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A Criação Artística e a Psicanálise  E-mail
Estante do Autor - Ensaios

 

 

        Cyro Martins 

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altOs que ainda hoje combatem, através da omissão ou da ironia, a aplicação da psicanálise como instrumento de pesquisa do sentido profundo de obras literárias, pretextando que invariavelmente os analistas ressaltam no núcleo da obra em estudo a presença do Complexo de Édipo, quando não o fazem por racionalização, nos estão alertando, a nós analistas, contra o perigo das interpretações estereotipadas, empobrecedoras do trabalho intelectual, científico ou crítico, na acepção literária do termo. Partindo do pressuposto de que é verdade, como tão proeminentemente o destacou Freud e como todos os analistas podem verificá-lo na sua atividade prática do dia-a-dia, que o Complexo de Édipo é o núcleo fundamental de todas as neuroses, não é menos verdadeiro que a elaboração desse complexo varia conforme as circunstâncias que envolvem a cada indivíduo, moldando tanto o caráter quanto os quadros clínicos das neuroses, das psicoses e das perversões. Assim, os estudos psicanalíticos de obras de ficção e de arte em geral, que se restringem à busca dos conteúdos pulsionais, numa perigosa simplificação, correm o risco grave de se monotonizarem, pela repetição dos eternos achados. Não se poderá, pois, omitir o ensinamento de Buffon de que "o estilo é o próprio homem", frase, essa, bastante desgastada pelo uso excessivo e indiscriminado, mas válida ainda, sempre que tentamos caracterizar um autor. Com efeito, é através da apreciação da forma, da investigação minuciosa de sua finalidade funcional, que os críticos chegam à individuação do escritor. Provavelmente, na maioria das vezes, essa pesquisa se processa num plano pré-consciente, enquanto lemos.

A individuação é o fruto da elaboração pessoal das vicissitudes edípicas. E essa elaboração, com êxito ou apenas uma tentativa, é o que constitui o objetivo primordial da análise aplicada à literatura e à arte. Parece incontestável a analogia entre caráter e estilo.

Atualmente, o acúmulo de dados clínicos, obtidos da própria fonte, que é a situação analítica, por cerca de seis mil investigadores, organizados em sociedades científicas na maioria dos países ocidentais, dispensa, embora não despreze, a contribuição dos gênios da psicologia intuitiva. A psicanálise de hoje, firmemente instituída, como associação científica e como corpo de doutrina psicológica com seus marcos teóricos de referência bem definidos, já não precisa apelar, como nos tempos heróicos, para o testemunho dos gênios da ficção, em socorro de algumas de suas hipóteses. Entretanto, embora escasseiem cada vez mais os trabalhos de análise aplicada nas revistas de psicanálise, de longe em longe tomamos um ou outro aspecto de uma grande obra, para focalizá-la de um ângulo que escapa ao domínio do crítico literário e dessa forma responder às nossas e às perplexidades dos leitores, e não para empobrecê-las com diagnósticos clínicos e com sentenças científicas, como não raro insinuam.

" A criação artística e a psicanálise" tornou-se, nas últimas décadas, um dos temas mais sedutores de ensaios específicos da cultura ocidental. A ele periodicamente voltam analistas conhecedores de arte e literatura ou críticos versados em psicanálise. Os estímulos para essas especulações, quer se originem na vertente analítica ou na literária, são fundamentalmente os mesmos: o enigma que a personalidade do artista representa pela sua sagacidade inventiva no plano estético e que o singulariza na sociedade; a esperança de que a visão em profundidade da psicanálise ilumine esse abismo. Portanto, estamos diante de um enigma e de uma esperança!

Os mestres intuitivos da psicologia - filósofos, escritores, poetas, artistas em geral - vêm dizendo verdades sobre a natureza profunda da imaginação criadora desde os tempos da tradição clássica. Assim, não é difícil perceber o quanto a mitologia, a literatura e a filosofia do ocidente estão impregnadas desses conceitos, explícita ou implicitamente. Alguns deles, formulados sentenciosamente, sabemo-los de cor desde as primeiras leituras propriamente literárias, aquelas que fizemos com um enlevo e um fervor bem diferentes do simples interesse pelo fio e o fim da história. Assim, aprendemos com Platão que "a arte é a sublimação da verdade". Aprendemos? Decoramos ao primeiro impacto, na adolescência, porque achamos bonito o pensamento. Por que bonito? Pela mensagem tranqüilizante que as sentenças levam ao ego dos jovens, contribuindo de certa forma para a contenção de seus limites dentro de dimensões animicamente confortáveis. Teriam influído outras motivações menos devassáveis? Por certo, sucessivas gerações captaram poeticamente a simbologia desse conceito, enriquecendo-se com suas sugestões, explorando, em múltiplas variantes, sua elasticidade teórica. No entanto, a densidade do seu conteúdo psicológico latente só foi possível desvendar, na amplitude da sua fecundidade, dois mil e quatrocentos anos depois que os lábios do filósofo a proferiram. E quando teria ocorrido essa compreensão que bem merece foros de científica? Ocorreu quando tivemos meios de penetrar no mundo da fantasia inconsciente. Com efeito, a técnica de investigação psicológica criada por Freud acrescentou uma nova dimensão às ciências do homem: o dinamismo do psiquismo inconsciente. Na história da evolução cultural, este fato adquiriu um significado de elo essencial na seriação das idéias, passando a figurar destacadamente entre as realidades conceituais da nossa época.

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Cyro Martins.
A criação artística e a psicanálise
. São Paulo, Fundação Memorial da América Latina, Coleção MEMO. 2001.

Texto originalmente publicado em A criação artística e a psicanálise.
Porto Alegre, Sulina, 1970.