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Os bárbaros não usam calças * | Imprimir |  E-mail

Franklin Cunha

 

Disseram ter percebido que havia entre nós homens abarrotados de todo o tipo de comodidades e que a metade deles, descarnados de fome e pobreza, eram mendigos postados às suas portas e achavam estranho que essas metades tão necessitadas pudessem tolerar tal injustiça e que não pegassem outros pela garganta e não ateassem fogo nas suas casas.

Dos Canibais, Michel de Montaigne

 

No livro Fio e os Rastros, Carlo Ginzburg conta a surpresa de Montaigne ao conversar com canibais brasileiros que tinham sido conduzidos à França no século XVI. No ensaio Dos Canibais, Montaigne advertia que “não me parece excessivo julgar bárbaros tais atos de crueldade, mas que o fato de condenar o canibalismo não nos leve à cegueira acerca dos nossos”. E acrescentava: “Estimo que é mais bárbaro queimar um homem vivo em nome da fé, como ocorre entre nossos conterrâneos, do que o comer depois de morto. Podemos, portanto, qualificar esses povos como bárbaros em dando ouvidos à inteligência, mas nunca se os compararmos a nós mesmos que os excedemos em toda sorte de barbaridades.”

 

Montaigne viveu numa época de transição como a nossa, entre a moribunda cultura medieval e a nascente era moderna. Assistiu a uma revisão total dos valores morais e materiais do seu mundo, viu morrer uma classe, nascer outra e participou ativamente das lutas por tais mudanças. Em sua vida cultural e política foi um intelectual completo, espécime raro na tal pós-modernidade de tantas e tão contraditórias definições. O fim da história, do socialismo, a morte de Deus, a anunciada morte do capitalismo, da falocracia, a explosão do feminismo e de todas as variedades de sexos e gêneros, parece que se encaixam na dita pós-modernidade, assim como as guerras de extermínio de populações inteiras, a miséria genocida e as soluções propostas por políticas eliminadoras de homens, mulheres e crianças que tanta indignação causaram aos tupinambás em visita à França.

 

Nas indagações que Montaigne fez ao chefe do grupo de canibais, uma foi de onde provinha sua notória ascendência sobre seu povo. A resposta foi que ele tinha o privilégio de marchar à frente dos guerreiros durante sangrentas batalhas. Indagado se em época de paz ele conservava alguma autoridade, respondeu que, ao visitar qualquer aldeia, seus súditos abriam-lhe caminho para que passasse sem incômodo.

 

Concluiu Montaigne que tudo o que ouvira dos selvagens era assaz interessante, “mas que diabo, esses bárbaros não usam calças!”

 

A crueza brutal de nosso cotidiano - com tanta gente que nem calças tem - nos faz lembrar um aviso lido num livro de autor esloveno: “Os fatos desta novela são fictícios e irreais, mas os fatos do mundo em que vivemos nos parecem tão absurdamente irreais que este aviso torna-se completamente desnecessário”.

 

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* Cunha, Franklin. A raiz da Esperança [Ensaios/crônicas/histórias]. Porto Alegre: AGE; 2010.

 

Na obra Raiz da Esperança, Franklin Cunha abre espaço primordial no âmbito da difusão lítero-científica, douta e sábia. Os conceitos e reflexões iluminam o vácuo de uma profunda curiosidade, ao tempo em que estabelecem parâmetros de expressiva intriga intelectual ao correlacionar e identificar o esperma com a esperança.
O já consagrado autor consegue no pequeno grande livro evidenciar e, ao mesmo tempo, imprimir lampejos de poesia céltica num poema científico. Com certeza, após ler Raiz da Esperança, os leitores serão impulsionados a retomar a sua leitura outras vezes.

 

João Gomes Mariante
- Psicanalista, Diretor do jornal MenteCorpo,
autor do livro Três no Divã