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CYRO MARTINS, PROFESSOR | Imprimir |  E-mail

"Enquanto as águas correm" muitas vezes andamos "sem rumo" "campo a fora", em busca de alguma "mensagem errante". Muitas vezes encontramos apenas uma "porteira fechada". E saímos à procura de uma "estrada nova", que nos conduza a algum lugar onde sintamos a "paz nos campos". Ás vezes, a partir de uma "entrevista", abrem-se à nossa frente as "perspectivas do humanismo psicanalítico". E em meio ao verdadeiro "rodeio" em que a vida pode se transformar, podemos nos beneficiar de uma "orientação educacional" e duma "profilaxia mental". A trajetória de muitos de nós pode-se resumir nos "caminhos" que levam "do mito à verdade científica".

Tal foi o que aconteceu com um antigo rapaz de 20 anos, como diria Drummond, ao deparar-se com a conferência, sob esse último título, proferida por Cyro Martins na Faculdade de Direito de Porto Alegre, em 15 de outubro de 1956, e publicada na Revista da AMRIGS, que teve o efeito de revelar um novo panorama e sugerir o caminho profissional a ser seguido. Quantos não terão tido a mesma influência? Quantos não terão passado por aquele consultório, individualmente ou em grupo? Quantos não terão ouvido as incontáveis conferências, painéis, entrevistas, apresentações de trabalhos científicos? E quantos não terão lido, relido e se confortado nos numerosos livros, artigos e entrevistas? E quantos se alimentaram as aulas, seminários, reuniões científicas e administrativas dessa mescla de cordialidade, experiência, cultura, bom senso e benevolente ironia que caracterizava a personalidade de Cyro Martins, cheia de energia e capacidade de viver e trabalhar?

Fixo-me neste livro e nesta conferência específica - Do mito à verdade científica -, não só pela influência que tiveram sobre mim, mas porque penso que é uma síntese de sua trajetória humana e científica. Nele encontramos o escritor, o médico, o psiquiatra e o psicanalista. Na maneira de formular os títulos e nos próprios assuntos escolhidos temos essa evidência: "avidez e repetição", "um gordo de Dickens", "ontogenia do psiquismo", "24 horas na vida de um masoquista", ou, mais tarde, "juventude sem métrica e sem rima", ou ainda sua surpresa ao não encontrar, em algum lugar do Instituto de Cardiologia, onde fora falar sobre a ética médica, a frase famosa de Raul Pompéia: "O coração é o pêndulo universal dos ritmos".

Essa "mescla milagrosa", de que nos fala Disciépolo no tango "Cafetín de Buenos Aires", cidade em que Cyro conquistou seu "talismã psicanalítico", como ele mesmo diria, lembra de imediato as palavras de um analista insigne, Donald Meltzer(1968), ao falar da psicanálise como atividade humana:" o objetivo é a estabilidade e o segredo é a simplicidade, mas sugiro que o princípio guia é uma tensão equilibrada e próxima ao limite. Só dentro de um marco de trabalho com uma tensão equilibrada pode surgir a misteriosa função da criatividade, que por si só faz com que um analista tenha um lugar numa sociedade científica de seus iguais". A criatividade foi explorada e investigada por Cyro Martins, e por ele exercida em toda a sua plenitude.

Entre as razões porque o admirávamos estava o fato de que Cyro foi um constante e incansável professor: de medicina, de psiquiatria, de psicologia, de psicanálise, de saúde mental. Professor sem cátedra, sem título, sem salário, sem concurso formal ao magistério universitário, mas vencendo galhardamente os sucessivos passos de sua carreira brilhante e mantendo-se sempre atento, ativo, participante, inquieto.

A partir de 1960, foi professor do Instituto de Psicanálise da Sociedade de Porto Alegre, coordenando seminários teóricos de quase todas as matérias e supervisões coletivas. Recordo vivamente sua maneira de abordar o material clínico, ilustrando a interpretação de um sonho com um gesto longo e uma gostosa expressão gauchesca, o que fazia os alunos sorrirem, ao mesmo tempo que fixavam com nitidez o simbolismo subjacente. Mesmo depois de ter-se afastado da atividade regular dos seminários, em meados da década de 80, Cyro continuou a participar das atividades do Instituto, analisando candidatos, supervisionando casos, realizando entrevistas de seleção, enfim, contribuindo com sua presença, muitas vezes silenciosa, mas sempre disponível e pronta para uma intervenção oportuna e de irrecusável bom senso. Ouvir suas opiniões na Comissão de Ensino do Instituto de Psicanálise era presenciar a reafirmação desse contínuo exercício do magistério, agora depurado de formalidades, com aquela capacidade de ir direto ao cerne de uma questão que se observa nos velhos sadios em que a experiência e o conhecimento da natureza humana dão origem à sabedoria.

Já é parte de nossa história a forma como ocorreu a formatura de Cyro e de Mário Martins, assim descrita por ele , em 1993: "... sobreveio a clássica disputa entre a casaca e o linho branco. Houve pleito renhido. Venceu o linho branco. Para Mário e para mim pouco importava a preferência da turma por este ou aquele trajo para a cerimônia solene. Total, contávamos mesmo era com nosso terninho puído, já cansado de guerra. Assim, não por modéstia nem por birra contra os colegas, com os quais nos dávamos muito bem, mas por absoluta necessidade, colamos grau na secretaria da Faculdade. Presentes: os dois formandos e o diretor, o velho Sarmento. Acho que o juramento hipocrático foi rabonado, porque o ato foi brevíssimo. Descemos a escadaria da Faculdade, caminhamos cem metros juntos, nos despedimos e cada um agarrou seu rumo". Esse momento e os sucessivos encontros entre os dois colegas, nos anos seguintes, foram plasmando o caráter de uma Sociedade e da Psicanálise em nosso meio.

Mas o detalhe que quero destacar é que, revendo o Arquivo de Atas da Faculdade de Medicina da UFRGS, encontrei uma correção a essa lembrança de Cyro: não só o juramento hipocrático foi feito por cada um, como ainda Sarmento Leite concluiu a cerimônia com as palavras que então eram usadas: "Lêde e meditai as obras do Pae da medicina. Regule-se vossa vida pela dele e os homens cobrirão de bênçãos vossos nomes. Ide. Podeis exercer e ensinar a medicina". É possível que essa recomendação final, de alguma forma, tenha-se gravado na mente dos dois amigos. Ambos não só exerceram mas ensinaram com toda a generosidade que lhes era peculiar. Cyro, em particular, difundiu a psicanálise com graça , simplicidade e permanente fidelidade ao pensamento freudiano. Nesse trabalho lento, longo e paciente, nessa incansável exposição dos temas psicanalíticos, era o professor em ação, procurando compartilhar as descobertas que o haviam encantado como jovem médico e que nunca cessaram de receber seu afetuoso reconhecimento.

O período final de sua vida foi também conduzido com a mesma dignidade e altivez, sua última lição. Lembrando-o agora, em tantas situações e momentos, em conversas privadas em seu gabinete forrado de livros, ou em encontros sociais ou institucionais, penso na primeira vez em que o vi: foi no Salão Nobre da antiga Faculdade de Medicina, no velório de Paulo Guedes ( em fevereiro de 1969), Cyro proferiu a oração fúnebre, concluindo-a com uma frase que hoje, aplicada a ele, sintetiza os sentimentos dos que fomos seus alunos, colegas e amigos: "Glória a ti, Cyro Martins, que soubeste viver".

Cláudio Laks Eizirik