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Humanidades em Saúde: aplicações na Graduação em Enfermagem  E-mail
Revista Eletrônica CELPCYRO-Vol 2 - ISSN 2177-6598 - Artigos

                                                                Liciane Costa *

 Com a aprendizagem e as vivências assistenciais adquirimos, paulatinamente, um sentido muito especial de responsabilidade profissional em relação aos pacientes. É o propósito terapêutico. Era esse propósito terapêutico que caracterizava a antigo médico de família, que existiu em todo o mundo e que ficou "enquadrado na moldura da história" da medicina. Não se trata de sentimentalismo aplicado ao exercício da medicina ou de uma piedade profissional assumida, com uma postura formal. A grande função de ordem psicológica dos hospitais de ensino consiste em proporcionar um ambiente específico para a estruturação da identidade médica, que resulta da preocupação com a verdade clínica mesclada com o interesse científico. Nesta época de superespecializações, esse ideal de formação médica é freqüentemente desprezado, pelos mestres e pelos alunos, como norma ultrapassada. Não obstante, é essa posição de ensino e aprendizagem que garante à medicina o seu lugar nas ciências humanísticas.1

...E os enredos viram poesias: Humanidades em Saúde, na perspectiva do ensino de Saúde Mental na formação do Enfermeiro. Pois foi lendo o ensaio “Relação Médico-Paciente”, e principalmente o trecho acima, que comecei a presente reflexão sobre o ensino de tópicos e disciplinas humanísticas na formação em Enfermagem. A bem da verdade, percebo esse escrito do Dr. Cyro Martins como ponto de partida para minha apresentação, pois traz à tona, dentre tantos pontos, a relevância de valorizar-se a subjetividade na formação do profissional de Saúde. É a respeito da estruturação dessa subjetividade, durante a graduação do Enfermeiro, que desejo discutir.

Assim, inicio este texto expondo os desafios e possibilidades de novas  construções pedagógicas nessa formação. Muito se discute sobre as  reformulações dos Currículos de Graduação em Saúde, e da inclusão de disciplinas que possibilitem a formação de um profissional reflexivo, crítico e em conexão com a realidade sócio-cultural daqueles que recebem seus cuidados.

A princípio, o processo de ensino-aprendizagem em Enfermagem poderia ser compreendido como uma fórmula simples: cuidado humano, técnicas e procedimentos, gerenciamento de equipes. Junte-se a esses elementos centenas de horas de ensino em campos de prática alicerçados em materiais teórico-expositivos (apresentados aos alunos tanto em sala de aula quanto em  laboratórios). O resultado será (ou seria) um profissional qualificado na arte do Cuidado, de formação generalista em saúde e que contemple os requisitos acadêmicos para o título de Bacharel em Enfermagem.

Essa fórmula, apesar de essencial no cotidiano de formação do Enfermeiro, muitas vezes não garante alguns elementos primordiais para sua completa excelência: o exercício da subjetividade aliada à realidade biopsicossocial de seu paciente. Apesar de parecer algo simples – e talvez um tanto óbvio, a excelência científica e técnica ainda exerce supremacia no cotidiano do Cuidado. Permitir-se envolver com os sentimentos daqueles que cuidamos - e refletir a partir desses a nossa própria condição humana - por vezes gera a sensação de não estarmos exercendo os princípios científicos em sua totalidade.

O desafio, assim, pauta-se em promover a integração de elementos das Ciências Humanas, tais como a Literatura, a Filosofia e as Artes no cotidiano de formação do Enfermeiro. Para tanto, utilizo a denominação “Humanidades em Saúde”, termo este que uso informalmente neste texto, inspirado na área de reflexão e pensamento cunhado como “Humanidades Médicas”. Segundo Tapajós (2002), as Humanidades são disciplinas que auxiliam no processo de percepção de diferentes comportamentos e potencialidades humanas, possibilitando a sensibilidade e a compreensão do paciente. As Humanidades Médicas, para Portugal-Alvarez, 1991, são disciplinas que são aplicadas às questões das práxis médicas, compostas pelas Artes, Bioética. Religião, Língua e demais elementos. Nessa perspectiva, as Artes podem ser ferramentas úteis para que os alunos possam alcançar um entendimento sobre a condição humana, sem vivenciá-las diretamente (Bruderle, 1994).

As experiências e reflexões contidas neste artigo são oriundas do meu processo enquanto docente das Disciplinas de Saúde Mental e de Pesquisa em Saúde, no Curso de Enfermagem do Centro Universitário Metodista, do IPA, RS. A inspiração inicial partiu da leitura de alguns ensaios psicanalíticos contidos no livro Caminhos, de autoria de Cyro Martins. Um ensaio em especial A Relação Médico-Paciente, alimentou as possibilidades de interlocução entre a subjetividade e as relações literárias, tão presentes na vida e obra desse escritor.

Assim, partindo-se dessa relação formativa em saúde, o Curso de Enfermagem do Centro Universitário Metodista, do IPA, objetiva ativar mudanças no perfil do profissional a ser formado, adequando seu currículo e suas práticas pedagógicas para que estas estejam embasadas pelos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde – SUS.

     Busca-se, assim, um envolvimento crescente de docentes nas reflexões, lutas e propostas de mudanças na formação dos futuros profissionais enfermeiros, com a melhoria da qualidade do ensino e da prestação de serviços de saúde à população formando um profissional com pensamento de natureza biopsicossocial e intersetorial, com intervenções em Enfermagem capazes de levar em consideração essas pluralidades.

Desta forma, e entendendo esses processos curriculares como pilares essenciais para o exercício da Integralidade e das Humanidades na formação acadêmica, implementamos na Disciplina de Saúde Mental II, ofertada no 7o semestre do Curso, um “Ciclo Cinematográfico em Saúde Mental” e a proposta da “Roda Literária”. Nessas duas proposições, os alunos são instigados a promover a reflexão teórica dos conteúdos abordados em sala de aula, alicerçados nos enredos dos filmes e dos livros e, também, em suas próprias vivências e valores. Segundo a Ementa dessa Disciplina, objetiva-se, além das principais identificações dos Transtornos Psiquiátricos, estudar os elementos que envolvam a organização da atenção e a reorientação dos modelos assistenciais em saúde mental, abordando diferentes concepções da loucura e a sua historicidade da Reforma Psiquiátrica e das políticas públicas de Saúde Mental.

 Os filmes selecionados para o Ciclo foram Menos que Nada (Direção de Carlos Gerbase, 2012), O enigma de Kaspar Hauser (Direção de Werner Herzog, 1974) e o documentário Estamira (Direção de Marcos Prado, 2006). O texto escolhido para a Roda Literária foi Cemitério dos Vivos, de Lima Barreto.

Em todas as atividades, houve a preocupação em exercitar a crítica e a reflexão acerca das relações entre o profissional de saúde e o paciente. Em cada filme e nas leituras dos textos foram analisados os processos construtores de sujeitos sociais, desencadeadores de transformações nos modos de pensar, sentir e realizar a assistência no cotidiano das estruturas de mediação da sociedade. Cada personagem foi analisado subjetivamente, a partir dos pressupostos de que qualquer um dos componentes daquele grupo poderia conhecer ou passar por situações semelhantes àquelas apresentadas nos enredos. Essa interação sócio-afetiva provoca e convida o profissional de saúde a ser protagonista desse cuidado.

 A temática comum a todas as obras era o contexto do transtorno mental e suas possibilidades terapêuticas e/ou sociais, aliada ao paradigma da exclusão do diferente e da loucura. Assim, entender como se dá o processo terapêutico aliado ao contexto cultural de cada enredo possibilita um olhar diferenciado e singular para essas histórias de vida, elemento essencial do Cuidado Humanizado.

Ao final de cada ciclo, os alunos foram convidados a relatar suas impressões e perspectivas relacionadas às relações da saúde propostas em cada história. A grande surpresa, para mim, consistiu nas verdadeiras poesias compostas sobre a compreensão do fenômeno humano. Naquele momento, não eram as medicações ou as patologias que estavam em foco: as histórias de vida dos personagens mesclavam-se às próprias histórias do grupo de alunos. Cada dilema individual passava a ser, também, coletivo. A percepção do Cuidado ao outro era, agora, incorporada ao cuidado de si, às reflexões de escolhas de vida e das possibilidades de entender-se enquanto protagonista social.

Ao analisar cada história de vida e cada possibilidade de relação de cuidado, mergulhamos em uma perspectiva de Saúde Mental Coletiva, que a partir de sua amplitude, problematiza assistência, atenção em saúde, formação de profissionais e o controle social, no sentido de dar novo sentido às práticas instituídas no campo da saúde mental, como relatam Ceccim e Feuerwerker, 2004.

Concluo entendendo que esse não é um processo singular. Há espaço para as Humanidades nos diversos modelos formativos em saúde, nas diferentes graduações e em plurais perspectivas pedagógicas. A arte, a literatura e os demais dispositivos que podem ser utilizados no cotidiano da docência revelam-se como disparadores de construção de subjetividades.

Cabe a todos nós – docentes e profissionais de saúde – protagonizarmos esses enredos, transportando a arte para as dinâmicas de vida e transformando esses elementos, tão academicamente ricos, em processos criativos e humanos de Cuidado – nosso e do Outro.

Referências bibliográficas

Bruderle, E.R. The arts and humanities: a creative approach to developing nurse leaders. Holist. Nurs. Pract., v.9, n.1, p.68-74, 1994

Ceccim RB, Feuerwerker LCM. O quadrilátero da formação para a área da saúde: ensino, gestão, atenção e controle social. Physis 2004; 14(1):41-65

Portugal-Alvares, J. La enseñanza del Humanismo Médico. Anal. Med. Interna, v.8, n.11, p.569-70, 1991.

Tapajós, Ricardo. A introdução das Artes nos Currículos Médicos. Revista

Interface – comunicação, saúde, educação . Fundação UNI Botucatu/UNESP,

v. 6, nº 10. Botucatu, SP: Fundação UNI, 2002.

Martins, Cyro – A Relação Médico-Paciente. Caminhos. Porto Alegre. Movimento.1993.

*Liciane da Silva Costa

 Graduada em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Escola de Enfermagem (2005).  Especialização  em Educação em Saúde Mental Coletiva pela Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2010). Mestrado em Ciências Médicas – Psiquiatria pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2010). Professora do Centro Universitário Metodista IPA e Preceptora de Enfermagem da Residência Integrada em Saúde Mental Coletiva da Faculdade de Educação da UFRGS. Áreas de atuação: Ensino  e assistência nas áreas de Enfermagem em Saúde Mental, pesquisa em saúde,  ética em pesquisa.