Jaqueline Rosa da Cunha*

Depoimento

Meu primeiro contato com a obra de Cyro Martins ocorreu de forma singular. Eu tinha quatro anos de idade e minha mãe, ao comprar um eletrodoméstico, ganhou na loja de brinde o livro A entrevista. Achei o fato curioso. Como era eu muito pequena, meus pais não me deixavam pegar a obra, pois tinham medo que eu brincando a destruísse. Diziam que não era coisa pra mim. Eu apenas sabia o nome do livro, e ficava fantasiando quem fora entrevistado. Será que era a minha mãe quando comprou o eletrodoméstico? Os anos foram passando e eu, de vez em quando, folheava o livro, já sabia ler, mas não entendia direito o que ele significava, pois não atendia ao meu imaginário infantil. Cresci e abandonei-o na estante. Passei pelo ensino fundamental, médio e pela graduação sem nunca ter lido nada de Cyro Martins. Então, um dia, já mestre em História da Literatura, resolvi organizar um curso de extensão de Literatura Gaúcha. Estabeleci o cronograma e fui ver em casa o que eu tinha de obras literárias. Qual não foi a surpresa quando olhei para a estante e lá estava A entrevista, de Cyro Martins. Era tudo de que eu precisava. Descobri a riqueza daquela narrativa que durante toda a minha infância eu admirava, de longe, apenas a capa. Mas, essa história tem um outro momento, li o livro, no entanto, o curso não saiu. Abandonei o projeto e parti para outras pesquisas. Anos depois, já aluna do Curso de Doutorado em teoria Literária da PUCRS, Cyro Martins voltou novamente à minha história. O acervo desse autor foi doado à universidade e o projeto de organizar o material incluía o levantamento da fortuna crítica de Cyro Martins nas publicações do suplemento Caderno de Sábado, do jornal Correio do Povo. A partir desse trabalho, descobri o escritor e sua forma de criar. Através de textos críticos pude ter contato com a obra de Cyro Martins e saber como foi a recepção de seus textos entre as décadas de 60 e 80 do século XX. Hoje, sou uma leitora e professora de literatura que admira a obra desse escritor gaúcho que soube mostrar o Rio Grande do Sul com a sua verdadeira cara. As obras de Cyro Martins e a crítica a respeito delas impressionam pela sua relação com o meio social. Poucos escritores demonstraram o interesse pelos dramas humanos da forma como fez Cyro Martins. Acredito que mais do que médico e escritor, ele foi um grande cidadão, pois usou o seu talento para registrar a difícil vida do homem da Campanha, sem a hipocrisia de que a vida no campo, aquela do gaúcho pobre que vive dos árduos trabalhos do campo enfrentando todos os tipos de intempéries para sobreviver, é um paraíso de herói.

*Jaqueline Rosa da Cunha

Doutoranda em Teoria da Literatura na PUCRS, bolsista trabalhando no levantamento da fortuna crítica de e sobre Cyro Martins