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A DUALIDADE ANIMAL-HUMANO | Imprimir |  E-mail

Marcelo Blaya Perez*


Para compreender a dualidade animal-humano basta que acompanhemos a gestação e o desenvolvimento humanos. Na gestação vamos da condição de unicelular, o ovo que resulta da fusão do óvulo com o espermatozóide, à de feto a termo e bebê recém nascido. Nesse período de 280 dias, 40 semanas, fazemos a trajetória que o brilhante Charles Darwin descobriu e nos ensinou. A vida humana começa na condição unicelular, bactérias, e passa por todas as formas de vida animal, antes de chegar à passagem do feto para a condição de bebê recém nascido.

O bebê recém nascido tem quase tudo de animal, mas ainda não desenvolveu o que caracteriza o humano. É nessa condição que irá viver nos 18 meses em que seu habitat é o colo materno e substitutos. Todas as funções que encontramos nos seus semelhantes, mamíferos, tem o bebê até desenvolver a função que o tornará humano, a função que os outros mamíferos não possuem: a representação simbólica de si mesmo, do outro e de

tudo o que o rodeia, no pensar, no falar, no fantasiar e na verbalização dos sonhos. Ao mesmo tempo que desenvolve essa função, o bebê aprende a ficar de pé e a caminhar.

A função simbólica terá aplicações importantes na formação do humano, condição que só é possível graças às estruturas e funções animais que acompanharão a pessoa por toda a sua vida. A duplicidade animal/humana terá implicações importantes no modo de cada um viver. Antes do cientista explicar-nos como funciona essa dualidade, os artistas a mostraram em suas obras de arte. Vou usar três obras literárias para mostrar essa dualidade. Não sei se os artistas que vou citar foram influenciados pela obra de Charles Darwin, A ORIGEM DAS ESPECIES, como veremos mais adiante.

Edgar Alan Poe (1809-1849), nasceu em Boston-USA. Publicou em 1839 o conto WILLIAM WILSON. O conto pode ser lido pela INTERNET, basta teclar o nome. Poe apresenta dois Williams: o que conta e fala em voz alta e segura e o que aparece, esporadicamente, sussurrando sugestões ao outro. William, o da voz alta, conta do seu desagrado quando percebeu, ao entrar no internato, onde viveu 5 anos, que outro William, o da voz sussurante, com características iguais às suas, entrou no mesmo colégio, no mesmo dia e com o mesmo nome, o que teria, segundo ele, levado os outros a pensarem que eram gêmeos. Depois de mais de 20 anos de viver sempre acompanhado pelo William sussurrante, cansou-se e decidiu matá-lo. Quando o crime foi consumado, morre também o assassino. Penso que o William sussurrante seja a parte animal, em geral escondida, desprezada e mal tratada pela parte humana.

O conto ajuda-nos a compreender a vida do autor, morto aos 40 anos. Foi acusado de estar destruindo-se com a bebida, ao que replicou que a embriagues era o seu remédio para livrar-se da dor que a lucidez lhe trazia e que era insuportável.

Robert Louis Stevenson (1850-1894) nasceu em Edinburgo-Escocia e morreu em Samoa. O seu conto, O ESTRANHO CASO  DO DR. JEKYLL AND MR HYDE, foi publicado em 1886. Julgo que é inspirado no WILLIAM WILSON, de Edgar Alan Poe.O Dr. Jekyll é um médico conceituado em Londres e sua casa e consultório estão numa das ruas mais elegantes. A casa tem duas entradas: uma na parte mais nobre da cidade, usada pelo Dr. Jekyll e a outra na nos fundos, usada por Mr. Hyde. Hyde termina assassinando uma pessoa e perseguido e localizado é morto na sala onde está com o Dr. Jekyll. A morte dos dois mostrará serem um, como os dois Wilsons de Edgar Allan Poe.

O nome je+kyll pode significar eu mato, do je francês eu e kill inglês, mato; hyde significa escondido. O argumento se completa ao sermos informados que o nobre e distinto médico produzia uma substância que ingerida o transformava no vilão assassino. E aqui o autor mostra como a transformação é feita pela parte humana que trata o animal, Mr. Hyde, como desprezível, assassino, mulherengo em busca de prostitutas.

Oscar Wilde (1854-1900) nasceu em Dublin-Irlanda e morreu em Paris. Publicou em 1890 O RETRATO DE DORIAN GRAY. Dorian é um jovem cuja beleza leva um pintor, que o admirava, a pintar o seu retrato, que resultou ser uma obra admirável. Apreciar o retrato leva Dorian a pensar que ao envelhecer ele não mais terá a beleza do retrato e imagina como seria diferente se permanecesse jovem e o envelhecimento ocorresse no retrato. O seu desejo se realiza e ele passa a viver de forma escandalosa, danificando aos outros e a si mesmo. Mas conserva a sua aparência juvenil e a sua elegância pois a sua maneira escandalosa de viver só produz a degradação do retrato, enquanto ele é poupado. Como o sussurrante de Poe e o escondido de Stevenson, Wilde põe o retrato numa parte da casa onde apenas ele pode visitar e de vez em quando vai olhar os estragos que seu modo de viver causa ao retrato. Como William e Jekyll, Dorian Gray termina apunhalando o retrato, o que causa a sua morte e a restauração do retrato deformado, à sua forma admirável primitiva, enquanto o seu cadáver passa a mostrar tudo o que antes estava no retrato.

Charles Darwin (1809-1882) publicou sua obra fundamental  ORIGEM DAS ESPECIES em 1859. Como Edgar Allan Poe publicou WILLIAM WILSON em 1839, é provável que não tenha sido influenciado por Darwin. O que pode ter ocorrido com Stevenson, que publicou DR. JEKYLL AND MR HYDE em 1886 e com Wilde, cujo RETRATO DE DORIAN GRAY foi publicado em 1890. No seu trabalho Charles Darwin mostra como se originam as espécies e naturalmente sua proposta da origem dos humanos bate de frente com a da Bíblia. Ao publicar o seu trabalho Darwin foi brutalmente hostilizado por outros cientistas mas principalmente pelos lideres religiosos. Sua teoria precisaria de cem anos para ser aceita, ajudada pelas descobertas de um religioso, o monge agustiniano Gregor Johann Mendel, que demonstrou a transmissão hereditária de caracteres, que lhe vale o título de PAI DA GENÉTICA . Coube ao Papa João Paulo, 158 anos depois da publicação da ORIGEM DAS ESPECIES, reconhecer a teoria que substituía a versão bíblica.

Poe viveu 40 anos; Stevenson, 44 e Wilde, 46. O tempo de vida dos humano está entre 110 e 120 anos; as mortes precoces devem ser pensadas, como nestas histórias, em assassinatos, ou melhor em suicidios. E os três autores mostram como o sussurrante William de Poe, o Hyde de Stevenson e o retrato de Wilde são desprezados, escondidos e tratados tão mal por si mesmos, que culminam com a destruição deles, a parte animal, que determina o fim do humano. O alicerce humano é animal e morto este, também morre o humano.

WILLIAM WILSON foi publicado em 1839, 170 anos atrás. O que Edgar Allan Poe nos mostrou e explicou é que o sofrimento e a tristeza dos humanos se deve ao inevitável acompanhamento animal que o inteligente William, o cientista Jekyll e o charmoso Dorian não podem evitar, nem toleram aceitar, assim como não podemos fazer desaparecer a nossa sombra ou a nossa imagem no espelho. Lembremos de passagem que as figuras míticas, como o lobisomem, não só não tem sombra como não se vem refletidas no espelho. E Poe nos explica que o álcool, que irá mata-lo aos 40 anos, é para ele um “remédio” para fazer o sussurrante William desaparecer de sua consciência. Para Jekyll a solução é manter escondido como escondido ficará o retrato de Dorian.

Como podemos apreciar nesses três trabalhos literários, os artistas nos mostraram, quase duzentos anos antes dos cientistas,  como o animal é desprezado e mal tratado pelo humano. Basta lembrarmos que os humanos, via de regra, tem um representante de si mesmo que pode ser mostrado e que em geral procuram fazer o outro acreditar que é o seu “verdadeiro” eu. O escondido pode surgir nos sonhos e nos atos falhos mas é veemente a negação para os outros e, mais importante, para si mesmo.

O assassinato suicídio não é feito de forma violenta como os artistas descrevem. A imensa maioria das mortes um pouco antes ou um pouco depois dos cinqüenta se deve ao modo de viver dos humanos que não cuidam das necessidades do seu alter ego animal. Esse modo de viver pode ser resumido em três aspectos: (1) o sedentarismo; (2) a alimentação e (3) o relacionamento com o/a outro/a.

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* Médico Psicanalista, Fundador da Clínica Pinel (Porto Alegre)