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Regionalismo e Imigração segundo Maria Luiza Armando  E-mail
Fronteiras Culturais - Outras Fronteiras

Carmen Maria Serralta

 

O regionalismo literário e o "mito do gaúcho" no extremo-sul brasileiro - o caso de Simões Lopes Neto é o título da tese de Maria Luiza de Carvalho Armando, desenvolvida a partir da vida e da obra do reconhecido escritor de Pelotas, e defendida na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais Universidade de Paris III - Nova Sorbonne em 1984.

 

O texto a seguir vem a ser um resumo da sinopse escrita pela própria autora, com o título de "Regionalismo e imigração", explicado no subtítulo: "Regionalismo como fenômeno global: relações entre o primeiro regionalismo sul-rio-grandense e a 'reação tradicional' às transformações econômico-sociais da época no Extremo-Sul do Brasil. Proposta de interpretação sócio-ideológica". Esta sinopse se refere à Comunicação apresentada ao Colóquio Internacional de "Literatura, Cultura e Modernidade: América Latina e África", na Universidade de Ijuí, em 1988 (atas inéditas), e pode ser considerada uma introdução à tese de Maria Luiza que, no seu todo, ainda é inédita no Brasil.

 

A autora propõe uma hipótese de interpretação do Primeiro Regionalismo sul-rio-grandense em que ele é considerado em primeiro lugar um fenômeno global, isto é, um fenômeno político, cultural e literário. Em segundo lugar - e este é o núcleo de sua pesquisa - o regionalismo é visto nas suas relações históricas com a imigração europeia do século XIX e início do século XX – com todas as transformações (econômico-sociais, culturais e políticas) que dela decorrem.

Maria Luiza faz sua investigação centrada, sobretudo, no regionalismo literário de Simões Lopes Neto e o inclui num movimento mais amplo que ela chama de "reação tradicional" - resposta dada pelo setor tradicional às transformações trazidas ao Rio Grande do Sul pela imigração europeia.

 

Em sua tese, Maria Luiza dá mais ênfase às relações de classe do que aos aspectos de afirmação de uma identidade regional. Ela vê essas relações como sendo a defesa de necessidades de classe ou grupos sociais e que, na verdade, são necessidades de base econômica e política as quais se manifestam como sendo de origem cultural.

 

O Rio Grande do Sul, como se sabe, foi o lugar de enfrentamento entre os dois colonialismos ibéricos da América do Sul, região de colonização tardia e fronteiras móveis, de importância - por um longo tempo - apenas estratégica perante os olhos lusitanos fixados no Prata. O Rio Grande foi marcado em sua formação por dois fatores fundamentais: a guerra e o pastoreio que ainda no século XVIII continuavam a se desenvolver na região pampiana (a qual faz do atual Estado, em boa parte e, em certos aspectos, um só corpo geográfico e cultural com a mesma região dos países Platinos). Esses dois fatores, somados ao modelo implantado pela Metrópole portuguesa, geraram um determinado tipo de sociedade dependente do latifúndio, oriundo das "sesmarias" e consagrado à pecuária extensiva, que se firmou no século XIX.

 

O Rio Grande de S. Pedro sempre se representou através da zona da Campanha. E o tipo social aí forjado, o famoso gaúcho – o homem equestre, o valente sem lei nem rei, o macho temível e temível guerrilheiro, o filho dos campos abertos hábil no laço e no arremesso das boleadeiras, passou, através de um processo histórico sutil (e a partir de certa altura envolto em brumas), a simbolizar o indivíduo sul-rio-grandense (Armando, 1988).


Nessas brumas históricas, as diversas categorias de uma mesma sociedade se fundiram num mito: o gaúcho. E o mito do gaúcho - se tomado do ponto de vista literário - tem sua origem nos chamados "cantos da monarquia" (primeira manifestação literária de cor autóctone a que se atribui uma origem folclórica) e que serviram – tanto para a literatura regionalista erudita como, logo depois, para a narrativa do peão, ou seja, o "caso" ou "causos". Esse processo de apropriação - pela literatura - dos "cantos..." se dá lá pela segunda metade do século XIX.

 

Desde 1824 chegaram ao Rio Grande do Sul levas de imigrantes alemães, depois outros, sobretudo italianos em 1875. E com eles chega a pequena propriedade familiar e, em vez de pastoreio, a policultura.

 

De início, essas duas sociedades se ignoraram mutuamente: a dos "colonos" (a dos imigrantes) e a tradicional (a pastoril baseada no latifúndio), que naquela época era a detentora do poder econômico. Até 1860, prevaleciam na economia sul-rio-grandense os produtos de exportação oriundos da criação de gado escoados pelo porto de Rio Grande; a cidade de Pelotas era o centro cultural da Província, possuidora de uma aristocracia refinada e cosmopolita. No entanto, aos poucos, a agricultura colonial (produzida pelo imigrante rural) progride e o "burguês imigrante" (que também veio para cá) se instala nas cidades, sobretudo em Porto Alegre - cidade que ganha importância econômica chegando a ser chamada de "cidade dos alemães", tal a predominância dessa etnia no comércio e depois na indústria. Em fins do século XIX, a Capital atinge o máximo de crescimento - um grande número de empresas lá se instala e o desenvolvimento industrial segue progredindo. Enquanto isso, a região tradicional sofre de estagnação e vai, portanto, perdendo sua hegemonia econômica. Conservará a política por mais algumas décadas. Sofre assim o estado uma dicotomia: por um lado, o eixo industrial formado pela capital e por Caxias do Sul; por outro, o formado pelo resto do estado, de economia agrária e pastoril. E quando explode a primeira grande guerra na Europa, os alemães dominam, com seus descendentes, quase todos os ramos do comércio e da indústria sul-rio-grandense.

 

Maria Luiza examinou os jornais de Pelotas - terra natal do escritor -, daquela época, e centrou seus estudos em Simões Lopes Neto. As leituras dos jornais revelaram a existência de uma "questão alemã" que, segundo ela, não pode ser explicada apenas pelo fato de ter havido a 1ª Guerra Mundial. E mais ainda, ela constata a existência de um escrito atribuível a Simões Lopes Neto no qual ele reage, enfaticamente, a uma notícia da imprensa de que um candidato a uma eleição teria se apresentado como representante dos teuto-brasileiros. ("Protestamos!" é de 1914). Nesse artigo, o escritor afirma que no Brasil não havia senão brasileiros, sendo inadmissível a expressão de opiniões etiquetadas segundo a raça e a origem étnica de seus defensores. Antes desse protesto, Simões Lopes Neto se dedicara a atividades de vários tipos sempre visando à manutenção da memória regional. Também fizera uma coleta de textos folclóricos e já havia escrito as obras: "Lendas do Sul" e "Contos Gauchescos".

 

Com o chamado "Primeiro Regionalismo Literário", Maria Luiza aponta para a contemporaneidade destes fatos históricos: a questão alemã, a força econômica oriunda da imigração, etc. E ressalta também o "notável impulso dessa vertente literária" (de fato, única representante da Literatura escrita na época) o qual coincide com a perda do poder econômico e político da região tradicional da Campanha.

 

Parece-me interessantíssimo o fato de que Maria Luiza não esperava chegar à "questão do imigrante" quando iniciou o estudo sobre o grande escritor Simões Lopes Neto. E foram dados colhidos através de análise textual que acabaram por lhe impor a pista a ser seguida. Curiosamente, tais dados não foram encontrados na obra "Contos Gauchescos" na qual o escritor, segundo ela, endossa o mito tradicional, embora o faça de forma absolutamente original aos demais regionalistas. Ao contrário, foram encontrados nos "Casos do Romualdo" em que Simões Lopes Neto, sempre na interpretação da pesquisadora, contesta o mito tradicional e, ainda mais, parodia a sua própria criação anterior.

 

A autora conclui que, no caso da Literatura, não é aceitável a interpretação do Regionalismo como sendo um resíduo do Romantismo. Já a interpretação desse Regionalismo como forma de afirmação do regional diante do nacional é mais pertinente, mas ainda insuficiente porque ignora a vinculação entre grupos e classes sociais diferentes: o imigrante (rural ou urbano), mais do que etnicamente diferente, era socialmente diferente e representava a pequena propriedade e o pequeno proprietário com possibilidade de ascensão social. E a sociedade que formou era radicalmente diferente da sociedade latifundiária tradicional. Maria Luiza adverte que, na época de Simões Lopes Neto, esse fenômeno não podia ser percebido em toda a sua extensão, mas já se achava presente de forma incipiente.

 

Por outro lado, o que cada vez mais representava uma forte presença social no cenário sul-rio-grandense era o chamado "burguês imigrante", isto é, o grande comerciante ou o industrial: esse não só competia com os representantes dos antigos detentores do poder autóctone - os representantes da região da Campanha - como os impedia de ingressar ao novo campo da economia: a indústria. Dessa forma, as atividades tradicionais que constituíam uma aristocracia campeira foram sendo suplantadas por uma nova classe: a burguesa.

 

Maria Luiza, ao reconhecer que sua tese "não se pretende exclusiva", menciona a grande escritora de língua francesa Marguerite Yourcenar quando diz: "Há várias sabedorias" e "todas são necessárias ao mundo".

 

Setembro de 2010