do regime varguista, além de identificar um possível posicionamento político Martiniano frente àquele momento político marcante do país.

Assim, apostei nas propostas dos estudiosos Wolfgang Iser (2002), Luiz Costa Lima (1986), Jacques Leenhardt (2000) e Paul Ricoeur (1994), para quem, sintetizando, a literatura é o meio pelo qual o literato estabelece laços com a sociedade, consistindo em um processo interpretativo do real em que cada leitor reinterpretara a leitura. Para eles, a interpretação da realidade proposta pelos autores de obras literárias visa uma denúncia social produzindo uma literatura em consonância com o contexto sociopolítico da época, marcado por contestações e revoluções como referido acima. Nesse sentido, foi o próprio Martins quem nos disse que um dos seus objetivos com a construção literária era a conscientização do leitor, afirmando que é “através do sentimento transmitido pela literatura, [que] as ideias vão se ‘infiltrando na alma’; na estrutura do caráter do leitor” (DE GRANDI & SILVEIRA, 2008, p. 158). Considerado por Regina Zilberman (1992, p. 83) como o literato mais produtivo no Rio Grande do Sul dentro da chamada Geração de 1930, Martins foi inovador em sua época e em relação aos seus colegas de letras, ao denunciar a realidade miserável da campanha gaúcha, atrasada e agrária, em um período marcado pela modernização e industrialização do país, prerrogativa máxima dos grupos revolucionários que acenderam ao poder com a Revolução de 1930. A ditadura implantada no país por Getúlio Vargas também seria justificada por meio desse projeto modernizador. Contudo, Martins revela em suas obras que poucos aspectos políticos e socioeconômicos sofreram melhorias para o grosso da população brasileira naquele período.  

Por meio da pesquisa, constatei que poderia interpretar a trilogia martiniana como componente do chamado “Romance da Urbanização”, classificação literária proposta por Fernando Gil (1999). De acordo com Gil, a vertente do “romance da urbanização” teria surgido no seio do grupo literário denominado “geração de 1930”, retratando as regiões brasileiras situadas entre o arcaísmo e o modernismo, com personagens marcadas pelo pessimismo, pela falta de iniciativa e de reação perante às adversidades da vida. Como não identificar tais características na breve descrição de Porteira Fechada?: João Guedes e sua família, após serem expulsos da terra que arrendavam, partem para a cidade de Boa Ventura, sem qualificação nenhuma para serem inseridos nessa nova sociedade. Uma vez na cidade, não reagem às dificuldades sucumbindo à fome, às doenças, ao roubo e por fim ao suicídio. O romance, nas palavras de Bernd (2008, p. 143) é amargo e pessimista ao retratar o drama dos homens do campo, alijados da estrutura fundiária e degradados no meio urbano. Posto isso, considerei a “trilogia do gaúcho a pé” uma vertente gaúcha do “romance da urbanização” proposto por Gil, em especial o romance Porteira Fechada.

No decorrer da pesquisa, constatei também que as questões das práticas clientelistas e coronelistas se destacavam na obra. Nesse sentido, tais questões passaram a ser o eixo de análise do trabalho. Demonstrei então que, apesar dos movimentos de contestação políticos e socioeconômicos da década de 1920, que culminaram com a Revolução de 1930 e o Golpe do Estado Novo, essas velhas práticas políticas permaneceram no Brasil, onde o novo e o velho não se excluíram.

A questão política, tão relevante na trama de Porteira Fechada como pude constatar, deve-se destacar, sempre foi um aspecto tratado secundariamente pelos principais estudos acadêmicos acerca da “trilogia do gaúcho a pé”. Tais estudos são – prioritariamente - marcados pela análise das questões sociais levantadas pelo autor, em sua maioria, o destino dos homens do pampa, expulsos do campo e sem meios de sobreviver nas coroas de miséria que circundam as cidades. Ainda que essa seja a principal preocupação do autor, segundo ele próprio declarou em diferentes oportunidades, pode-se afirmar que essa questão não está dissociada das questões políticas acima referidas, que se constituíram no objeto de análise do presente estudo.

Nesse sentido, acredito que podemos também compreender o pensamento político do autor por meio de sua obra literária: a denúncia social deve vir acompanhada da crítica política e, nesse caso, Martins nos parece demonstrar certo pessimismo em relação ao governo e à oposição. Ao narrar casos de clientelismo e coronelismo, que pouco diferem entre a República Velha e o Estado Novo, o autor manifesta seu descontentamento com os grupos políticos, as revoluções e as conspirações, depositando suas esperanças no povo e na sua capacidade de reivindicar.

Longe de esgotar a temática, acredito ter contribuído para aumentar a fortuna crítica de Cyro Martins e a historiografia acerca das práticas políticas clientelistas e coronelistas no Brasil da Era Vargas (1930 – 1945)[2]. As características apresentadas na obra ainda são marcas atuais de um Brasil sincrético, tornando a leitura da trilogia martiniana uma discussão sempre em pauta para a superação de tais questões.

  

 

  



. *Mestranda em História na PUCRS – Bolsista CNPQ.