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Sobre “O Humanismo Psicanalítico e o Holocausto Nuclear”, do Dr. Cyro Martins. | Imprimir |  E-mail

José Luiz F. Petrucci *


Representa para mim um enorme prazer, ao lado de uma grande honra, introduzir um trabalho do Dr. Cyro Martins a quem aprendi a admirar desde os tempos de Faculdade de Medicina não só como psicanalista, modelo que foi para mim já naquela época de uma atividade que era uma meta de minha vida, mas também como grande humanista e escritor.

O trabalho do Dr. Cyro representa mais uma contribuição do homem preocupado com o bem estar do homem. Se, como psicanalistas, adotamos uma postura mais observadora e interpretativa, se não é nossa tarefa, no trabalho clínico, ter opiniões e desejos a respeito do que seria o melhor para nossos pacientes, existe algo que é, sim, um desejo básico sem o qual não podemos ser psicanalistas: o bem estar do homem nosso paciente e por extensão do homem em geral.

Para ajudar o homem é preciso antes conhece-lo, tarefa com um complicador evidente: trata-se de conhecer primeiramente a nós próprios. Nem sempre desejamos saber de nossa realidade.

Fredéric Wertham, em seu extenso ensaio sobre a agressividade humana, “A sign of Caim”, propõe que tomemos a agressividade humana como um efeito, não como uma causa. Começando por este autor, cujo ponto de vista é oposto ao meu, penso em uma busca por retirarmos de nós a responsabilidade pelo que somos e pelo que fazemos. Acredito que está ai a verdadeira ameaça: como mudar se não formos, cada um de nós, responsáveis pela mudança? Segundo o ponto de vista de Wertham, mudando as relações mudaria o homem.  E então meu raciocínio se transfere para as várias tentativas de mudar as coisas, todas inócuas porque não priorizaram o fator fundamental: o homem e sua agressividade como causa.

Mudaram-se regimes, fizeram-se leis, até utopias foram idealizadas, e tudo vem acontecendo, sempre, da mesma forma, como bem diz Dr. Cyro. Se teve o homem momentos de imensa grandeza, como a que ocorreu no período da Renascença, citado por Dr. Cyro, também ali a criatividade do homem quase consegue encobrir para a história as violências cometidas a partir de intrigas palacianas e das atividades de um Savonarola.  Como sempre, se faz presente o lado hostil, belicoso, de nossa espécie. As grandes riquezas têm sido não puçás vezes conseqüência da conquista, da guerra, da violência, portanto. 

Vejamos coisas que ocorrem nos nossos dias: na maior nação democrática da terra um candidato à Presidência da República é ceifado porque tinha uma namorada. Não sei que tipo de pessoas seria, mas pregava o pacifismo. Dias depois uma pesquisa de opinião mostra que o desejo da massa norte-americana: queriam um presidente moralista, e não pacifista.

A cada momento, a nosso lado, vemos quantas vezes a generosidade tem sido igualada à fraqueza: muitas vezes. Demasiadas vezes para para permitir uma visão otimista do homem, mesmo a essas alturas da civilização.

Resoluções pacifistas, é verdade, têm promovido os ditos “embargos de vendas de armas” para nações beligerantes. No entanto tais embargos, sabemos bem, acabam por beneficiar os fabricantes e comerciantes já que essas mesmas armas são vendidas, em mercados paralelos, pelos mesmo fabricantes, aos mesmos compradores, apenas que  agora com lucros muito maiores.  Ora, nesta mesma ordem de coisas, vemos que a indústria bélica é defendida porque, prejudicada, causaria um grande desemprego... a meu ver uma evidente racionalização da predominância da agressividade no homem. Uma lógica absurda, na qual se protege alguns e mata-se muitos.  Absurdo, diria eu? Nem tanto, se conhecemos a ambigüidade instintiva que fundamenta nossas funções mentais.

Pensamos sobre a psicose. Não concordo plenamente com o autor quando a compara à anticultura porque a psicose não é, em si, a mei ver, uma oposição ao desenvolvimento do homem.  Psicodinamicamente a psicose representa etapas fundamentais desse desenvolvimento, e inúmeros vezes suas manifestações ocorrem como uma defesa contra o aniquilamento mental. O Próprio Freud já se havia dado conta disso quando, ao estudar o narcisismo, verificou ser a psicose, como manifestação, não a própria doença, mas um caminho para sair dela. Se o belicoso se permitisse ficar louco é provável que seu caminho não fosse a guerra, mas a busca da cura. Ouso dizer que a loucura não é a doença, a doença são as várias formas que o homem usa para não se dar conta, não se responsabilizar por sua loucura – vale dizer, por seu impulso de morte.

A guerra, em todos os aspectos indesejável, é, isto sim, a conseqüência da imperfeição humana da qual pouco conhecemos e para a qual poucas soluções temos a oferecer, sobretudo nós, psicanalistas. Esta condição imperfeita, se vale o termo, nos é dada pela onipresente e muitas vezes inadequada associação instintiva entre os instintos de vida e de morte. Freud lutou com esta questão durante boa parte de sua vida de psicanalista até chegar a um razoável equacionamento dela em “Além do Princípio do Prazer”, e até o fim reconheceu o quanto faltava para se chegar a uma solução para o homem.  Enquanto isso não ocorrer – se é que um dia ocorrerá – uma atitude cautelosamente pessimista me parece um estímulo para a pesquisa.

Na própria inventividade, na inesgotável capacidade do homem para criar, lá está a fusão instintiva amplamente representada. São bem conhecidos o arrependimento e a depressão de Alberto Santos Dumont ao verificar as possibilidades destrutivas de seu invento. O mesmo com Einstein, com Oppenheimer, com Niels Bohr.

Tem sido sempre desta forma: os conhecimentos que herdamos das várias civilizações chegam até nós em grande parte porque vieram de civilizações de conquistadores. Os limites entre a conquista voraz e a aquisição amorosa não são nítidos, e é neste espaço no qual elas se confundem que está o campo de nossa difícil tarefa como psicanalistas.

Pessimismo? Sim, novamente, de momento pelo menos. Mas não de ceticismo. Como psicanalistas, como os mais qualificados investigadores da mente humana, certamente caberá a nós mostrar ao homem que a saúde mental é muito melhorque a riqueza e o poder desmedidos. 

Não há dúvida que as circunstâncias do momento são alarmantes, porque a capacidade que o homem adquiriu de destruir é total, ou mais, pode destruís várias vezes tudo e todos. Este é o tamanho do problema: a imensidão da capacidade do homem para destruir.

Há um ponto captado por Dr. Cyro que me parece fundamental: a psicanálise, como ciência humanista, não pode, de fato, permitir-se ir na contra-mão da ciência e adotar uma atitude apenas expectante, já que não acredita na inexequibilidade da verdade divina e, portanto, não acredita na imutabilidade do destino. Se a psicanálise conhece a capacidade destrutiva do homem,  também conhece seu potencial amoroso e reparador.

Uno-me ao Dr. Cyro e à Dra. Segal, por ele citada, porque acredito nas possibilidades do homem, acredito e nutro sempre a esperança em sua “cura”. Não poderia ser psicanalista se não pensasse assim.

Finalizo meu comentário lembrando o poeta árabe Al Ma’arri, que viveu a exatamente dez séculos, negando a verdade divina. São dele os versos finais de minha breve introdução ao debate do trabalho do Dr. Cyro.

                         Porque culpar o mundo? O mundo é livre

                        De pecado: a culpa é vossa e minha

                        Uvas, vinho e bebedor são três;

                        Mas de quem a culpa, quisera eu saber –

                        Daquele que espremeu as uvas ou daquele que bebeu o vinho?

                       

Obrigado.      

           

Rio de Janeiro, agosto de 1987.

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* José Luiz F. Petrucci - Médico Psicanalista, Membro Titular da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro. Membro Titular e Analista Didata da SBP de PA.