Mercosul Cultural e Fronteiras - Ligia Chiappini | | Imprimir | |
Fronteiras Culturais - Atividades |
Este texto é resumo da palestra do mesmo nome, feita em agosto de 2011, no Instituto Goethe de São Paulo e no Instituto Goethe de Porto Alegre, por ocasião do Simpósio Internacional Brasil e Alemanha Pesquisam Mercosul e Cultura. Nesse evento foi apresentado o ppoint Mercosul Cultural e Fronteiras, bastante ilustrativo da viagem de pesquisa por países do Mercosul, bem como foi lançado o livro intitulado Fronteiras da Integração: Dimensões Culturais do Mercosul/Fronteras de la Integración: las Dimensiónes Culturales del Mercosur Porto Alegre, Território das Artes,2011. Esse livro traduz e amplia os estudos publicados em alemão, em 2007, no livro intitulado Mercosul/Mercosur: Dynamik der Grenzen und kulturelle Integration. Mettingen: Brasilienkunde Verlag.
Ligia Chiappini é Prof. Dra. na Universidade Livre de Berlim O tema O Instituto Latinoamericano da Universidade Livre de Berlim (Lateinamerika-Institut- LAI/ Freie Universität Berlin) faz tradicionalmente excursões de estudantes de várias áreas das Ciências Humanas (incluindo aí a economia) para a América Latina, com um tema central e sub-temas desenvolvidos pelos participantes.[2] Em 2005, a área de Brasilianistik (Literatura e cultural brasileiras)[3] propôs e organizou uma dessas viagens de pesquisa para as fronteiras do Brasil com os países então membros plenos do Mercosul, Uruguai, Paraguai e Argentina, adentrando-se pela zona das missões jesuíticas e avançando até Asunción no Paraguai e Foz do Iguaçu no Paraná, como mostra o mapa do percurso, no ppoint Mercosul Cultural e Fronteiras ilustrativo da viagem. [4] O tema geral era “Mercosul/Mercosur: dimensões culturais, políticas e econômicas de um projeto de integração a partir das fronteiras“.[5] Os subtemas, escolhidos individualmente pelos estudantes cobriam questões mais diretamente políticas, como a polêmica do Mercosul versus Alca, muito viva na época, até questões lingüísticas, educacionais, futebolísticas, literárias, cinematográficas e teatrais. Por que Mercosul? Por que Mercosul cultural? Por que fronteiras? É o que tentaremos responder nos próximos itens deste texto. Mas já podemos adiantar que um dos motivos que nos levaram a decidir por essa constelação temática foi ter constatado que os estudos sobre fronteiras eram (e ainda são) predominantes no que se refere às fronteiras do México com Estados Unidos, que constituíram no passado e constituem ainda hoje, por um lado, zonas muito dinâmicas de encontro e desencontro de pessoas, nacionalidades e culturas, por outro lado, zonas de intensos conflitos e grandes riscos para os que se aventuram a atravessar suas barreiras físicas e simbólicas. Já as menos estudadas fronteiras do sul da América do Sul, ao contrário, embora tenham sido igualmente muito conflituosas no passado, são hoje muito mais zonas de convívio pacífico, com algumas exceções, geralmente temporárias, como no caso recente do conflito entre os sem Terra do Paraguai e os fazendeiros brasileiros instalados nesse País. [6] O processo de integração no/do Mercosul: „No momento atual, o Mercosul reúne mais razões de otimismo que os demais blocos. A União Europeia, sob crise aguda, vive um de seus piores momentos. O Nafta acentuou os problemas da economia mexicana (o comércio que mais cresce com seu vizinho, do outro lado do Rio Grande, é o de drogas), e os Estados Unidos patinam para superar a recessão.” [7]
O grupo tinha partiu de algumas questões comuns e cada um foi investigando-as juntamente com outras, específicas, referentes mais diretamente aos diversos sub-projetos.[8] As perguntas comuns ao grupo de pesquisadores-excursionistas eram e continuaram sendo ao longo de um processo de trabalho que durou de 2005 a 2011: Qual o papel atribuído ao Mercosul no processo de integração da América Latina? Quais os momentos desse processo, no caso dos países pertencentes ao bloco até aquele momento e quais os resultados possíveis de serem observados, segundo os“merco-otimistas“? Quais as dificuldades e recuos do processo, segundo os “mercocéticos”? Especificamente quanto ao MERCOSUL cultural, pergunta(va)-se: Existe um Mercosul Cultural? Se existe, como se relaciona com o econômico e o político? Quais os efeitos do mercosul (econômicos, políticos e culturais) nas regiões de fronteira? Até que ponto o intercâmbio cultural, praticado desde muito tempo antes da existência do Mercosul nas regiões fronteiriças pode servir de exemplo ou modelo para outros lugares da região? É possível falar de uma identidade fronteiriça e, para além dela, em uma identidade mercosulina? Segundo fontes várias, pode-se afirmar que, desde o início, o Mercosul defende alguns valores comuns. Primordial seria a democracia. Reagindo às ditaduras da América do Sul, a democracia foi desde o início considerada condição indispensável para a existência e desenvolvimento do Mercosul. Mas, como parte dela, defende-se também as liberdades fundamentais, os direitos humanos, a proteção ao meio ambiente, o desenvolvimento sustentável, a segurança jurídica, o combate à pobreza, o desenvolvimento social com equidade. Outro ponto importante e de primeira hora, que agora volta a desafiar o bloco, é a solidariedade à Argentina no caso das Ilhas Malvinas. Poderíamos também falar de uma “integração perversa”, lembrando, por exemplo, as ditaduras, quase simultâneas, a operação condor, a integração do tráfico de drogas. Entretanto, também se pode identificar uma integração solidária, operada pelas redes de trabalhadores de diversas categorias profissionais, como as que são divulgadas pela central sindical da América Latina em seus boletins, nos quais aparecem, entre outras coisas, as reuniões da sociedade organizada, que se realizam paralelamente às reuniões oficiais da cúpula do Mercosul e encaminham a estas as suas reivindicações. Algumas datas do MERCOSUL: Os antecedentes do Mercado Comum do Sul estão nos tratados de Montevideo, de 1960 (ALALC) e de 1980 (ALADI), substituídos em 26 de março de 1991 pelo Tratado de Asunción que o criou o oficializou.[9] Em dezembro de 1994, foi instituída a União Aduaneira, pelo Protocolo de Ouro Preto, pondo fim ao período de transição e adotando instrumentos de política comercial comum. Esse Instrumento prevê o aproveitamento da especialização produtiva e a complementação comercial dos países membros, bem como um maior poder de negociação do bloco com outros blocos e países. Mas tem, sobretudo, um caráter político, para fortalecer vínculos em prol de maior estabilidade da região, contra a fragmentação e eventuais conflitos. Vários políticos, entre eles, Lula da Silva, sublinharam a importância desse Protocolo e do Mercosul para a manutenção da Paz, já que a trama cada vez mais estreita das relações de pessoas e instituições obrigaria a conversa para enfrentar questões de interesse comum. O MERCOSUL ganharia assim um alcance que iria muito além da economia. Em 25 de junho de 1996, ocorre a X reunião do conselho do MERCOSUL e assina-se uma declaração presidencial sobre o compromisso democrático na região. Na mesma ocasião, Bolívia e Chile aderem oficialmente a essa declaração. A Decisão n. 18/04, que promove a associação do MERCOSUL com a ALADI, estabelece que os países interessados em associar-se ao bloco teriam que aderir ao protocolo de Ushuaia e ao compromisso do MERCOSUL com a democracia. Os países associados participam como convidados nas reuniões do MERCOSUL, para tratar interesses comuns. Hoje Colômbia também é associada, assim como Peru e Equador (decisão n. 28/04). Mas já o tratado de Asunción, em seu artigo 20, previa outras adesões dos países de ALADI. Quanto ao MERCOSUL Cultural, ele foi posterior, tendo sido criado oficialmente só no final de 1996, em Fortaleza. Dois anos depois, em julho de 1998, o protocolo de Ushuaia consagra o compromisso com a democracia e declara o MERCOSUL como zona de paz, propondo o fortalecimento dos mecanismos de consulta e a cooperação dos países do bloco na proposta de políticas e resolução de problemas nas áreas de segurança e defesa, incluindo o desarmamento nuclear e a não proliferação de armas atômicas. Em 28 de maio de 2005 regulamentam-se as condições para adesão de novos membros ao MERCOSUL e é aprovada a entrada da Venezuela no bloco, constando isso no protocolo daí resultante. A entrada da Venezuela no MERCOSUL foi aprovada em todos os parlamentos menos no Paraguai. Os mais otimistas creem que é uma questão de tempo e que mais dia menos dia isso será aprovado. Por outro lado, as resoluções MC Nº 45/04 e 18/05 criam o FOCEM, fundo destinado a financiar projetos para beneficiar as economias mais frágeis do bloco, ajudando a reduzir as assimetrias. O fundo se faz por meio de contribuicões proporcionais não reembolsáveis. Do ponto de vista institucional, esse e outros desenvolvimentos mais ou menos recentes parecem muito importantes, tais como a criação de um órgão de solução de controvérsias e a criação do Parlamento do MERCOSUL, também em 2005, no mês de dezembro. Entre outras coisas, o Parlamento deverá contribuir para a integração cultural dos países membros. Em 2011 o Mercosul completou 20 anos e mereceu alguns balanços positivos e outros, negativos. Do lado positivo, podemos citar a avaliação de Maria Claudia Drummond: A autora nos fala ainda de um novo patamar institucional, com vistas ao fortalecimento da capacidade de produção de propostas de políticas regionais, de desenvolvimento social e da cidadania regional, destacando o “Relançamento do MERCOSUL” (2000), o fortalecimento institucional do bloco (2001), a criação do Parlamento do MERCOSUL (longo processo, de 2004 a 2006), o tratamento das assimetrias entre os países, para além da visão meramente nacional, a. Institucionalização para conseguir isso, por meio de mecanismos importantes como o FOCEM e, por fim, o Parlamento do MERCOSUL, canal considerado mais direto para a participação da sociedade civil nas decisões do bloco, embora o parlamento não seja um órgão deliberativo, pelo menos por enquanto. Uma das forcas do parlamento é, para ela, sua independência em relação ao governo de cada país. [10] A mesma autora considera também que o mais importante seria o mecanismo de consulta parlamentar, pelo qual o Parlamento teria competência para emitir parecer sobre projetos do MERCOSUL que precisam de aprovação legislativa em cada país, tornando-os prioritários nas votações, o que agilizaria o processo e tornaria “mais rápida a incorporação das normas do MERCOSUL ao ordenamento jurídico interno dos Estados Partes”.[11] A expectativa esperançosa é de que a consulta parlamentar permitiria e motivaria “o diálogo permanente não só entre os órgãos decisórios do bloco e o Parlamento regional, como também entre este e os próprios congressos nacionais dos Estados Partes”[12]. A imprensa teria aí um papel fundamental para divulgar as decisões tomadas no Parlasul. O segundo exemplo de balanço positivo é do Dr. Rosinha, do PT, que se opõe à opinião dos que ele apelidou “mercocéticos”. Estes ignorariam a inegável expansão do MERCOSUL. Diz ele: “Hoje, quase todos os países da América do Sul participam na área de livre comércio do MERCOSUL; as únicas exceções são Suriname e Guiana. E a Venezuela só não conseguiu ainda a sua adesão como membro pleno devido a resistências políticas que passam ao largo dos interesses de longo prazo dos países da região. Graças a essa grande expansão, a Associação Latino-americana de Integração (Aladi), que inclui o MERCOSUL, já absorve cerca de 45% das exportações brasileiras de manufaturados, contrabalançando a concentração de exportações de commodities que se observa em nossos fluxos comerciais com a Ásia e a União Europeia. Vale observar que, das exportações brasileiras para o MERCOSUL, 92% são bens industrializados.. Se o bloco fosse um “fardo”, as exportações brasileiras não teriam crescido 55 pontos percentuais acima da média mundial nos últimos 8 anos. Quanto ao MERCOSUL como um todo, as exportações extrazona, isto é, para terceiros Estados, aumentaram em 200% entre 2002 e 2008, bem acima do crescimento do comércio mundial, que foi de 147%. No mesmo período, as exportações intrazona aumentaram espantosos 300%. Os investimentos diretos subiram de cerca de US$ 15 bilhões, em 2003, para US$ 57 bilhões, em 2008. ”[13] E a conclusão é ainda mais enfática: “Certa vez, Jean Monnet, artífice da União Europeia, foi questionado se não era demasiadamente otimista em relação à integração da Europa. “Eu não sou otimista, eu sou determinado”, respondeu Monnet. Sejamos determinados: o MERCOSUL é um caminho sem volta.”[14] Já Antonio Lassence, no mesmo texto citado na epígrafe, destaca, apoiando-se em Kupchan, algumas lições básicas do MERCOSUL. A primeira delas seria que “o mundo hobbesiano da competição interestatal, (...) pode até ser um ponto de partida para a análise das relações internacionais, mas não precisa ser necessariamente seu ponto de chegada. A competição pode ser superada por arranjos sustentáveis cooperativos, em que antigos inimigos passam a se tratar como atores confiáveis.”[15] A segunda lição seria a de que o liberalismo é incapaz de produzir uma tal estrutura espontaneamente, comprovando-se a necessidade de projetos nacionais que a induzam e a importância da iniciativa dos atores de mais peso econômico, que deveriam estar dispostos a fazer concessões aos mais fracos. Na mesma linha, sustenta ser a diplomacia que impulsiona a economia, e não o contrário. Ela construiria o ambiente necessário ao funcionamento eficaz das finanças e do comércio, facilitando com o tempo a inserção de empresas e enraízando a interdependência econômica. Finalmente, a terceira lição seria que “as ordens sociais entre os países devem se tornar cada vez mais compatíveis, harmônicas. Ordens instáveis e incompatíveis entre si são um fator inibidor do entendimento”[16]. Mas os 20 anos de MERCOSUL ensejou também balanços negativos. O primeiro exemplo é dos exportadores e seus porta-vozes, como nesta apreciação essencialmente econômica: “Criado há exatamente 20 anos, o MERCOSUL completa aniversário hoje sem ter se recuperado das crises econômicas do fim dos anos 1990. Após uma primeira década de aumento do comércio entre os países do bloco, os últimos dez anos foram marcados por uma perda relativa da importância de Paraguai, Argentina e Uruguai para a economia brasileira. Entre 2000 e 2010, a participação das vendas aos três países vizinhos passou de 14,4% para 11,9% em relação a tudo que foi exportado pelo Brasil. Nas importações, a queda foi mais acentuada, com recuo de 13,96% para 9,15%. A falta de compromisso com as regras estabelecidas nos acordos, a história econômica de proteção da indústria nacional e a falta de interesse político e de planejamento podem ser apontadas como responsáveis pela desimportância do bloco aos seus 20 anos, segundo especialistas. Quando foi estabelecido, o MERCOSUL, como o próprio nome indica, trazia a ideia da criação de um mercado comum – estágio de integração regional caracterizado por tarifas de importação e exportação extrabloco iguais para todos os membros, a chamada Tarifa Externa Comum (TEC) – e livre circulação de pessoas. Hoje, o bloco nem sequer chegou à etapa anterior: a união aduaneira, marcada apenas pela aplicação da TEC „[17] Apoiado no economista Honório Kume, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o autor dessa avaliação sustenta que a divergência em relação às taxas aplicadas no comércio de produtos no bloco é, hoje, o principal entrave para o sucesso do MERCOSUL, como, por exemplo, “quando a Argentina, em meio à crise, decidiu zerar as tarifas de importação de bens de capital [máquinas e equipamentos] para todos os países.” [18]É a chamada questão da TEC, em relação à qual o Brasil aparece inevitavelmente como o grande prejudicado: “A questão da TEC está ligada a um problema central do MERCOSUL, e que inclusive motivou a criação do bloco: a assimetria entre os membros. No caso da TEC, os países têm interesse de incentivar o investimento das empresas – com a compra de bens de capital, o que gera aumento da produção e da exportação –, mas sem aniquilar os produtores locais de máquinas e equipamentos. Com tarifa zero, dizem esses produtores, em pouco tempo eles seriam extintos do mercado, porque não conseguiriam competir com o preço de máquinas e equipamentos estrangeiros. Como praticamente apenas o Brasil é um fabricante de bens de capital no Mercosul, o consenso sobre qual deve ser a tarifa é difícil de ser atingido.” [19] O autor compara o MERCOSUL com o bloco da Ásia, concluindo que, ao contrário deste, o MERCOSUL tem uma política pouco sustentável a longo prazo, porque aí os países ricos exportam produtos industrializados e os menores, matéria prima. Mesmo assim, termina por reconhecer avanços, para além da economia: Apesar dos problemas, no ano passado o bloco estabeleceu um cronograma para o fim da bitributação – até hoje, uma mercadoria que entra por um país e circula por outro precisa pagar os impostos nas duas fronteiras. Com o acordo, que será feito em três fases, entre 2012 e 2019, todos os produtos poderão circular livremente pelos Estados. Ouro avanço, de acordo com Baumann, é a integração cultural de políticos e empresários dos quatro países. “Para bem ou para mal, eles passaram a se conhecer melhor. Houve avanços significativos de iniciativas na área social”.[20] Já Thiago Marzagão trabalha com a idéia de fracasso(s) do MERCOSUL: “Muito já se escreveu sobre o fracasso do MERCOSUL em alcançar os dois principais objetivos de uma união aduaneira: liberalizar o comércio entre seus países-membros e adotar uma tarifa comum sobre as importações oriundas de terceiros países. O comércio intrabloco segue limitado por um sem-número de barreiras (das quais se destacam as crescentes restrições argentinas a produtos brasileiros) e alguns estudos estimam que a tarifa supostamente comum, na verdade, só é aplicada a cerca de metade das importações do bloco (a outra metade continua submetida a tarifas nacionais, diferentes em cada um dos países-membros). Quando de sua criação, porém, pretendia-se que o MERCOSUL cumprisse ainda um terceiro objetivo: o de assegurar que a abertura comercial dos anos anteriores não viesse a ser desfeita no futuro. Uma análise do bloco ao longo dos últimos anos mostra que, também nesse aspecto, o Mercosul falhou. Precisamos saber por quê.” [21] Ainda entre os balanços negativos, podemos citar o mesmo texto acima, de Lassence, tão otimista quanto aos números e tão crítico também quanto à política, diz: “O projeto de integração é um desafio de grande envergadura e tem obstáculos consideráveis. Grande parte deles é resultante de seus pecados originais. A vertente comercial tornou-se hipertrofiada ao longo de 20 anos, enquanto persiste um déficit de participação democrática e representação política, com um Parlasul que ainda está por se estruturar plenamente. O Brasil, infelizmente, tem negligenciado e protelado esse passo. Por outro lado, a entrada da Venezuela, que significaria a expansão do mercado comum, tem sido sistematicamente adiada pelo Paraguai, com argumentos que não convencem sequer os opositores venezuelanos do presidente Hugo Chávez, que defendem a entrada de seu país no bloco.“.[22] Essa crítica, porém se atenua, quando o mesmo autor reconhece que, ultimamente tem-se organizado uma nova e intensa agenda de políticas públicas, em vários setores, entre os quais, a agricultura familiar, a educação, o desenvolvimento social, a saúde, o turismo, a infraestrutura, a segurança e a defesa, o que permitiria agir contra a pobreza, reduzir assimetrias, ampliar o comércio e construir uma democracia mais completa na região. Em diversas áreas da cultura – teatro, cinema, literatura, mídia— haveria, igualmente, muitas possibilidades e acertos, apesar dos limites. . Também se sustenta o papel do MERCOSUL como motor da integração na América do Sul, que, apesar de todas as suas dificuldades, idas e vindas, vai além da integração econômica e política de cima, com metas e resultados já expressivos, sociais e culturais, alcançados por uma integração que vem sendo chamada de solidária: dos índios, dos imigrantes, dos negros, das mulheres, dos sem terra, dos velhos, dos jovens e especialmente, dos estudantes, beneficiados por programas de intercâmbio. Muitos exemplos dessa outra integração podem ser encontrados nas reuniões de trabalhadores urbanos e rurais, de advogados, de juízes, de intelectuais, de escritores, com as distintas categorias se articulando para promover a integração solidária. Dois grandes problemas são destacados pela crítica: na política, a demora da entrada da Venezuela no bloco; na área cultural, a pouca atenção dispensada pelo MERCOSUL à cultura.
O Mercosul cultural
“Os fenômenos de integração que estamos vivendo pressupõem, além dos aspectos econômicos, os culturais. Entendendo por cultural não só os educacionais ou os artísticos, como todos aqueles que, de algum modo, possam ser incluídos na produção simbólica sem nos reduzir ao beletrismo.“ (Hugo Achugar) [23]
Como vimos, nem no Tratado de Asunsión (1991) fala-se de cultura ou de educação. O Parlamento Cultural do Mercosul (Parcum) foi criado em 1996, com a finalidade de harmonizar normas para facilitar “a livre circulação de bens e serviços culturais, a proteção e difusão do patrimônio cultural, bem como a gestão dos direitos de propriedade intelectual, a promoção e consolidação das indústrias culturais e a implicação dos meios de comunicação na difusão cultural do MERCOSUR”[24]. Muitos se queixam de que o MERCOSUL Cultural é mera abstração, tratando apenas de generalidades, com pouco peso na circulação dos produtos culturais e em parcerias com organismos internacionais, limitando-se a ratificar, louvar ou repetir que os países do bloco devem apoiar projetos culturais da região. Ou seja, mais retórica que ação. Outros reconhecem a importância e acerto de algumas medidas, entre elas, a criação do Fundo Mercosul Cultural, aprovado em 2010, durante a XXXI Reunião dos Ministros da Cultura do MERCOSUL, quando o Brasil estava responsável pela Presidência Pró-Tempore do bloco, e, logo depois, constituído pelo Conselho do Mercado Comum (CMC), com o objetivo de financiar programas para a criação, circulação, proteção e difusão dos bens e serviços culturais, incluindo aí a diversidade das expressões culturais que contribuam ao processo de integração do bloco. Quanto ao funcionamento desse Fundo, há quem dê mais detalhes, mostrando que a cada etapa há muito trabalho a fazer, mas que o processo está andando: “A proposta apresentada pelo Ministério da Cultura do Brasil sobre o montante inicial do Fundo MERCOSUL Cultural, fixado em US$ 1 milhão, foi aprovada neste sábado (25), em Assunção, durante a XXXII Reunião de Ministros da Cultura do MERCOSUL (RMC). Para compor esse valor de recursos, caberá a cada Estado-Parte contribuir com percentagens diferenciadas, estabelecidas a partir do Produto Interno Bruto (PIB) de cada país, as quais estão especificadas no documento do Conselho do Mercado Comum, que instituiu o Fundo: Argentina, 27%; Brasil, 70%; Paraguai, 1%, e Uruguai, 2%. O próximo passo, agora, será trabalhar na elaboração de um esboço de funcionamento para o Fundo, tarefa a ser realizada pelo MinC e que foi proposta pelo Comitê Coordenador Regional (CCR), integrante da estrutura do MERCOSUL, o qual define os temas a serem discutidos na RMC”.[25] Problematizando o MERCOSUL Cultural „a integração — com ou sem dramas — dos países do MERCOSUL supõe uma alta quota de invenção. Não me refiro apenas à invenção política, conceitual, econômica, mas também à cultural. Sem dúvida, este mundo globalizado coloca dificuldades ao mesmo tempo em que favorece os regionalismos.“[26]
Segundo a diplomata Maria Susana Arrosa Soares[27], não havia na reunião que criou o MERCOSUL Cultural “o propósito de desenvolver ações que propiciassem a construção de uma identidade coletiva regional” nem foi a cultura objeto de algum acordo comercial”[28]. Tampouco as diplomacias nacionais ou outros representantes governamentais teriam reconhecido “alguma relevância ao papel da cultura no futuro do Bloco.“[29] E isso ocorreria pela falta de uma diplomacia cultural do Mercosul: “Os ricos patrimônios culturais dos Estados-membros permanecem pouco conhecidos, não são utilizados como instrumentos para a construção de vínculos de confiança e de cooperação entre seus povos. Os resultados da atuação da Reunião dos Ministros da Cultura do Mercosul revelam a ausência de uma diplomacia cultural dos países e do Bloco, cujas prioridades são as de natureza comercial.” [30] Do ponto de vista da diplomata, a integração cultural teria que ir além dos ministérios da cultura de cada país para ser trabalhada pela diplomacia. Para ela, um dos principais entraves à integração cultural seria o desconhecimento do próprio patrimônio cultural e do dos vizinhos pelos encarregados de promovê-la. Há aí até mesmo uma certa caricatura dos nossos diplomatas, responsáveis pela cultura, e de sua formação: „Os futuros diplomatas conhecem superficialmente as manifestações culturais artísticas de seu próprio país, suas diferenças regionais, seu folclore e as diversas formas de religiosidade, suas indústrias culturais e os sistemas educacionais e de ciência e tecnologia.” [31] Mas, mesmo assim, a autora não deixa de reconhecer que algo está mudando e que algumas conquistas já se impõem: „As atividades culturais mais importantes e com maior regularidade no Mercosul, têm resultado, principalmente, de iniciativas de novos atores internacionais como artistas, intelectuais, professores e pesquisadores universitários, alguns empresários e ONGs. Elas têm dado origem a inúmeras redes de pesquisadores, artistas, esportistas; delas, também, têm resultado a realização de exposições, a criação de programas de cooperação, de mobilidade de docentes e de alunos em universidades da região. Em grande parte, tais iniciativas tem tido sua origem em relações pessoais e, raramente, de políticas culturais externas dos países.“[32] Haveria já alguns exemplos a seguir, tanto na Argentina (como o Instituto do Servico Exterior da Nação da Argentina (ISEN)-- desde 1996-- e o Instituto Rio Branco do ministério de Relações Exteriores do Brasil, no intercâmbio de alunos e de professores, entre outros. Outro exemplo positivo seria a Bienal Mercosul, bem como certas iniciativas de cineastas no setor de coproduções de filmes, além de organizações de trabalhadores, com o objetivo de lutar por seus direitos no interior do bloco. Em alguns momentos, a diplomata corrobora certas descobertas da nossa pesquisa, por exemplo, quando ressalta as iniciativas de atores não governamentais: „Se é verdade que nenhum dos países do MERCOSUL desenvolve uma diplomacia cultural destinada a aumentar o conhecimento entre eles e o diálogos entre seus cidadãos, atores não governamentais têm desenvolvido projetos culturais que têm tido um impacto significativo no estreitamento das relações com os países vizinhos. Exemplos disso são a Associação de Universidade do Grupo Montevidéu, a Rede de Mercocidades, a Bienal do MERCOSUL, o projeto DocTV Ibero América, Porto Alegre em Cena, Porto Alegre em Buenos Aires, a Feira do Livro em Porto Alegre e outros eventos de menor magnitude. Essas iniciativas tem resultado mais do apoio de intelectuais, artistas e empresários do que dos ministérios de Cultura e de Relações Exteriores. (...) A Rede Cultural do MERCOSUL criada para divulgar informações sobre ações conjuntas desenvolvidas pelos países do Bloco na área cultural, bem como as atividades culturais nacionais, registra, ainda, um reduzido numero de iniciativas, não dispondo de bancos de dados sobre os patrimônios material, intangível e natural dos países que integram o Bloco. A Rede Mercocidades integrada por 176 cidades (2007) foi criada em Assunção, em 1995. Em sua fundação estiveram presentes os representantes das capitais Assunção, Montevidéu, Brasília, Rio de Janeiro, Buenos Aires e Santiago do Chile. A rede visava possibilitar a participação do poder público municipal nas discussões de políticas e projetos de integração regional. Na Carta de Porto Alegre, do mesmo ano, reafirmava-se a importância da Rede de Mercocidades para a integração dos municípios ao processo de implantação do Mercado Comum.“ [33]
Esses exemplos, por si sós, relativizam a crítica anterior e comprovam que, frequentemente, não é fácil responder quem impulsiona o quê e a quem. Por isso mesmo, impõe-se estudar o tema. Uma coisa é certa: a cultura integra os países, antes, durante e depois da criação do bloco e também da entrada oficial desse item no tratado. Ela é motor e resultado, segundo alguns estudiosos..[34] Por outro lado, problematizar o MERCOSUL Cultural implica tratar mais diretamente da globalização, como o faz Hugo Achugar, que se preocupa em conciliar a tendência à homogeneização, própria da política cultural, com a preservação da heterogeneidade cultural na região e o respeito democrático à sua realidade múltipla, especialmente com o aparecimento do que chama “outros personagens: Nação, Identidade, Tradição, Mercado, Região, América Latina, Pátria, Cidade natal etc?”[35]
Fronteira, Mercosul e Identidade
Sabemos hoje que a fronteira divide e aproxima, porque é limite, mas é também zona, espaço de trocas e mesclas, negociações, convivência nem sempre sem conflito, da diferença e do híbrido. A questão das fronteiras geopolíticas e culturais não pode ser examinada sem levar em conta o processo histórico que as constituiu: „Fronteira é feita de tempo“, diz outro verso do mesmo poema de Degrazia. Kupchan[36] destaca ainda, no caso sul americano e em outros, que o fundamental nos processos de integração é o surgimento de uma identidade entre os países, que supere as rivalidades reinantes. O trânsito de pessoas, o entrosamento cultural, a familiaridade com a paisagem dos vizinhos seriam um elementos muito importantes para avançar na integração regional. Por isso, a fronteira, como zona de conflitos e de encontros, como espaço real e simbólico de trocas, mesclas, conflitos e negociações, com suas tradições e iniciativas, pode ser considerada um exemplo importante nesse processo mais amplo. A Integração se dá, como vimos, em diversos setores: econômico, político, social, cultural e suas subdivisões (política internacional, diplomacia, artes, mídia), com muitos limites, mas também com muitas possibilidades. O MERCOSUL também incentiva mal ou bem a chamada integração solidária e se reforça por iniciativas não oficiais, bem como pela tradição retomada, rememorada e reinventada. Por isso, um dos objetivos da nossa pesquisa foi estudar, sistematizar e repor uma integração cultural que, tradicionalmente existe na região. As fronteiras revelaram-se, aos nossos olhos, de excursionistas-pesquisadores, lugares privilegiados para o estudo da integração cultural, pois aí se negociam diferenças e remodelam identidades, explicitando-se os pertencimentos para além do nacional, sem perder de vista o respeito à heterogeneidade na identificação cultural, conservando a tensão e o equilíbrio entre diversidade e unidade. Hugo Achugar trata a questão da identidade merco sulina sem esconder os problemas da integração econômica nem menosprezar a existência de uma integração cultural, mas sabe que “a hipotética e utópica construção de uma identidade e de um imaginário regional multinacional não é decretável, embora pudesse ser estimulada”. [37] Ele não ignora tampouco “os desafios civilizadores do presente e a tensão entre a globalização e o bairrismo” que atuam nessa produção das identidades culturais interna e externamente aos países da região. E propõe um enfrentamento ativo da questão identitária, pela orientação utópica contra a mera aceitação de um imaginário regional construído pelo mercado. Assumindo a posição criativa e crítica, Achugar começa problematizando o tema mesmo da identidade como objeto de pesquisa acadêmica, embora reconheça sua importância: „O tema da identidade tem sido esgotado pela Academia e, de certo modo, é um âmbito de reflexão particularmente desvalorizado; pelo menos o esteve, durante as últimas décadas. Sem dúvida, os múltiplos processos de identidade têm sido objeto de estudo e de reflexão a partir de novas perspectivas ou de novos ângulos, especialmente com relação à identidade cultural. Acho que, além das especificidades dos problemas referidos em tais noções ou dos mencionados fundamentalismos, estamos diante de um processo particular na constituição das identidades individuais, grupais, nacionais ou regionais.”[38] Mas o reconhecimento desse processo e do interesse em estudá-lo não dispensa, pelo contrário, exige a consideração explícita da condição histórico-social e cultural do estudioso: (… )O que importa — certamente influenciado por minha condição de uruguaio — é que o processo de integração atualiza o problema (utilizo a expressão problema deliberadamente) da identidade regional. Não somos apenas uruguaios, argentinos, paraguaios, brasileiros, cone-sulinos (tenho dúvidas de que todos os brasileiros se reconheçam no rótulo de Cone Sul) mas, além da nossa condição de latino-americanos, agora teríamos essa outra, de Merco-sulinos.”[39] Faz parte dessa lucidez ancorada no tempo e no espaço, formular perguntas que vinculam a questão identitária às questões políticas e econômicas internas e externas ao bloco: “em que medida essa identidade regional existe ou é proposta pelo processo de integração? Em que medida nos reconhecemos ou podemos ser interpelados por essa identidade regional? Em que medida todo esse processo de integração não faz entrarem em crise identidades pré-existentes, mais do que provocar novas identidades? Em que medida não se está promovendo uma identidade que abrange geograficamente o eixo Buenos Aires-Montevidéu-Porto Alegre-Curitiba, deixando de fora Bahia, Manaus, Salta, Jujuy etc.?“[40] Lembrando que o MERCOSUL se apoia economicamente “na área industrial que vai de Buenos Aires a São Paulo e Rio de Janeiro, e ignora as margens” e que, portanto, “a integração estaria empreendendo uma nova distribuição internacional do trabalho dentro do Mercosul”, alerta para a “violência identificatória” que uma vez explicitada impede a ingenuidade de “ (…) propor ou supor que o processo de integração do Mercosul estimule esse grande cadinho da Pátria” [41]. Tal suposição implicaria desconhecer o fundamento econômico do Mercosul. Apesar de tudo, reconhece a possibilidade da integração econômica e cultural com as periferias sendo administradas por um centro regional e lembra que Assunção e Montevidéu estão lutando para superar a condição periférica no bloco, embora isso seja mais difícil, senão impossível para o nordeste, no caso brasileiro e a Patagônia no caso argentino. A resistência à aceitação de um imaginário imposto passaria pela tradução, que reformula ativamente as identidades herdadas e ajuda a construir universos imaginários para além da homogeneização e da pasteurização. Para isso é preciso identificar os agentes das políticas culturais, vendo as brechas que restam para os consumidores dessas políticas emanadas de instâncias centrais (sejam elas estados ou empresas). Entre uma integração mediada pelos cidadãos e suas instâncias de representação regional e nacional e a integração direta ao mundo, comandada pela mídia, prefere a primeira, porque „A alternativa de uma integração ao mundo reforçaria aspectos de urna tendência tradicional em nossos países para a consolidação de uma cultura de importação, já presente hoje em dia e favorecida pela difusão do imaginário globalizado “ O debate passa então pela existência de um centro nevrálgico, que é a avaliação das múltiplas heranças dos capitais culturais que recebemos. Nesse sentido, noções como homogeneidade e heterogeneidade, delegação da soberania, elaboração de confronto, mal-estar na cultura, democracia, pós-nacionalismo, globalização, língua, tradução, regressão ou perda cultural estão atravessadas por tentativas de descrever situações presentes e passadas, porém de um modo mais decisivo, por tentativas de dividir as águas, de desenhar um mapa de paraísos e infernos.“ [42] A construção de identidades se dá pelo estabelecimento de fronteiras com outras identidades e a integração impõe o respeito à pluralidade destas. Mas num mundo em que caíram “as seguranças discursivas da identidade coletiva” o desafio é maior, pois é preciso propor e desenvolver políticas culturais que suportem o convívio com as diferenças e instaurem o diálogo, ou “espaços de conversa”, como quer Achugar. Porém, uma vez mais, é preciso superar a tentação da harmonia ingênua ou demagógica: „Não se trata de criar espaços de conversa nos quais a delegação de soberanias implique a construção do somos todos iguais. Criar espaços culturais democráticos também não supõe delegar a identidade ou a soberania às leis do mercado selvagem. (...) Ao mercado selvagem se opõe a noção de democracia solidária. Permitir um mercado democraticamente solidário é um desafio para a elaboração de políticas culturais. Os centros culturais — de experiência desigual e de destino muito diverso nos diferentes países do Mercosul — poderiam ser, deveriam poder ter sido espaços de conversa, e de construção de identidades culturais democráticas.“[43] Isso não significa desconhecer a importância do mercado e o crescente impacto da cultura no mundo do trabalho, da produção, circulação e consumo de mercadorias, que contraria a visão tradicional da cultura como geradora apenas de valor de uso. Pelo contrário, trata-se de um novo desafio a enfrentar, a formulação de “políticas culturais integradoras” que incluam o valor econômico na construção de um espaço democrático. Para isso é preciso lutar contra o esquecimento e a impunidade, mas também é preciso trabalhar pelo desenvolvimento econômico que tenha lugar para o financiamento cultural, lembrando que: “Atender aos aspectos econômicos tanto das indústrias culturais como da ação do Estado é atender também à constituição de identidades que já não se constroem tanto no espaço nacional, mas, como ressaltou Garcia Canclini, em um espaço transnacional e pós-nacional. Certamente isso exigiria o aprofundamento da discussão sobre a validade ou não da categoria de nação no debate sobre a identidade e as políticas culturais.“[44]
Achugar acaba nos alertando para a necessidade de se discutir o papel e os limites das nações na integração cultural, mas não aprofunda esse tema, que é polêmico, porque se conecta com a questão do território. E esta, muitas vezes, nos leva à idealização compensatória do diálogo, das passagens, das trocas, que, no caso da reflexão sobre a fronteira do México com os Estados Unidos é muito visível. Rogério Haeshaert, no livro O Mito da Desterritorialização“[45], segundo o comentário de Gilberto Vasconcelos,[46] alerta para a „ideologia europocêntrica da desterritorialização, palavra de Henri Lefebvre, espalhada por Deleuze e Guatari. Haesbaert estuda aí cada autor que usa esse conceito na contemporaneidade e identifica a mistificação ou mistificacoes existente(s) na tese do fim do Estado-Nação, das fronteiras e da espacialização, dos entre-espaços, hoje em moda. Discursos todos não inocentes porque urdidos a partir dos núcleos cêntricos do capitalismo. Igualmente a ideologia do ciberespaço, capital sem pátria , mundo não mais físico. Contra isso, o autor repõe o óbvio, mas lembremos, como Paulo Freire, que o óbvio tem que ser levado a sério justamente porque pode ocultar evidências não evidentes). E esse óbvio, neste caso, o autor formula assim: „Nao há homem sem chão, não há população sem território“ e a „Destruição de um termina com a reconstrução em novas bases.“ Por isso, o que se deveria reivindicar, segundo o autor, seria a MULTITERRITORIALIDADE, o acesso a múltiplos territórios (incluindo sem terras e sem tetos), sem esquecer que os „mandantes do mundo“ estão de olho na riqueza ou „recursos estratégicos“ de certos territórios a conquistar, na verdade, para poucos. De certo modo, o texto do geógrafo complementa o de Achúgar e aponta alguns caminhos a seguir no Mercosul Cultural. O caminho na verdade é múltiplo, porque múltiplos são os pertencimentos, assinalados pelas várias bandeiras e declarações de orgulho que flagramos em cartazes e letreiros do tipo: orgulho de ser gaúcho, orgulho de ser brasileiro, orgulho de ser missioneiro, bem como nas placas de estabelecimentos estampando a palavra MERCOSUL lado a lado também com a palavra Pampa ou as bandeiras dos quatro países do bloco. Nacionalidades e Regionalidades, que significam, ao mesmo tempo, limites, fronteiras e passagens.
Conclusão Entre a resignação e as opções, há lugar para a invenção. Repetir sem elaborar é uma forma da inércia. Para não repetir os erros do passado, ainda com a exígua experiência de integração cultural de nossos países, só nos resta a invenção. Uma vez mais, com Simón Rodríguez, "Ou inventamos ou erramos".
Segundo Lassence, no mesmo texto citado na epígrafe e citando Kupchan o fundamental nos processos de integração seria o surgimento de uma identidade entre os países, para superar as rivalidades reinantes. E, no caso da região merco sulina, “o trânsito de pessoas, o entrosamento cultural, a familiaridade com a paisagem dos vizinhos” seriam sinais dos avanços no processo integrativo. Certos números que ele apresenta são surpreendentes: “Em quatro anos (2006 a 2009), o número de brasileiros que estudam a língua espanhola saltou de um para mais de cinco milhões (dados do Instituto Cervantes). A razão foi a lei sancionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2005, que obrigou a oferta do Espanhol no ensino médio. Praticamente um em cada cinco turistas que visitam o Brasil é argentino. Em contrapartida, em 2010, quase dobrou a quantidade de brasileiros que visitaram a capital portenha. Os turistas vindos do Mercosul representam 70% do fluxo receptivo do Uruguai, 30% do fluxo receptivo da Argentina, mesmo patamar do Brasil, sendo baixo apenas no Paraguai (pouco mais de 10%). Sobre os efeitos do Mercosul (econômico,.político e cultural) nas regiões de fronteira, outra hipótese do nosso projeto foi confirmada: o desenvolvimento da integração nas regiões de fronteira, por contraste com os centros de cada país do bloco, é maior e pode inspirar outras regiões para aprofundar e ampliar a integração no bloco. O MERCOSUL é uma presença quotidiana para os habitantes da região. Nossos olhos flagraram isso um pouco por todo lado, como tentamos ilustrar aqui com algumas fotos que reproduzimos. O que se confirmou também foi que o intercâmbio cultural, praticado desde muito tempo antes da existência do MERCOSUL nas regiões de fronteira, pode, sim, servir de exemplo ou modelo para outros lugares da região. Há muito tempo vem se falando de uma cultura fronteiriça. Ela vem sendo produzida, tramada, reinventada desde os tempos coloniais. Pode ser exemplo, modelo talvez não, porque as zonas fronteiriças têm particularidades, mas podem evidenciar que as nacionalidades e línguas diferentes não impedem a convivência pacífica e produtiva. A lição das fronteiras seria então, a da pluralidade. O pampa é um dos destaques da região, mas ele mesmo é plural, uno e diverso. A conclusão, também óbvia, é que não existe um MERCOSUL ou um MERCOSUL cultural, mas múltiplos MERCOSULS e múltiplos MERCOSULS culturais, e que o grande desafio da integração é combinar equilibradamente a unidade entre eles, mantendo sua diversidade. Uma de nossas conclusões é de que o MERCOSUL existe, mas depende do ponto de vista e do quê se defende. O que não se pode desconhecer é que há um longo e complexo trabalho em muitas frentes, de muitas mãos e muitas cabeças. O MERCOSUL constitui um caminho cheio de idas e vindas e comporta avaliações negativas e positivas, como vimos. O MERCOSUL cultural, igualmente. Existe o MERCOSUL cultural, mas o MERCOSUL deve ser conceituado de modo amplo , como processos oficiais e não oficiais políticos e culturais. As Identidades mercosulinas tem múltiplas variações, é plural e diferente no(s) Uruguai(s),na(s) Argentina(s), no(s) Paraguai(s), nos Brasil(s) do sul e do norte. Mas em construção e sem negar outros pertencimentos. ------------------------------------------------- Notas 1. Este texto é resumo da palestra do mesmo nome, feita em agosto de 2011, no Instituto Goethe de São Paulo e no Instituto Goethe de Porto Alegre, por ocasião do lançamento do livro intitulado Fronteiras da Integração: Dimensões Culturais do Mercosul/ Fronteras de La Integración: Las Dimensiónes Culturales del Mercosur , Porto Alegre, Território das Artes, 2011, que traduz e amplia os estudos publicados em alemão, em 2007, no livro intitulado Mercosul/Mercosur: Dynamik der Grenzen und kulturelle Integration. Mettingen: Brasilienkunde Verlag.
2 Na volta, enviam-se relatórios aos patrocinadores e é feita uma apresentação dos resultados da pesquisa aos professores e colegas do Instituto. Em geral as despesas são bancadas em ca. de 80% pelo LAI e pelo DAAD, a partir da apresentação e aprovação do projeto detalhado, já com o roteiro e os contatos pré-acertados, além da definicao do objeto, objetivos, metodologia, etc… como em qualquer projeto de pesquisa. No nosso caso, além do DAAD e do LAI, tivemos também o apoio do KfW (Kreditanstalt für Wiederaufbau), banco para o re-desenvolvimento. 3. A excursão foi uma iniciativa da área de Literatura e Cultura Brasileiras (Brasilianistik) do LAI, mas estudantes de sociologia e antropologia, bem como das áreas culturais específicas de teatro e cinema também participaram. 4. Ao longo do percurso, foram desenvolvidas pelo grupo ou individualmente, diversas atividades, como aulas, simpósios e entrevistas informais e formais com estudiosos do tema ou de temas conexos.
5. Nesse mesmo ano houve uma feliz coincidência com outros dois projetos, um no âmbito do chamado UNIBRAL (troca de estudantes de graduacao com a USP nas áreas de Literatura, Antropologia e Sociologia) e outro no âmbito do programa PROBRAL (projeto de pesquisa sobre Fronteiras Culturais e culturas fronteiriças, na área de Literatura e Cultura, com a USP, o Celpcyro e a UFRGS, prevendo trocas de docentes e doutorandos, publicações, eventos e teses. Ambos os projetos foram financiados pelo DAAD, nestes dois casos, em programas conjuntos com a CAPES. Diversos livros, publicados entre 2002 e 2011 (ver Bibliografia no final) mostram os antecedentes e a continuidade da pesquisa, no quadro de uma já longa parceria da Brasilianistik do Lateinamerika-Institut (LAI-FU) com o Centro de Estudos de Literatura e Psicanálise Cyro Martins (CELPCYRO), a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), como também com o Goethe Institut, em São Paulo e de Porto Alegre. 6.Por outro lado, o foco dos estudiosos europeus em geral, em se tratando do Brasil, é quase sempre o Nordeste ou a Amazônia. Na nossa excursão foi a vez do sul do Brasil e da América do Sul. 7. Antonio Lassence, “Los hermanos” 20 anos depois, 27.06.11 Disponível em: http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaImprimir.cfm?coluna_i (acess. Em 15 de julho de 2011)
8. As tentativas de respostas apareceram pela primeira vez no relatório final, encaminhado ao DAAD. Posteriormente foram reelaboradas e publicadas em algumas teses individuais e em livros coletivos.
9. Ampliam-se as dimensões dos respectivos mercados e se institui a livre circulação de bens e serviços, criando-se uma taxa comum para a circulação das mercadorias internamente aos países do grupo. Estabelece-se uma política comercial comum e busca-se harmonizar a legislação, para facilitar o intercâmbio.
10. Arrosa Soares, Maria Susana. “A diplomacia cultural no Mercosul”. In: http://www.camara.gov.br/mercosul/Protocolos/INTEGRACAO_CULTURAL.htm (consultado em 25.06.11)
11. Idem, ibidem.
12. “Mercosul, um caminho sem volta”. DEBATE ABERTO http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5050 (consultado em 15.07.11)
13. Idem, ibidem.
14. Antonio Lassence, ob. cit.
15. Idem, ibidem.
16. “MERCOSUL completa 20 anos com comércio em queda”, in: Export News, O portão do exportador brasileiro. Apud: Seleção de notícias nacionais, Embaixada do Brasil em Berlim, Segunda-feira, 16 de maio de 2011 (recebido por e-mail no mesmo dia) 17. Idem, ibidem.
18. Idem, ibidem.
19. Idem, ibidem.
20. Thiago Marzagão, “O terceiro fracasso do MERCOSUL”, O Estado de S.Paulo, 05 de fevereiro de 2011) 21. Lassence, ob. cit.
22. Idem, ibidem.
23. Thiago Marzagão, “O terceiro fracasso do MERCOSUL”, O Estado de S.Paulo, 05 de fevereiro de 2011) 24. Lassence, ob. cit.
25. JacSanchotene “:Marketing Cultural “Reunião de ministros, dia 25, em Assunção, aprova aporte de U$1 milhão para criação de Fundo . http://jacsanchotene.wordpress.com/2011/06/30/mercosul-cultural/ (acess. em 15.07.11) 26. Idem, ibidem.
http://www.camara.gov.br/mercosul/Protocolos/INTEGRACAO_CULTURAL.htm (consultado em 25.06.11) 28. Idem,ibidem.
29. Id Idem, ibidem.
30. Idem, ibidem.
31.Idem, ibidem.
32. idem, ibidem. 33. Idem,ibidem. Outro exemplo positivo seria a AUGM, uma espécie de universidade virtual. O texto sobre a educação no Mercosul, publicado por Evelyn Schreiben, nos livros da excursão acima citados, trata desse e de outros projetos na área, apontando possibilidades e limites, mas evidenciando que, entre os tratados e as práticas, já foi percorrido um longo caminho, embora com avanços e recuos.“ [1] Como a geógrafa Gladis Betancourt, que nos deu uma brilhante aula sobre essa tensão extremamente produtiva, por ocasião da nossa visita a Rivera e Santana do Livramento, em setembro de 2005.
34. Apud Lassence, ob.cit.
35. Hugo Achugar, ob.cit
36. Idem, ibidem.
37. Idem, ibidem.
38. Idem, ibidem. Hugo Achugar, ob. cit.[1] Hugo Achugar, ob. Cit 39. Faz parte dessa opção, reconhecer que a questão do valor é fundamental para a elaboração de políticas culturais seja ao nível da nação, da região, ou do mundo, porque eles têm diretamente a ver com as nossas múltiplas heranças culturais. 40. Idem, ibidem. 41. Idem,ibidem
42. São Paulo, Bertrand, 2004.
43. publicado em 23.11.04, na Folha de São Paulo 44. Hugo Achugar, ob. Cit. Bibliografia Básica: CHIAPPINI, Ligia, MARTINS, Maria Helena, PESAVENTO, Sandra Jatahy. Pampa e Cultura: de Fierro a Netto, Porto Alegre, Ed. da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, São Paulo, Memorial da América Latina, Berlim, Iberoamerikanisches Institut, 2004. CHIAPPINI, Ligia, MARTINS, Maria Helena. Cone Sul: fluxos, representações e percepções, São Paulo, Hucitec, 2006. GRIMSON, Alejandro. Pasiones nacionales. Política y cultura en Brasil y Argentina. Buenos Aires: Edhasa, 2007 MARTINS, Estevão Chaves de Rezende. Relações internacionais: cultura e poder. Brasília : IBRI, 2002. 184 p. MARTINS, Maria Helena. Fronteiras culturais: Brasil- Uruguai- Argentina. São Paulo, Atelie, 2002. MELISSEN, JAN. The new diplomacy. Soft power in International Relations. New York: Palgrave, 2005. PODESTÁ, Bruno. Cultura y relaciones internacionales. Montevideo: Taurus/Universidad Católica, 2004. 174 p RATTNER, Henrique, Mercosul e Alca- O Futuro Incerto dos Países Sul-Americanos, S. Paulo, Edusp, 2003 Fontes da Internet: Achugar, Hugo. “A política cultural no acordo Mercosul”, in:Estud. av. vol.8 no.20 São Paulo Jan./Apr. 1994. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40141994000100021 Arrosa Soares, Maria Susana. “A diplomacia cultural no Mercosul”, in: http://www.camara.gov.br/mercosul/Protocolos/INTEGRACAO_CULTURAL.htm (consultado em 25.06.11 Benyhaut, Gustavo. “Dimensão Cultural da Integraçãa na América Latina”. http://209.85.129.104/search?q=cache:MV3DM4CcB8cJ:www.scielo.br/scielo.php%3 (12.07.2007) CANCLINI, Néstor García. Cooperación, diálogo:¿ son las palabras más apropiadas?, 2007. Disponível em:<http://www.redculturalmercosur.org/docs/Garcia-Canclini.pdf> Acesso em: 20.06.2011 Drummond, Maria Claudia. “Mercosul vinte anos”. In:http://www.senado.gov.br/noticias/Especiais.... (consultado em 15.07.11) PALLINI, Verónica. Mercosur Cultural. Reflexiones acerca de la dimensión cultural de la integración. Disponível em: http://www.ides.org.ar/shared/doc/pdf/cuadernosdebate/Debate14_Pallini%20.pdf Acesso em: 3 de jul. 2011 “Parlamento Cultural del Mercosur”. em:<http://www.derechoycultura.org.ar/skins/derechosCulturales/download/PARCUM. Consultado em 20.05.11] Dr. Rosinha. “Mercosul, um caminho sem volta”. DEBATE ABERTO http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5050 (consultado em 15.07.11) ( mais os diversos artigos de jornais e revistas citados ) |