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Túnis, Susa, Tunísia  E-mail
Coluna CELPCYRO - Colunistas

Flávio Aguiar 

Neste final de março aventurei-me pela primeira vez num país árabe: a Tunísia, para cobrir o Fórum Social Mundial.

Cabe e sabe bem a palavra “aventura”, pois trata-se de mergulhar num outro tempo e num outro espaço. Era Páscoa, mas não havia Páscoa. Não há Páscoa no mundo de Maomé, onde Alá é Alá e aquele o seu profeta.

Testemunhei alguns choques culturais. Por exemplo, uma disputa de tempos e cantares. Fomos a Susa, uma cidade fundada pelos fenícios no século XI A. C. Num dos entardeceres, começamos a ouvir, do balcão do hotel, a cantilena da prece chamada pelo muezim. A cena tinha algo de mágico, algo de Malba Tahan (quem lembra?) e até, por que não, de Paulo Coelho. E mais algo das Mil e Uma Noites, de Karl May, de Casablanca, de beduínas fantasias e guerras tuaregues. Pois no balcão ao lado o diligente casal árabe e seus filhos ouviam uma renitente música bate-estaca, que, com sua batida frenética e monótona, fazia o contraponto à musicalidade algo melancólica da prece. Sinal dos tempos? Pode ser, num tempo de sinais controvertidos.

Desde o tempo dos fenícios, a Tunísia foi um carrefour de vários mundos. Ali se cruzaram fenícios e romanos, gregos e troianos, cristãos e muçulmanos, espanhóis e bérberes, franceses e árabes, numa confusão profusa de línguas, entendimentos e desentendimentos. Resultado: a Tunísia – Túnis, a capital, em particular – é um país de poliglotas. Qualquer chofer de táxi ou comerciante de lojinha fala cinco ou seis línguas fluentemente.

Os comerciantes e o comércio são um caso à parte. Como todas as cidades árabes de algum porte, Susa e Túnis (as que eu e Zinka, minha mulher, visitamos) têm suas Medinas, a parte histórica, antiga, onde estão as principais mesquitas, e o gigantesco pequeno comércio que as animam. As Medinas são um micro e um macro universo de vozes, anúncios, regateios, pratas, ourivesarias finíssimas ao lado de comidas em cores pantagruélicas, um labirinto sem fim onde tudo se negocia sem parar o tempo todo. Fascina e cansa. Eles são muitos e a gente um só; ao fim do dia a gente sente vontade de comprar qualquer coisa a qualquer preço. Mas não: comprar algo pelo primeiro preço pedido é uma ofensa ao vendedor.

Curiosamente, nas Medinas abundam os pequenos centros culturais. Todos preciosamente decorados, alguns desde o século XVIII, ou até de antes. Ao contrário do que parece à primeira vista, o mundo árabe (ou bérbere) é intensamente colorido, através de seus panos, portas, comidas, e extremamente variado em matéria de sabores.

Paira no ar uma preocupação quase obsessiva sobre mostrar que o Islã e seu mundo muçulmano são abertos, tolerantes e democráticos. Por outro lado, o movimento das mulheres é muito vigoroso, a ponto de ter dado a nota no Fórum, e elas temem a instalação de um estado religioso que cerceie seus direitos e expectativas.

Aliás, essa nota das mulheres no Fórum não se deu apenas em relação às suas reivindicações específicas. Numa macrorregião dominada por ditaduras e monarquias obsoletas e truculentas, com países divididos entre si e internamente, a solidariedade internacional vem sendo tecida e entretida pelos movimentos de mulheres, em grande parte.

Nesta primeira aproximação da Tunísia, uma nota final para a maravilha de seus mosaicos romanos e do primeiro cristianismo. Uma nota especial para o Museu Arqueológico de Susa. O Museu do Bardo, em Túnis, antigo palácios de Beys, Reis e Paxás, é monumental e interessantíssimo. Mas o relativamente pequeno Museu de Susa detém mosaicos da mais alta qualidade estética. Depois de destruir a concorrente Cartago (cujas ruínas valem também uma visita), Roma, ao que parece, decidiu recobrir a civilização derrotada com a sua. O resultado foi uma urbanidade florescente e orgulhosa durante 500 anos ou mais, espelhada nesta cultura extraordinária do mosaico que terminou, inclusive, por influenciar a Europa inteira através da posterior expansão do cristianismo que se consolidou, primeiro, neste Norte da África (Santo Agostinho que o diga), depois ocupado pelos seguidores de Maomé.

Por fim, os vinhos tintos da Tunísia são de primeira linha.