Tesouros / Tesoros - Cyro Martins |
Estante do Autor - Ficção |
TESOUROS *
Vinha roncando a manga d'água. Os pingos ponteiros já caíam grossos no terreiro, levantando uma poeira baixinha. As aves corriam para o poleiro, batendo asas, pulando as macegas, bico aberto e cacarejando assustadas. Os pessegueiros do pátio e o cinamomo solito da frente abanaram as copadas ralas para o Sul. A siá Constância chegava cansada do arroio com uma trouxa de roupa na cabeça. O paredão negro-azulado que descia do Norte, insinuando a sombra enorme sobre o campo, desabou numa enxurrada. E, longe, viu-se por instantes, numa ponta de cerro, um claro amarelo de sol. Dentro do rancho quase escuro de sombrio, seu Bernardo, sentado numa banca de couro, olhava quieto aquele mundaréu de chuva. Seu Bernardo era magro, sorumbático, e usava uns bigodes muito compridos. Um dos guris - tinha três - veio negaceando como quem experimenta. O pai franziu a cara num sorriso que tinha a sua marca. E o guri pulou a cavalo, como num potro, na perna delgada e forte do seu Bernardo. O pingo se cascou a velhaquear, e o ginete, grudado como uma mão no lenço do velho feito rédea, castigava com a outra mão o redomão caborteiro. O menor da trempe saltou em cima da banca, abraçou-lhe o pescoço e lhe puxou os bigodes até as orelhas. O velho fez uma careta que era, na opinião da mulher que estava ali perto planchando a roupa lavada, sem tirar nem botar, a cara do próprio tinhoso. E os guris, fingindo medo, dispararam do carão medonho do tinhoso, palavra que logo se familiarizaram, dado o uso demasiado que dela fazia a siá Constância. A chuva caía pesada, abafando. O posteiro, enrolando um cigarro, olhava o rebanho descambando uma coxilha, e pensando talvez no domingo perdido ... O posto ficava a quase uma légua da fazenda. E o seu Bernardo todas as madrugadas acordava o pessoal. Mas acordava todos sem chamar ninguém. De chegada fazia um fogaréu que alumiava todo o galpão. E não era proposital para levantar a peonada. Nem somente para se aquentar ou aquecer a chaleira. Ele tinha cócegas nas vistas, troceavam os outros. Precisava sempre dalguma coisa graúda para enxergar, para estar vendo. Homem de confiança do patrão, capatazeava as tropas, e trazia na guaiaca, sempre que não vinha pelos bancos, o noterio grandote de contos de réis. Todos estimavam nele a honradez, a disposição para o trabalho, a maestria campeira, e mais do que tudo a conformação com o destino caipora de pobre. Porque seu Bernardo nunca se queixava das suas penas pra ninguém, nem tampouco contava as suas alegrias. Nem mesmo estando no trago, o que acontecia lá de ano em ano. Então aí é que afundava a sua concentração. Procurava um lugar sossegado. E estendia os olhos, uns olhos saltados e vermelhos, não assim, com alma, como quem procura apanhar um torneio arisco de encanto na paisagem conhecida. Mas buscando fixar, calculadamente, as árvores isoladas, as taperas, as taipas velhas, os cerros mais altos, enfim tudo o que no campo se assinalasse por algo singular. Largava o pensamento e andarengueava horas cansadas, campanhas afora, campeando o que não perdera. E tinha um gesto áspero, quando um qualquer lhe cortava, com a presença impertinente, o enlevo do êxtase compensador. Porque ele cultivava com fervor, e ocultava ferozmente de todos, uma mania velha e amada que era o tormento e o alívio do seu espírito. Vivia em perpétua precaução, prevenido sempre contra a menor revelação na atitude ou nas palavras. Seu Bernardo tinha a mania dos enterros de dinheiro. Vivia na procura permanente e torturada de tesouros enterrados pelos padres e pelos fazendeiros ricaços, donos de sesmarias, do tempo antigo. Tanto que uma feita viajara às Missões, a pretexto de visitar um parente afastado, mas foi puramente em busca de um tesouro de cuja existência tivera notícia num sonho. Sonhara que indo a galope, ao escurecer, bem defronte a uma tapera, o tropel de patas do cavalo no chão começou a retumbar sonoro, muito sonoro, cada vez mais, como se o chão fosse oco. E o cavalo por si foi parando, e parou. Aí acordara. Mas se lembrava bem de tudo. Uma tapera mui velha. Macegal de tapar um a pé. Dois umbus desfolhados de velhice. Um cinamomo reluzente e liso dos animais se rascarem. E, pra um lado, um pé solito de tala. Devia ser município de Santiago. Ele cruzara por lá inda guri. Mas foi debalde. Seu Bernardo, que não era como parecia um resignado com a sorte, o que apetecia de alma, antes de tudo, era achar um enterro de moedas de ouro, não tanto para ficar poderoso e rico, mas quase simplesmente pelo gosto extraordinário de achar um tesouro. Nem para a mulher revelou nunca o seu sonho, que era o segredo de toda a sua maneira de ser. Apenas lhe falava às vezes vagamente em ... quando eu tiver ouro. Mas logo estacava, surpreso de si e amuado pela indiscrição involuntária. Disfarçava. Mas não precisava nada, siá Constância tomava essas palavras por caçoada, embora o marido estivesse longe de ser caçoísta. Em certas épocas saía todas as noites pra o campo, pra caçar, dizia. Como as caças nunca aparecessem, e a mulher desconfiasse, porque afinal era justo que ela tivesse ciúme mesmo do seu Bernardo, mudara de ardil. Saía sorrateiro altas horas, como um alarife que sai para uma gateada. Esgravatou como um danado a raiz dos umbus, o chão das taperas, a coroa dos cerros, e outros lugares propícios a seu juízo para enterros de dinheiro. Nessa luta brutal de meses a fio, foi ficando cada vez mais magro, mais alto de delgado, fulo, e mais sumido na sua idéia. Na cordialidade geral do galpão, a sua figura ensimesmada, com o tempo, tornou-se misteriosa. O gateado cilhão escarceador tinha bom trote e troteava largo na madrugada fresca, quase fria. O pasto estava molhado ainda da chuva da véspera. As patas do cavalo estralavam resvalando no chão úmido. Seu Bernardo, rumo à estância, nem pensava na tropa que ia apartar esse dia. Passara mal a noite. Uma dor de cabeça, uma falta de sono, uma vontade medonha de levantar, encilhar, e caminhar pra qualquer banda, à toa que fosse, mas sair de cima do catre, de dentro do rancho! Toda a noite planejara uma batida na invernada dos fundos da estância do Serra. Aquelas figueiras velhas, os montes de pedra, o groterio, tudo aquilo era indício que prometia. Não tinha nada, ia bater lá, nem que fizesse um barulhão, espantasse o gado, que aquele gado era meio alçado de xucro, e parasse o rodeio. Mas não, não tinha perigo, ele iria devagar, bem quieto, sem cachorro. Ainda galopeava assim o pensamento do seu Bernardo, quando, ao topar um cerrinho, avistou na costa do mato um fogo embolado e solto no ar. Sentou na rédea. Firmou a vista. Estremeceu de contentamento. Esporeou o gateado, virando de frente pra o mato. O vento assobiou na aba do chapéu. Franziu a testa. Chegara a ocasião há tanto esperada. Agora sim, tinha ali a visão guiadora, porque ele sabia que aquilo era a própria alma penada do dono do tesouro que viera, afinal, cumprindo o fado, lhe mostrar o lugar certo do enterro. E se despencou num galope louco, várzea afora, levantando barro e acordando animais. Abriu ala entre os vaga-lumes, rasgando um rastro mais escuro dentro da noite. Perto, o cavalo esbarrou bufando, alarifão. A visão deslizou ágil mato abaixo. Era uma luz pálida, leve, embaciada, que não alumiava em redor nem pegava nas macegas. Não tinha altura nem rumo certo. Subia, descia, coleando para um lado e outro, mas sempre andando. As vezes, bem redonda, era um globo de luz rolando no chão. Mas erguia logo, enfunava-se, perdia o contorno liso, nítido, esfiapava-se, traçando gambetas espaçadas e monótonas no ar. Depois, lentamente, demasiado sutil, desmaiou, esbateu-se, vacilou como uma asa aberta num remate de vôo, e se desfez totalmente no vento fresco da madrugada alta. Mas, para os olhos alucinados do seu Bernardo, ela ainda resplandecia num deslumbramento, viva e luminosa. Era como se não estivesse morta e rutilasse ainda, atraindo-o para o destino novo. E caminhou distâncias atrás da centelha fantástica que cintilava dentro de si mesmo. Desceu peraus, trepou cerros, varou grotas, espinhou-se no espinhal cerrado das restingas, entrou mato a dentro, sem tremer, corajoso e crente, porque era daquela vez. Chegou numa picada velha, dessas esquecidas até dos vaqueanos. A chama loura, que guardara na vista dilatada de cobiça, estava ali, rutilante, seduzindo, encravada como uma brasa na raiz grossa daquela árvore alta, de folhagem escassa e ramos torcidos de idade, meio caída para o vau dum sangão. Seu Bernardo sacudiu o corpo rijo numa gargalhada áspera, que se desenrodilhou ecoando longe dentro do mato, assustando na escuridão total que o rodeava. Toda a vida ambicionara debalde o tesouro que estava ali, tinha certeza, enxergava. E achava aquilo tudo tão capaz de ser, que nem se surpreendia dos olhos atravessarem o chão, vendo. As moedas atulhavam uma panela de ferro, grossa, pesada, enorme, porque as moedas eram muitas. E escavava a raiz rangendo um grunhido arrastado. O peito alteava de cansaço e pressa, sujo de terra e suor, e as mãos cobiçosas sangravam na aspereza das pedras. Ouviu nítido um tinido de ferro batido contra ferro, vindo do fundo do chão. Dobrou as forças quase gastas. Era desta vez. Ouvia bem o som cada vez mais perto, crescendo numa onda crespa de vibração, devagarinho, prometedor, até aflorar numa panela bojuda, pesada, enorme, cheínha até a boca de moedas de ouro. Seu Bernardo sentiu a corpo magro curvar-se numa crispação. E abraçou com violência a raiz escamosa, machucando o peito descarnado e ossudo no paroxismo da vitória suprema. Sangrou o dia. Os pássaros cantaram ao sol. Quando o encontraram no fundo do campo, a pé, solito, perseguido pelos quero-queros, ia rindo de felicidade, o seu Bernardo, que antes nunca ria pra ninguém. -------- * Cyro Martins, Campo fora.Porto Alegre, Movimento, 1991, 5ª ed. p. 40-45. ( 1ª Ed. 1934)
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TESOROS**
Venía roncando la manga de agua. En el patio, las gotas punteras caían ya gruesas, alzando una polvareda bajita. Corrían al gallinero las aves, batiendo alas, saltando por las malezas, pico abierto y cacareando asustadas. Los duraznales de la quinta y el paraíso solito de enfrente revolvieron las copadas ralas hacia el sur. Sia Contança llegaba cansada del arroyo con un atado de ropa en la cabeza. El paredón negro-azulado que bajaba del norte, insinuando su sombra enorme sobre el campo, diluvió en un chaparrón. Y a lo lejos, en una punta de cerro, se pudo ver aún por instantes un claro amarillo de sol. En el rancho casi oscuro de sombrío, seo Bernardo, sentado en un banquito de cuero, miraba quieto a aquella carradaza de lluvia. Seo Bernardo era flaco, taciturno, y tenía unos bigotes muy largos. Uno de los gurices - tenía tres - vino negaceando como quien prueba. Frunció la cara el padre, en una sonrisa que tenía su marca. Y el gurí saltó a caballo, como en un potro, en la pierna delgada y fuerte de seo Bernardo. El pingo se cascó a bellaquear, y el jinete agarrado con una mano en el pañuelo del viejo como rienda, castigaba con la otra al redomón cabortero. El más pequeño del trío saltó encima del padre, le abrazó al cuello y le tendió los bigotes hasta las orejas. El viejo hizo una careta que, en la opinión de la mujer, que estaba allí muy cerca planchando la ropa lavada, era sin quitar ni poner, la cara misma del tiñoso . Y los gurices, fingiendo miedo, dispararon de la terrible caramala del tiñoso, ya familiarizados con la palabra esa, de la cual sia Contancia hacía demasiado uso. Caía espesa la lluvia, rebosando. El puestero, armando a un cigarrillo, miraba la hacienda a repechar una cuchilla, y pensando tal vez en el domingo perdido... Quedaba a casi una legua de la estancia el puesto. Y seo Bernardo era quien despertaba a los peones todas las madrugadas. Pero a todos los despertaba sin llamar a ninguno. De llegada, hacía una fogata que alumbraba todo el galpón. Y aquello no era intencional para que se levantara la peonada. Tampoco para que se acercara al fuego y se calentara la caldera. Tenía él cosquillas en las vistas, bromeaban los otros. Siempre le hacía falta alguna cosa grandota para observar, para estar viendo. Hombre de confianza del estanciero, capatazeaba las tropas, y traía en la guayaca, siempre que no venía por los bancos, el noterío grandote de contos de réis. En él, todos estimaban la honradez, la disposición hacia el trabajo, y más que todo la conformidad a su sina desdichada de pobre. Porque jamás seo Bernardo se quejaba, ni tampoco contaba sus alegrías. Ni mismo estando punteado, lo que ocurría acaso de año en año. Ahí, entonces, es que se ahondaba en su recogimiento. Buscaba un sitio sosegado. Y extendía los ojos, unos ojos saltones y rojizos, no así, con el alma, como quien quiere atrapar en el paisaje conocido un torneo arisco de encanto. Pero, tratando de fijar, calculadamente, los árboles aislados, las taperas, las viejas taipas , los más altos cerros, en fin, todo que en el campo se distinguiera por algo singular. Largaba el pensamiento y andarengueaba horas cansadas, campaña afuera, campeando lo que no había perdido. Y tenía un gesto áspero cuando uno cualquiera le cortaba, con su presencia impertinente, el arrobamiento del éxtasis compensador. Porque cultivaba él con fervor, y de todos ocultaba ferozmente, una manía vieja y amada que era el tormiento y el alivio de su espíritu. Vivía en perpetua precaución, prevenido siempre contra la más mínima revelación en la actitud o en las palabras. Seo Bernardo tenía la manía de los entierros de dinero. Vivía en la busca permanente y torturada de tesoros enterrados por los padres y por los estancieros ricazos, donos de las sesmarías de tiempos pasados. Tanto que viajara a las Misiones, una vez, a pretexto de visitar a un pariente alejado, pero fue puramente a procura de un tesoro de cuya existencia tuviera noticia en un sueño. Había soñado que yendo a galope, al anochecer, bien enfrente de una tapera, el tropel de patas del caballo principió a retumbear en el suelo, sonoro, muy sonoro, cada vez más, como si fuera hueco el piso. Y el caballo por sí mismo fue parando, y paró. Ahí se había despertado. Pero aún se recordaba bien de todo. Una tapera muy vieja. Matorrales de tapar a uno de a pie. Dos ombúes deshojados de vejez. Un paraiso reluciente y liso de se rascaren en él los animales. Y, hacia un costado, apenas un tala solitario. Habría de ser en el município de Santiago. De gurí, había cruzado él por allí. Pero fue de balde. En un vú echóse abajo la cerca. Silbaron hilos de alambre reventados, y volaron astillas de palo, clavándose lejos en el suelo, como estacas. Seo Bernardo, que con su suerte no era un resignado como parecía, lo que le apetecía de alma, antes de todo, era encontrar un entierro de monedas de oro, no tanto para que se hiciera poderoso y rico, pero casi simplemente por el gusto extraordinario de descubrir a un tesoro. Ni a la mujer jamás le reveló su sueño, que era el secreto mismo de su manera de ser. Sólo a veces le hablaba vagamente en... cuando yo tuviera oro. Pero luego estacaba, sorprendido de sí y enfurruñado por la indiscreción involuntaria. Disfrazaba. Pero tal no necesitaba, que sia Constancia tomaba esas palabras como burla, aunque el marido estuviera lejos de ser burlón. En algunas ocasiones salía a campo todas las noches para cazar, decía. Como jamás aparecieran las cazas y desconfiara la mujer, porque en fin era mismo justo que ella le tuviera celos, seo Bernardo había cambiado de ardil. A altas horas salía matrero, como un alarife que sale a una gateada. Excavó como un dañado la raíz de los ombúes, el piso de las taperas, la corona de los cerros, y otros sitios a su juicio propicios al entierro de dineros. En esa lucha brutal de meses y meses, estuvo cada vez más flaco, más espigado, rabioso, y más perdido en su idea. En la cordialidad general del galpón, su imagen ensimismada, con el tiempo, se había hecho misteriosa. El gateado sillón escarceador tenía buen trote y troteaba largo en la madrugada fresca, casi fría. Aún estaba mojado el pasto por la lluvia de víspera. Las patas del caballo estallaban resbalando en el suelo húmedo. Seo Bernardo, rumbo a la estancia, ni pensaba en la tropa que iba a apartar en ese día. Había pasado mal la noche. Un dolor de cabeza y nada de sueño; mas sí ganas de levantarse, ensillar, y caminar hacia cualquier punto, al azar que fuera, ¡pero salir sí de encima del catre, de dentro del rancho! La noche entera había planeado una recorrida a la invernada al fondo de la estancia de Serra. Aquellos higuerones viejos, los montones de piedras, el groterío, aquello todo era indicio que prometía. No quería ni saber, iba a batir por allá, ni que armara un bochinche, que espantara el ganado, que era medio alzado de chúcaro aquel ganado, y que parara el rodeo. Pero no, no tenía peligro, habría de ir despacito, sin perro, quietito nomás. Aún galopeaba así el pensamiento de seo Bernardo, cuando al topar un cerrito, avistó en el costado del monte un fuego rollizo y suelto en el aire. Sentó en la rienda. Firmó las vistas. Se estremeció de contento. Espueló el gateado, volviéndose hacia el monte. En el ala del sombrero silbó el viento. Frunció la frente. Había llegado la ocasión tan esperada. Ahora sí, tenía allí la visión guiadora, porque sabía que aquéllo era la propia ánima en pena del dueño del tesoro que viniera , por fin, cumpliendo el hado, a mostrarle el sitio mismo del entierro. Y se fue en un galope loco, llano afuera, levantando barro y despertando animales. Se abrió paso entre las luciérnagas, dejando un rastro más oscuro dentro de la noche. Cerca, esbarró bufando el caballo, alarifazo. La visión se deslizó ágil monte abajo. Era una luz pálida, liviana, empañada, que no alumbraba en derredor ni tocaba las maciegas. No tenía altura ni rumbo cierto. Subía, bajaba, coleando hacia un y otro lado, pero siepre andando. A veces, bien redonda, era un globo de luz a revoletear por el suelo. Pero pronto se erguía, se inflaba, perdía el contorno liso, se deshilachaba, trazando gambetas despaciadas y monótonas en el aire. Después, lentamente, de modo sutil, se desmayó, se esfumó, vaciló como una ala abierta en un remate de vuelo y se deshizo totalmente en el viento fresco de la madrugada alta. Pero, para los ojos alucinados de seo Bernardo, aquéllo aún resplandecía en un deslumbre, vivo y luminoso. Era como si no se hubiera apagado y aún rutilara, atra-yéndole a sua nuevo destino. Y recorrió distancias detrás de la centella fantástica que centelleaba bien adentro de sí mismo. Descendió quebradas, trepó cerros, vadeó grotas, se pinchó en los espinales cerrados de las restingas, entró monte adentro sin temblar, resuelto y creyente, porque de aquella vez había de ser. Llegó a una picada vieja, de ésas echadas al olvido incluso por los baqueanos. La llama rubia que él había sostenido en la vista dilatada de codicia estaba allí, rutilante, a seducir, enclavada como una brasa en la raíz gruesa de aquel árbol alto, de follaje escaso y ramos retorcidos por la edad, medio tumbado hacia el vado de un zanjón. Seo Bernardo sacudió el cuerpo tieso en una carcajada desabrida, que se desenrodilló haciendo eco lejos en el recóndito del monte, asustando en la oscuridad total que lo rodeaba. Toda vida había ambicionado debalde el tesoro que se hallaba allí, estaba seguro, percibía. Y aquello todo lo imaginaba tan posible de ser que no se sorprendía ni mismo que sus ojos atravesaran el suelo, viendo las monedas abarrotar una olla de hierro gruesa, pesada, enorme, porque eran muchas las monedas. Y excavaba la raíz crujiendo un gruñido arrastrado. El pecho se alteaba de cansancio y prisa, sucio de tierra y sudor, y las manos codiciosas sangraban en la aspereza de las piedras. Había oído nítido el tintineo de hierro contra hierro que venía del fondo de la tierra. Redobrara las fuerzas casi gastadas. Era de esta vez. Oyó muy bien el sonido anunciador cada vez más cercano, creciendo despacito en una onda ensortijada de vibración, hasta aflorar en una olla redondona, pesada, enorme, henchidita hasta la boca de monedas de oro. Seo Bernardo sentió el cuerpo flaco curvarse en una crispación. Y abrazó con violencia la raiz escamosa, lastimando el pecho descarnado y huesudo en el paroxismo de la victoria suprema. Sangró el día. Los pájaros cantaron al sol. Cuando lo encontraron en el fondo del campo, de a pie, solito, perseguido por los teruteros, seo Bernardo, que nunca antes reía por nada, iba riendo de felicidad. ---------------- TIÑOSO (del portugués: tinhoso) - Demonio, diablo. TAIPAS (del portugués: taipas) - Tapias. Muros de terrón de barro con los que se mantiene o regula el agua en los arrozales. SESMARÍAS (del portugués: sesmarias) - Extensas fracciones de tierra que los reyes de Portugal cedieron en Brasil a quien las cultivara. MUNICIPIO (del portugués: município) - División territorial y administrativa de los Estados de la Republica Federativa de Brasil. El municipio de Santiago pertenece al Estado de Rio Grande do Sul.
** Cyro Martins. Campo fora/Campo Afuera. Porto Alegre. IEL/CELPCYRO/CORAG, 2000. |