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Prelúdio de reza forte em gratidão ao santo que atende por São Longuinho e frequenta concertos E-mail
Escritos Recolhidos

 

Cyana Leahy

 

        Ai, meu São Longuinho, me proteja, que quando fiz aquele pedido não sabia que Sua força era tão forte, que um apelo assim meio imperioso como foi o meu calaria tão fundo em Seu orgulho de santo milagreiro, trazendo esse brinco de homem para perto de mim, quase caindo em meus braços!

Ai, meu São Longuinho, me livre de fazer bobagem, não me deixe abrir a boca e estragar Seu esforço tão bom e sincero dizendo a palavra errada, pensando a idéia ruim, olhando de um jeito estranho e espantando o moço bonito que foi o presente que Sua generosidade me deu, e olha que nem zangada eu estava porque o Senhor não havia me ajudado a achar o brinco perdido!

Mas quando propus trocar o brinco perdido por esse brinco de rapaz, eu não estava brincando, por nada: estava falando muito sério, porque foi só bater o olho nele e ver que era gente boa, que tinha um sorriso casto e meigo sob aquele olhar de moço de família, mas...

Agora estou com medo de ser muito presente, grande demais para meu parco merecimento, e não quero envergonhar meu Santo, não quero passar vergonha, mas continuo querendo aquele moço para mim, para viver comigo, para me fazer cafuné e tocar um sambinha e cantar um bolero ao pé do meu ouvido e me tirar para dançar e me apertar devagarinho e me achar mais bonita que todas as outras e me querer por toda a vida...

Não sei se posso pedir tanto: afinal foi só um brinco perdido, tudo bem, era prata e estava (quase) novo, (quase) nunca usado, e sumiu assim por encanto...

Pedi tanto, rezei tanto, procurei tanto, fiz a promessa dos três pulinhos com três gritinhos, e quando desisti, vi que o Senhor tinha coisa melhor para mim do que enfeite de orelha, tinha aquela belezura me esperando, e na hora parecia uma mágica ter tanta gente ali perto, tanta mulher bonita, e ele olhar só para mim, sorrindo assim tão bonitinho, com dentinhos tão branquinhos...

Ele era todo sorrisos.

Era tudo só para mim.

Eu nem acreditava.

Eu olhava e pensava: ai meu Santo, eu faço a troca, me dá ele no lugar do brinco (ai que medo de depois disso achar o brinco perdido em algum canto da casa), até falei com ele, o moço.

Ele escreveu atrás do seu retrato ‘para Ana com meu carinho, João’, com letra meio garranchosa, mas quem se importa com isso? Ele fazia um sambinha, era tão bom olhar para ele ali, todo mundo babando por ele, e ele parecendo só olhar para mim, só ver meu rosto,

nunca imaginei que Sua força fosse tanta, meu querido São Longuinho,

e logo depois disso resolvi comprar umas roupas e ficar mais bonita, porque eu sabia que voltaria a encontrar aquele moço, aquele brinco de moço que me foi dado pelo Santo, aquele colar de ouro puro, aquele bracelete de prata, aquele anel de diamante, tudo isso ele já era para mim,

e quando me fiz mais bonita encontrei ele de novo e ele falou comigo e escreveu um bilhete para mim dizendo que gostava quando eu estava por perto, e queria me ensinar a fazer um som, e eu disse que sim, vamos marcar o dia,

e enquanto isso fico aqui, tentando perder o medo, me guardando, me acostumando, aprendendo que ele deve ser de outro jeito, e se meu Santo mo deu de presente – apesar da insistência dos meus pedidos – ele deve ser coisa boa, ele vai me fazer feliz, vai me ensinar a fazer o tal sambinha e a dançar boleros de rosto colado, embora ele seja bem alto, mas eu fico nas pontas dos pés, ele desce a cabeça um pouquinho, e assim sendo, meu Santinho, já vou me arrepiando com o cheiro dele em mim, o bafo quente dele nos cabelinhos em minha nuca, a mão grande desse homem que é meu brinco alisando minhas costas,

e vai ser bom e vou ser feliz e é por isso tudo e mais um pouco, meu Santinho São Longuinho, que peço Sua proteção para eu não fazer besteira e me comportar direitinho e deixar ele me conhecer devagarinho e gostar mesmo de mim...

E aqui fico agradecendo, muito mesmo, obrigada meu Santo, só vou levantar porque os joelhos estão doendo, não é falta de respeito, é o chão duro que machuca e, em troca desse favor, prometo que nunca mais compro brinco.

A não ser que ele me dê de presente, um dia, depois, quem sabe.

Que a gente se ame. Nos amemos.

Amém.

 

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Essa reza/canção, que flui no embalo de um perdido-achado nos leva junto com a crente, no arrastão de sua reza/revelação. E assim testemunhamos como o fazer poético se instaura, transformando o corriqueiro, o óbvio, num insólito momento de humor e sensibilidade. Cyana Leahy é poeta generosa, mas não poupa o leitor: compartilha desde o mais epidérmico e delicado toque ao mais profundo e dilacerante sentir. Entre seus muitos escritos, o transcrito acima está em Perplexidades e Similitudes.(MHM)

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