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Fronteiras Culturais - DELIA CAZARRÉ ALVEZ ( LITA) *

DELIA CAZARRÉ ALVEZ ( LITA) * 

IDENTIFICAÇÃO  ENTRE PESSOA E POESIA

 

 CArmen Maria Serralta

Carmen Maria Serralta**   

                                                   

               Delia Cazarré de Álvez nasceu em Melo, Uruguai, mas desde menina residiu em Rivera. Seu primeiro amor foi lecionar, professora de vocação, ensinou por muitos anos o idioma espanhol. Na literatura, abordou prosa e poesia.

               Em parceria com Mirtha Garat de Marin - de quem foi amiga e colega no Ensino Secundário em Rivera -, escreveu contos, ensaios e crônicas, e deste feliz encontro foram publicados os trabalhos - Imagen del gaucho e Breve interpretación de un mundo -, além de La mirada del tiempo, que é um ensaio sociocultural sobre a cidade e o departamento de Rivera. É interessante destacar que tanto Lita quanto Mirtha não eram riverenses de nascimento, mas ambas se sentiam riverenses de coração, e esse livro La mirada del tiempo foi uma importante contribuição ao estudo, bem como uma generosa retribuição ao lugar que carinhosamente as recebeu. Para ficarmos com as palavras das autoras: “Este estudo é uma visão, entre assombrada e meditativa, de um lugar que nos magnetizou. E quer contribuir a interpretar e a projetar o encanto deste mundo peculiar e sui-generis”. Nesse trabalho se mesclam, com naturalidade, o subjetivismo da crônica, a emoção da poesia, o rigor do ensaio e a objetividade da pesquisa. Em suma, as autoras conseguiram criar uma nova receita literária cujos ingredientes, bem dosados e temperados cativam, desde o início, o leitor.  

               Por outro lado, Delia Cazarré de Álvez é possuidora de uma intensa vivência lírica. Para quem teve o privilégio de conhecê-la na intimidade, logo chama a atenção a total impossibilidade de separar a pessoa da artista, o dado biográfico da realização poética.

               Existem correntes da crítica literária que pretendem dissociar o autor da obra, subestimando o sentimentalismo pessoal na obra de arte. O poeta francês, Paul Valéry, disse certa vez que, felizmente, o autor não é jamais o homem. Cazarré prova o contrário. Assim, a sensibilidade alerta, a fineza de sentimentos, a inteligência ágil, bem como uma atitude afirmativa diante da vida, e sensível diante de seus mistérios, são atributos comuns à mulher e à poeta.

               Um de seus grandes temas, portanto, é o mundo familiar, o qual lhe inspira altos momentos de poesia, a começar pelo belíssimo poema evocativo do pai construído em majestosos e emocionados alexandrinos, e que é todo ele um achado de imagens eficazes: “fuimos pájaros-niños circundando tu casco” (fomos pássaros-crianças circundando teu casco), “anclas de seda” (âncoras de seda) e “Y las aves plegaran sus alas por tu ausencia” (E as aves dobraram suas asas por tua ausência). Em um poema sobre o nascimento de uma neta, Delia restaura a emoção de qualquer nascimento, integrando sua experiência íntima à de toda grande família humana. Ela faz a ponte, por ser poeta, entre sua vida particular e a do leitor, lembrando o adágio que diz: se alguém me fala, é porque fala de mim.

               No livro Poemas para soñar, dedicado aos netos, a graça, a vivacidade, o bom-gosto e o humor, marcas de sua personalidade, invadem as rimas. Alguém já disse que escrever para crianças não é olhar para trás, mas sim regressar em festa. E esse é o caso de Cazarré.

               Borges, certa vez, falando sobre metáforas contou que, quando jovem, sempre andava à procura de metáforas novas. Logo compreendeu, porém, que aquelas realmente eficazes são as mesmas, isto é, comparar o tempo com um rio, a morte ao sono, a vida ao sonho. Estas são as grandes metáforas na literatura porque correspondem a algo essencial. Delia faz uso dessas metáforas essenciais, daí a força persuasiva de seu verso, natural sem artificialismos.

               “Para se penetrar na alma de um poeta, tem-se de procurar aquelas palavras que aparecem mais amiúde em sua obra. A palavra delata qual é a sua obsessão”, diz outro poeta, Charles Baudelaire. Palavras-chave na poesia de Delia são: “pájaros”, “alas”, “aves”, “vuelo” e “luz” (pássaros, aves, voo e luz) Essas permeiam sua obra e são indicadoras de uma busca permanente de elevação.

               Outro elemento de seu material poético está no jogo alternado de oposições entre luzes e sombras, de claro e escuro, que no volume Octubre Herido é manifesto, embora já presente em Poemas, seu livro anterior: “Cuando estallan las mañanas del mundo nos salpica la carcajada azul del firmamento” (Quando estalam as manhãs do mundo nos salpica a gargalhada azul do firmamento), “Camino por la cárcel sin rejas de la noche, agobiada de sombras” (Caminho pela prisão sem grades da noite, agoniada de sombras). Mas no contínuo ir e vir entre aspectos que poderíamos chamar de diurnos e noturnos, sobressai, parece-me, o lado solar.

               Através da lírica de Delia Cazarré de Álvez, temos a vigência da poesia como integração, vida, retorno, reencontro e espaço luminoso. Poesia que é assim definida por ela: “...un libre impulso vital hacia la belleza” (…um livre impulso vital à beleza).

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* Delia Cazarré de Álvez concedeu ao CELPCYRO o privilégio de participar do projeto Fronteiras Culturais em Livramento e Rivera, junto com suas companheiras do "Club de Lectoras", entre as quais estava a autora deste texto, Carmen Maria Serralta. Depois de lerem e trocarem ideias sobre Campo fora/Campo Afuera, de Cyro Martins, pesquisaram, criaram três contos, ilustração, duas canções, tudo feito e apresentado belamente em forma de livro e DVD: Narraciones y Canciones, no evento Revelações Culturais da Fronteira, registrado em nosso site.

** Carmen Maria Serralta é escritora e tradutora