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O MUNDO EM QUE VIVEMOS, de Cyro Martins  E-mail
Fortuna Crítica - Artigos

Trinta anos de uma presença sempre renovadora

                      

Roberto Bittencourt Martins

 

                       Editado em 1983, O Mundo em que vivemos completa agora seu trigésimo aniversário. Cyro Martins considerava que o livro reunia suas melhores ideias. Composto por cinco ensaios escritos e publicados em épocas diferentes, eles são importantes não apenas para nossa compreensão do mundo em que vivíamos em 1982, quando Cyro decidiu publicá-los num único volume. Mas trazem uma contribuição sempre estimulante para o entendimento deste mundo em que vivemos hoje.

                        Os cinco ensaios tratam de assuntos abrangentes, como a criação artística e a psicanálise; a evolução da explicação do mundo por meio do mito e seu desenvolvimento no rumo da descoberta da verdade científica; o enlace entre educação e profilaxia mental; e a abordagem da existência das guerras sob o ponto de vista do humanismo em geral e especialmente do humanismo psicanalítico. São temas, como vemos, fundamentais na expressão da dimensão humana, e que Cyro vai abordando dentro de seu estilo característico. Seus ensaios geralmente se iniciam de modo casual, com a recordação de um fato ou impressão da vida cotidiana – para depois, numa associação aparentemente “livre” de ideias, seguirem um encadeamento que vai aprofundando com clareza o tema, até encontrar naturalmente a visão do autor.

                        Assim, “A Criação Artística” tem seu começo no convite feito por Cyro a um colega, após um concerto de piano que ambos haviam apreciado muito. O convite é para irem cumprimentar o concertista nos bastidores do teatro. O colega declina dele, dizendo: “Olha, Cyro, o melhor do artista é o que ele dá no palco.” A partir dessa observação do amigo e de sua similaridade com ideia formulada pela psicanalista Phylis Greenacre, somos conduzidos a um mergulho – vertiginoso, mas sempre conciso - nas concepções articuladas pela psicanálise a respeito do fenômeno da arte e da criação artística. Durante o trajeto, vão surgindo trechos de Fernando Pessoa, Ruben Darío, Augusto Meyer, Raul Pompéia, Zola, Camus, Cervantes... Citações de poetas e romancistas caros a Cyro vão ilustrando e indicando as contribuições de Freud, Kris, Klein, Fairbairn, Kubie, Meneghini e muitos outros. Embora reconheça que “resta um longo caminho a percorrer”, Cyro chega a algumas conclusões sobre arte e criatividade, entre as quais, a visão do artista “como órgão social, cuja função precípua consiste em elaborar e transmitir, esteticamente, experiências subjetivas e impressões sensoriais provindas do mundo exterior, mas transfiguradas pela projeção”. Ou seja, dentro da mesma linha já antevista por Zola: “A arte é a natureza vista através de um temperamento.”

                        Da mesma forma, o ensaio “Humanismo psicanalítico e a guerra” se inicia com o relato de um lembrança ao acaso: “Numa manhã nublada, a manhã de 22 de setembro de 1939, eu subia a ladeira da rua principal da minha cidade, a Rua da Praia, com um jornal na mão”... Conta a seguir, como após ler as notícias sobre a guerra que começava, descobre, num canto da segunda página, um telegrama vindo de Londres informando a morte de Sigmund Freud. A partir do impacto causado no ainda jovem psiquiatra, o enlace desses dois fatos – a guerra na Europa e a morte de Freud – irá desencadear, no futuro, toda a série de ideias que pavimentarão os caminhos do ensaio. Por um lado, o criador da psicanálise e seu pensamento inovador; por outro, o fenômeno recorrente da guerra. E, a uni-los num mesmo enredo, a tentativa de compreensão dos significados psicológicos desse processo repetitivo de autodestruição humana. Processo esse que, como aponta Cyro, recebera do sociólogo Bouthol uma definição exemplar: “a guerra é o homicídio organizado que se tornou lícito”. É nesse enquadre que se encaixa, lembrado por Cyro, o episódio do massacre dos inocentes em My Lai, na guerra do Vietnã. E Cyro lembra então as palavras do advogado que defendera seus autores no Tribunal Militar: “são todos bons rapazes americanos treinados para matar, enviados à Indochina para matar, e que acreditaram que sua missão era essa.” Recordando também nossa Guerra de Canudos e Euclides da Cunha, Cyro observa a “automatização a que procuram restringir a mente humana”, cumprindo a meta de “rebaixá-la a um nível regressivo”. Ao nível mais regressivo, poderíamos talvez acrescentar hoje, aquele da “banalidade do mal”.

                        Dentro desse tema, o ensaio avança passo a passo alinhando várias reflexões psicanalíticas sobre a guerra – presentes já no diálogo de Einstein com Freud antes da Segunda Guerra Mundial. Qualquer aura romântica que, em tempos anteriores, era atribuída à guerra é dissolvida. Sem negar os diversos fatores causadores das guerras (econômicos, políticos, etc.), Cyro examina os fatores psicológicos, acentuando neles o posicionamento psicótico – de anticultura, regido pela Pulsão de Morte e pelos “sentimentos negativos que caracterizam a inveja, a rivalidade desleal, os ciúmes etc.” As concepções Kleinianas sobre as fantasias inconscientes são utilizadas para a compreensão desses fatores, assim como são abordadas as ideias de Franco Fornari e Arnaldo Rascovsky. O primeiro, com sua noção de que a guerra representa uma tentativa regressiva de elaboração paranóica do luto - já que, para o nível humano mais primitivo, a morte não é um componente inseparável da vida e, pelo contrário, terá sido sempre causada por uma tribo inimiga. Esta, então, passa a ser responsabilizada por todos os sentimentos hostis dirigidos ao morto pelos seus próprios companheiros. Assim, “a função primária da guerra seria defender-se de um inimigo interno”. E se, para o sociólogo Bouthoul, a guerra seria um modo de eliminar o excesso de varões jovens de um grupo, o psicanalista Rascovsky, acentua nela sua caraterística de concretizar “o mais poderoso instrumento de realização dos impulsos filicidas da humanidade.”

                        O ensaio se volta então para o espírito que pode opor-se a esse sistema destrutivo: o humanismo – “desde a terna visão budista, do civismo confucionista, da riqueza poética greco-latina, do humanismo medieval que entesourou o helenismo e o transmitiu aos humanistas da Renascença”... Cyro se detém no Humanismo e, enquanto o ensaio ganha a tranquilidade de um Adágio, chega àquele que classifica como Humanismo Psicanalítico, resultado da compreensão psicanalítica. É nesse humanismo que deposita sua esperança. E com esse espírito confiante – embora modulado pelo realismo cético de um “talvez” -, dirige seu olhar para o futuro que deseja para o século XXI. Escreve então : “A intuição poética de uns e o saber científico de outros, aliados, poderão, talvez, derivar a agressividade humana de seus rumos destrutivos e lhe proporcionar outro prazer, o de reparar, o de sublimar, o de construir”...

Futuro que Cyro deseja e que, embora difícil de alcançar, também corresponde a nossos desejos. E que se faz presente na leitura dos cincos ensaios que compõem o livro.

                        A importância da orientação educacional na prevenção dos transtornos mentais – abordada em “Orientação Educacional e Profilaxia Mental” – é indiscutível, em nossos tempos de tantos acontecimentos funestos no âmbito escolar. E o ensaio a enfatiza, com o exemplo de episódios significativos e uma visão impregnada de acurado bom senso. Como quando Cyro assinala o “perigo de crescer” vivenciado pela criança e pelo adolescente; ou quando diz: “Creio que uma das funções do orientador educacional será a de ajudar o aluno a desfrutar da escola.” E, no último ensaio, aquele que dá seu titulo ao livro, reafirma-se a idéia do humanismo: { O Humanismo ] “dos nossos dias é um humanismo voltado para o futuro, que aspira a abranger os mais variados ramos do saber, de molde a equilibrar os condicionamentos do meio com as ideias abstratas, e daí partir para uma saída através de fatos e circunstâncias inerentes à nossa cultura”... E mais, num fecho que pode encerrar nosso comentário: “Nós, estudiosos, como agentes do futuro, temos deveres e privilégios.”...”Os deveres se referem ao destino coletivo. O destino não se enfrenta de olhos fechados, submissos à fatalidade da tragédia grega. Cabe-nos, nesta encruzilhada da conjuntura mundial, enfrentar a esfinge com um sistema objetivo de pensamento e ação, para que possamos planejar o futuro previsível.”

   Palavras que valem tanto agora quanto há trinta anos atrás. E, para as quais – como às idéias trazidas pelos cinco ensaios - podemos talvez afirmar, com a concisão da juventude do mundo em que vivemos hoje: “Valeu”.

 

Rio de Janeiro, julho de 2013

 

 

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