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Educação, Cultura, Literatura e Revolução* | Imprimir |  E-mail

Cyana Leahy-Dios**


Pensei em diferentes assuntos a tratar aqui, hoje. Minhas propostas teriam sido

variadas, tentando cobrir o tema deste encontro, que une Educação, Cultura,

Literatura e Revolução, quatro substantivos considerados abstratos, segundo a

Gramática Normativa Tradicional, mas que para mim são concretos, dialógicos, indispensáveis em qualquer nação.

Já iniciei, nestas breves palavras, a fala sobre um dos meus temas favoritos: por

uma gramática inteligente. Em 2009, não caberia mais tanta preocupação com o

Novo Acordo Ortográfico da LP, algo facilmente tratado, identificado e corrigido instantaneamente por simples programas de computação. No lugar de eternas memorizações, considero mais relevante, atual e imprescindível uma reflexão

profunda sobre as normas gramaticais. Para uma proposta educacional

revolucionária, trago aqui, brevemente, três pontos que considero exemplares:

1. é possível, numa democracia, a eterna imposição do gênero masculino, mesmo

se a maioria é feminina? Por que numa platéia de 99 mulheres e 01 homem, devo

usar o masculino, para estar gramaticalmente correta? Será tal ato gramatical

democrático?

2. a gramática da LP foi elaborada no século XV, a mando da Corte Lusitana. Não

terá saído de moda a reiteração repetitiva que memorizamos, sem qualquer reflexão sensata, por exemplo, de termos como adjunto adnominal e adjunto adverbial?

3. alguém já parou para repensar certos valores sintáticos tradicionais,

considerados o princípio fundamental da sintaxe da língua portuguesa? Qual

a diferença entre ‘frase’ e ‘oração’? Que valor extraterrestre terá o Verbo, elemento característico da ‘oração’/reza/prece? Como terei sido mais eloqüente e funcional:

gritando a mera frase Fogo!, ou elaborando o período composto ‘Caros, prestem

atenção ao que lhes digo: sinto no ar um aroma de algo se queimando, e sugiro

que nos apressemos a sair do recinto, que pode estar sendo incendiado, com o que

todos nós, aqui presentes, poderemos estar correndo alguns riscos...’ –

supercomposto de 13 verbos/orações?

Como o tempo urge, deixo perguntas sem respostas, para voltar nossos olhares, especificamente, para o tema do encontro: proponho refletirmos sobre uma

‘educação cultural e revolucionária construída sobre a literatura’. Ou melhor, da

educação literária como metáfora social. O tema me é caro há muitos anos, quando

terminei a licenciatura em Letras (UFF), preocupada com a memorização

anti-reflexiva sobre questões ligadas à Palavra e sua Arte; tentando resolver meu problema, procurei o Mestrado em Educação (UFF), trabalhando dura e

prazerosamente sobre a Leitura, as variadas e possíveis Leituras feitas por

indivíduos, sujeitos sociais. Esses novos caminhos deixaram clara a extensão de

minha ignorância, que tentei aumentar indo aprofundar em renovados contatos

acadêmicos, já sendo docente desta UFF.

Iniciei meu Doutorado em Literatura Brasileira (USP), mantendo o interesse pelos

quatro substantivos abstratos de que trata nosso encontro: Educação, Cultura,

Literatura e Revolução se juntaram em meu tema de estudos, que foi a

‘marginalização da mulher nos cânones literários’. Descobri quatro mulheres

invisíveis pelas quais me apaixonei, por variados motivos: Julia Lopes de Almeida aparentemente seguia os padrões socioculturais impostos à mulher, mas

entrevistava pescadores na semideserta Copacabana do início do século XX; além

disso, admirava e se correspondia com minha 2ª mulher ‘invisível’, a grande Ercília

Nogueira Cobra, que em 1923 publicou Virgindade Inútil, e em 1925 publicou

Virgindade Anti-Higiênica. Presa e torturada, teve os livros queimados em praça

pública no Rio de Janeiro, a capital federal então dirigida por Artur Bernardes. A

figura masculina que se engrandeceu a meus olhos, nessa história, foi a do seu

corajoso editor: um tal de Monteiro Lobato! Quem diria...

Minha 3ª mulher invisível também estaria aqui hoje, conosco: sua exclusão do

cânone está diretamente ligada a seus graves defeitos: uma mulher, negra,

favelada, catadora de papel no lixo, escolarizada por dois anos apenas. Viciada em

leitura, Carolina Maria de Jesus não podia viver sem ler antes de dormir, sem

escrever antes de começar a labuta diária. Educação, Cultura, Literatura e

Revolução reúnem Julia, Ercília, Carolina e minha 4ª mulher, que ainda era viva e se

tornou uma grande amiga, minha anfitriã em Campinas: Hilda Hilst. Além das

denúncias sociais (‘Tu sabes que serram cavalos vivos/ para que fiquem macias/

as sacolas dos ricos?/ Tu gozas ou defecas/ diante do ato sem nome/ o rubro

obsceno dessa orgia?’), encerrou as publicações e premiações ao publicar a trilogia ‘obscena’, especialmente as Cartas de um Sedutor, em que abundam as temidas

obscenidades da nossa língua, como as palavras ‘caralho’ e ‘boceta’.

Complementando meu périplo acadêmico pelos nossos 04 substantivos

pseudo-abstratos, ganhei um Prêmio de Pesquisa na Universidade de Londres, em

1992; com as bênçãos do MEC, lá fui eu, de 1993 a 1996, criar uma nova área de

estudos, incorporada aos cursos de Letras da maioria das universidades nacionais

(excluam a UFF, pois ‘santo de casa não faz milagre...’): a educação literária como

metáfora social. Com ela encerro minha breve fala aqui, orgulhosa de tamanha

coincidência dialógica: educar para a plena cidadania através da arte da palavra

reúne inequivocamente nossas 04 abstrações de hoje: Educação, Cultura,

Literatura e Revolução. Alguém duvida?

Educar sujeitos sociais para a verdadeira cidadania através da Arte construída

sobre o instrumental básico de todo ser humano, a Palavra, é ato revolucionário.

Pois significa eliminar as listas de regras, características, fatos e nomes arrumados

século a século, permitindo a entrada da reflexão sobre o lido, sobre a Arte da

Palavra, elemento fundamental de comunicação, da construção do indivíduo, da

sociedade.

Haveria algo mais a dizer? Culpem minha ampla e profunda, assumida ignorância,

caras colegas, caros colegas. Como leitura básica e obrigatória, sugiriria a todas e

todos a simplicidade profunda de Maria Helena Martins, em O que é Leitura? (Ed.

Brasiliense). É indispensável começarmos a tomar posse de nossas leituras

sensoriais, emocionais e racionais sobre nós mesmas, sobre nossos semelhantes,

sobre a paisagem, sobre a Palavra e suas múltiplas Artes. Assim começamos a

concretizar a união de Educação, Cultura, Literatura e Revolução.

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*Texto apresentado no Ciclo de Debates EDUCAÇÃO, CULTURA E TRANSFORMAÇÃO,

  a 23 de setembro de 2009. Auditório Florestan Fernandes –Faculdade de

Educação /UFF- Campus do Gracoatá – Niterói/RJ.

** Escritora, Tradutora, Editora, Pesquisadora (PhD) e Professora da Universidade

Federal Fluminense (UFF)