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“A perda do processo criativo - prazer e sofrimento” | Imprimir |  E-mail

*Érico de Moura Silveira Jr.

 

Escrever sobre processo criativo é um assunto que há muito tempo me atrai, mas ainda não tinha tido a coragem (mais que a oportunidade) de iniciar. Escrever uma resenha sobre um texto do emérito escritor e colega, Dr. Cyro Martins,  é uma honra, pois tenho laços afetivos intensos com Quaraí, sua querência natal. Desde muito antes de eu pensar em ser psiquiatra já sabia quem ele era e de onde vinha. Acabo de perceber a sua influência na minha escolha em ser psicoterapeuta e por estar me aventurando em rabiscar algumas linhas. Então, colocar no papel minhas ideias sobre um texto do Dr. Cyro Martins intitulado “A perda do processo criativo - prazer e sofrimento” é um desafio estimulante e assustador.

Confesso que logo após ler o material titubeei devido à riqueza e profundidade das ideias do autor. Num segundo momento, pensei que não teria criatividade suficiente para esta missão. E, após alguma reflexão, dei-me conta de que era uma oportunidade excelente de ser criativo. Pensei, portanto, em usar a minha própria experiência interna a partir da relação com o presente texto como argumento para complementar e questionar o brilhante trabalho do Dr. Cyro. Em seguida, tentarei esclarecer porque minha própria experiência serve de argumento para o que escrevo.

O autor já nos apresenta um texto instigante desde o título, pois tráz um paradoxo diante da perda: prazer e sofrimento. Sofrimento facilmente se entende. Mas e prazer? Cyro Martins, ao contrário do tópico abordado no seu texto, que pertence ao livro Caminhos, ensaios psicanalíticos, expressa criatividade. O autor é surpreendente ao discutir o prazer envolvido na perda, e na perda do processo criativo. Ele refere-se ao prazer sádico em ser auto-destrutivo (consigo e com os objetos internos). Complementa, sob a minha interpretação, afirmando que é o prazer de um indivíduo incapaz de se sentir maduro o suficiente para uma transa satisfatória/adulta, em que para ser criativa envolve a capacidade de ambas as partes em lidar com o que dá para ter/não ter.

Dentro dessa ideia, o autor chega a dar uma pincelada sobre a perspectiva do entendimento relacional da díade paciente-terapeuta. Mas não vai adiante. Ele se aprofunda de forma brilhante dentro do referencial psicanalítico individualista. Cyro expõe suas ideias de modo coerente. O texto flui com fácil leitura pela clareza dos argumentos e das ideias. O texto, que foi apresentado em um Simpósio, é bastante didático. Por conseguinte, sugiro, para quem ficar curioso, que vá direto à fonte.

Por outro lado, percebe-se a ausência da visão psiquiátrica e dos modelos psicanalíticos atuais de compreensão da mente, que contemplam a interação da dupla. Em relação à minha primeira observação, ele basicamente argumenta que a perda da criatividade é uma regressão. Pensando no referencial psiquiátrico, poderíamos chamar de depressão. Indo adiante, penso: qual a contribuição das neurociências para a teoria da mente à luz do conhecimento atual? Obviamente, não tenho essa resposta. Porém, o texto do nosso querido Dr. Cyro lança luz acerca de um processo muito relevante que compõe uma possível compreensão da mente. Ele usa conceitos existentes para entender uma problemática de seu interesse e do seu tempo.

E podemos seguir fazendo isso, usando as descobertas do nosso tempo para tentar responder aos problemas atuais, considerando que nossas ideias/soluções provisórias são frutos do conhecimento prévio acumulado (per se criação conjunta). Assim, argumento que o que é criado em conjunto dentro do setting terapêutico e apenas pelo conjunto é chamado de intersubjetividade, de campo analítico ou terceiro analítico. Vale a ressalva: não são conceitos sinônimos. São conceitos concorrentes, que ao meu ver apresentam um cerne comum entre si: o encontro criativo (produto da interação entre terapeuta e paciente). Penso ainda que a perspectiva individual de como ocorre a criatividade dentro da mente descrita pelo autor

... necessidade de unir o separado, de reparar o destruído, principalmente objetos internos conspurcados, em suma, recompor o ego danificado pela auto-agressão e a culpa persecutória.  (p. 30)

também vale, como uma metáfora de como uma dupla deve interagir, para que o processo criativo de um tratamento psicoterápico tenha sucesso. É mister que a dupla, tanto terapeuta quanto paciente, entenda que, apesar dos desgostos e das diferenças existentes entre os dois, há partes em comum e o desejo comum de construir algo novo/criativo, mas construir o que é possível. Se essa elaboração, consciente ou não, não for atingida, creio que a dupla está fadada ao “fracasso criativo”.

            Faço esse friso devido à costumeiramente, e não é diferente no texto do Dr. Cyro, encontrarmos mais descrições do ponto de vista do paciente. Como somos todos pacientes, nós terapeutas precisamos aceitar os nossos pacientes como eles são, com as capacidades que têm e principalmente com suas limitações, para que seja possível ajudá-los a crescerem/serem criativos na vida. Dessa forma, crescemos todos! Para mim, essa é a maior gratificação e prazer do meu trabalho. Criei a oportunidade de trabalhar/conhecer/relacionar-me com pessoas para estabelecer um processo criativo no qual saímos todos ganhando. Isso é muito rico.

Por fim, concordo com Dr. Cyro, quando ele afirma, em outras palavras, que um autor  produz sua obra para ser generoso, como uma mãe amorosa que fornece abundantemente leite/material de pensar/crescer. Eu acrescento a ideia de que a produção de um autor poder ser uma forma de viver e ser admirado/totem (falo imortal). Também concordo com Dr. Cyro quando ele afirma que um autor interage com a arte mostrando que é semelhante ao que se faz com os filhos, com os pacientes. Temos de nos envolver em uma atividade (artística/profissional/pessoal) por nisso haver significados (pessoais). Penso que a importância que textos científicos ou literários exercem é a de serem um continente para nossas projeções, identificações e consequente desenvolvimento. Ao me permitir navegar pelo universo que me é apresentado pelo Dr. Cyro Martins, estou viajando com ele. E, a partir de agora, algo dele está dentro de mim. E para sempre.

 

*Médico Psiquiatra formado pela UFRGS em 2002, Especialista em Psiquiatria pela Associação Brasileira de Psiquiatria em 2005, e Mestre em Psiquiatria pela UFRGS em 2010. Especialista em  Psicoterapia de Orientação Analítica (CELG/UFRGS) e colaborador do Núcleo de Estudos e Tratamento do Trauma Psíquico do Hospital de Clínicas de Porto Alegre(HCPA).  É membro do Conselho Editorial da Casa Editorial Luminara, tendo participado, como ensaísta, no setor de Humanidades Médicas, do livro Kate Chopin: contos traduzidos e comentados-Estudos Literários e Humanidades Médicas, publicado pela Casa Editorial Luminara em 2011. Colaborou com a editora, também, através do ensaio sobre o livro Memórias de um Corpo Eviscerado, de Elizabeth Brose, publicado no setor de Humanismo Médico do CELPCYRO e no Jornal do CELG, em 2012.