X Jornada CELPCYRO

img banner

Informe CELPCYRO

Cadastre-se e receba nosso INFORME
Nome
E-mail*
Área de Atuação

Redes Sociais

  • Twitter
  • Windows Live
  • Facebook
  • MySpace
  • deli.cio.us
  • Digg
  • Yahoo! Bookmarks



SOBRE O PSICANALISTA "A PÉ" | Imprimir |  E-mail

Ana Rosa Chait Trachtenberg - Médica psicanalista


Desde que li por primeira vez, há vários anos, o sensível e reconfortante poema de Cyro Marfins - "O Terapeuta", do qual poderíamos dizer que é um tratado dos Direitos do Psicanalista, sinto-me acompanhada permanentemente por eles (me refiro ao poema e ao Cyro). Há um detalhe a comentar, pois o tal poema está afixado num canto íntimo do meu consultório, o que faz dele uma companhia concreta e simbólica, no cafezinho, nas horas de solidão do trabalho analítico, bem como nas horas de alegria e gratificação. O poema decreta, seguindo a Cyro, que terapeuta é gente também, que sente e chora, fica triste e fica alegre, e por aí vai..." Sou de carne e sou de osso e, quero que você saiba isso de mim, E, agora, que já sabes que sou gente, quer falar de você para mim?" nos diz o poeta.

O poeta nos diz umas quantas coisas, sem dúvida, e de um singelo poema teríamos muito a conversar, pois aquilo que parece tão natural é tantas vezes esquecido e desmerecido por cada um de nós, e por fora e por dentro da carne e do osso e da pele, e das sensações e dos sentimentos, nos cobrimos de uma roupagem por vezes grossa, outras tantas grossíssima, defensiva e instrumental sim, mas não somente. A teoria psicanalítica, a técnica, não vivemos sem elas claro, mas também vivemos com elas como roupa grossíssima, sim. E o experiente e humano, misto de psicanalista e poeta Cyro nos convida a olharmos para o nosso interior sem esta roupagem; a nos olharmos a nós mesmos, ao nosso desamparo e à nossa por vezes assustadora nudez psicanalítica. Digo que Cyro nos convida a mirar, brincando com a metáfora do "gaúcho à pé" à nossa porção de "psicanalista a pé".

Solange Medina Ketzer em seu trabalho "As Metáforas na Trilogia do Gaúcho A Pé" no livro Cyro Martins 90 anos fala que o sentido de "andar a pé" do gaúcho pressupõe que ele não dispõe desse cavalo, símbolo de força, valentia, coragem, bravura, o que o coloca numa condição de inferioridade e fraqueza. Este mesmo gaúcho anda a pé porque trilha, "caminhando" o forçado abandono da terra, migrando dolorosamente.

No mesmo trabalho a referida autora cita Cyro, em sua entrevista concedida ao IEL, quando ele diz: "Quero ressaltar o quanto me surpreendi ao descobrir os rincões inexplorados da minha terra, à medida que troteava rumo ao fundo de mim mesmo. "

A artista plástica Miriam Tolpolar, ao depor sobre sua proposta em "Olhares sobre Cyro", expressa sua intenção de "trabalhar com a sensação, o sentimento, a falta, o vazio, a própria morte. Utilizei cores quentes e terrosas, que poderiam remeter à terra (...) A mão que escreve, afaga e aponta. O coração. A cadeira vazia ...".

Vemos alguns pontos de encontro, ou contraponto, que são: terra, andar, trotear, caminhar, calor, vazio, cadeira, força, coragem, fraqueza, morte, para citar apenas alguns. Este conjunto de palavras e imagens pode nos levar a pensar no gaúcho que migra, que se muda, que muda, pelo mundo afora, desamparado, a pé, sem cavalo, sem a sua identidade anterior, desprotegido, e mesmo assim se arrisca, sai troteando pela vida, para encontrar sabe-se lá o que! O perigo do mundo novo, desconhecido e desestabílizador, mas que também representa uma esperança de um novo dia, um potencial de cadeira que se preenche, de experiências e conhecimentos, em busca de uma nova identidade e da renovação diária da confiança. Este é o migrante, "o gaúcho a pé", e é também o "psicanalista a pé" que se anima a trotear pelo seu interior, sem poltrona, desbravando as suas próprias fronteiras, na solidão do cafezinho, sem cavalo, sem defesa, desnudo, humanízado e por vezes assustado, mas na confiança de poder encontrar e reencontrar, a cada dia, após dolorosas troteadas, migrando pelo novo e desconhecido mundo de seus próprios sentimentos, um ser renovado e enriquecido, cada dia mais de "carne e osso".


Ana Rosa Trachtenberg
é Membro Titular da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre e membro Associado da Associação Psicoanalítica de Buenos Aires - IPA