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A CASA DAS SETE MULHERES | Imprimir |  E-mail

Renata Pallottini


O recente sucesso da TV Globo, minissérie de Maria Adelaide Amaral e Walther Negrão, baseada em obra literária de Leticia Wierzchowski , narradora gaúcha, nos deixa algumas certezas e por outro lado, algumas dúvidas. Vamos, sem mais delongas, às primeiras.

O potencial do setor de produções da emissora conseguiu uma realização de primeira qualidade; e não era fácil. O teor da história, no roteiro final, predominantemente épico, enfocando cenas de batalhas, perseguições, combates de todo tipo, exigia uma realização muito realista - no sentido de minuciosa, cuidada, ágil, calcada na realidade de época, cinematográfica, digamos - e isso foi conseguido, com o apoio de atores bem preparados, orgânicos, inseridos no espírito de uma história e de um tempo. Primeira vitória, portanto, de uma empreitada em que se apostou muito - em todos os sentidos.

Outra hipótese que nos parece justa e que , mais uma vez, ficou provada : uma coisa é a História e outra a ficção. Isso tem sido dito e repetido muitas vezes, sobretudo pelos ficcionistas que, quando baseiam suas narrativas ( ou dramas, roteiros, filmes) em situações extraídas da História, não se sentem comprometidos com a absoluta fidelidade aos fatos históricos, fatos que, aliás, já por terem sido tratados por seres humanos, os historiadores, são bastante contaminados pela subjetividade. Trocando em miúdos : qualquer fato histórico está sujeito a várias interpretações, dependendo de quem os trata, interpreta, narra . Não existe a absoluta objetividade em termos de História. Partindo dessa premissa , que parece verdadeira - basta que se confrontem os vários níveis de interpretação das origens , motivos, justiça, de uma guerra, por exemplo, dependendo do ponto de vista de cada nação envolvida - os ficcionistas se sentem à vontade para narrar de acordo com os interesses de sua obra. Esses interesses, no caso de uma minissérie como "A Casa das sete mulheres", envolvem problemas de Dramaturgia, entre outros. Trata-se de resolver, da melhor maneira possível, uma história que se deve desenrolar em capítulos, mais de cinqüenta, no caso, que deve privilegiar um número determinado de personagens, nem muito grande nem muito pequeno, que deve ter, também, um número, menor, porém muito expressivo, de protagonistas, que serão interpretados por atores imantados, atores que chamam a atenção do público. Trata-se de criar conflitos interessantes, que devem evoluir e, finalmente, devem resolver-se . É preciso criar personagens verossímeis, cujas reações pareçam verdadeiras e coerentes. Se um personagem protagônico - Garibaldi, por exemplo - hesita entre o amor de duas mulheres, é preciso que se diga (e se mostre) o por quê dessa hesitação. Qual é o caráter do herói ? Como eram essas duas mulheres ? Quais as suas características ?

Provavelmente, nada disso estava posto em termos históricos ou, se o estava na ficção original, não era feito nas condições exigidas por um trabalho de ficção televisiva: épico-dramático, parcelado, expresso em diálogo, com necessidade de criação de expectativas , com ênfase em histórias de amor passíveis de resolução em imagem... a imagem , no caso, sendo a base de tudo.

Não se pode esquecer, inclusive, um grande motivo de desconforto para qualquer escritor de televisão: a aferição de audiência, vulgarmente chamada de "o ibope" . Essa aferição, a cada dia mais minuciosa e detalhada, informa, para o bem e para o mal, todos os produtores de uma telenovela, minissérie , seriado; de qualquer programa, enfim, que se transmita por TV. Não é verdade que o ibope determine os caminhos de uma produção televisiva . Mas, com certeza, ajuda a norteá-la; como já foi dito alhures, se é verdade que podemos idealizar um espetáculo de teatro ou um filme cinematográfico destinado a poucos, isso certamente não acontece com um programa de TV. Este veículo de comunicação precisa comunicar-se, necessita audiência, sem o que não se justifica.

Nada a ver, é claro, com as concessões ao mau gosto, `a vulgaridade , que têm justificado certas aberrações desse veículo. Tudo tem limites e a guerra pela audiência deve, também, tê-los.

Essas seriam as certezas, tão relativas; mas, e a dúvidas?

Uma das primeiras tem sido objeto de discussão e divergências entre os próprios produtores do conjunto ficcional televisivo: será que a minissérie não seria um produto de melhor qualidade, melhores condições de realização , desde o roteiro até a interpretação de atores ? É claro que um dramaturgo se sente mais à vontade para escrever seu texto se pode dominá-lo do começo ao fim, se não está sujeito às vicissitudes do tempo, às mudanças ocorridas no contexto real (enfermidades, mortes, rupturas ), aos caprichos do ibope. É claro que se torna preferível um texto de , no máximo, cinquenta capítulos, a um de mais de duzentos, onde as histórias se repetem e se enovelam artificialmente, os clichês são necessáriamente mantidos, e o trabalho alongado, de mais de oito meses contínuos, acaba por entediar e desgastar o público, o escritor e os próprios atores.

Além disso, é notório o mal-estar de que sofrem alguns atores, quando são obrigados a modificar o curso de seus personagens sem nenhuma razão conhecida. O ator fica impossibilitado de desenhar um retrato do caráter que lhe foi dado interpretar, uma vez que não conhece o verdadeiro caminho do seu personagem - tendo-se em vista que, de fato, nem mesmo o proprio autor domina esse caminho desde a sua criação inicial !

Assim, quando se pensa no modelo telenovela, longa, aberta, sem fim pre-determinado, cheia de histórias de amor às vezes gratuitas, dependente dos repetidos triângulos amorosos, e se imagina próximo o seu fim, como gênero, é frequente que se sugira ser a minisserie a sua herdeira natural.

No entanto, a minissérie padece de alguns defeitos graves: como no caso presente, o de "A Casa das Sete Mulheres" , muitas delas se baseiam em obras literárias conhecidas. Vejam-se os casos de "Os Maias" , "A Muralha" , "Anarquistas, graças a Deus" , "Memorial de Maria Moura" , etc. Ora, esta circunstância, se por um lado estimula a leitura do texto original - o romance, o conto, a peça teatral - por outro tira ao trabalho de TV o seu ineditismo. Muitas pessoas vão, de fato, à procura do original apenas para conhecer o destino de certos personagens mais marcantes. A minissérie tem contra si o fato de ser a sua fonte acessível, ao contrário da telenovela, onde nem mesmo a sinopse é garantia de acesso ao destino dos protagonistas.

Outra questão referente à estrutura dramática diz respeito à criação de expectativa a cada fim de capítulo, ao "gancho" . Este recurso é o que motiva o telespectador a voltar a ver o capítulo seguinte. Cria-se artificialmente uma espécie de ansiedade própria do gênero, e que foi herdada do romance em folhetins, publicado nos jornais do século XIX, passando pelo cinema, nas velhas fitas em série e pelo rádio nas radio-novelas.

Ora, preocupações de outra espécie na criação do gênero fazem que a construção do suspense não seja uma opção preferencial dos autores. Naturalmente, ciente de que o ineditismo da trama principal, ou da história em si não pode ser totalmente garantido, o autor opta por contar a sua versão dos acontecimentos com mais cuidados na estruturação do que, propriamente, na montagem de expectativas.

Um êxito de realização, de crítica e de público como foi o de "A Casa das sete mulheres" dá mais munição aos defensores da minissérie como o gênero dramático televisivo do futuro. Mas só esse mesmo futuro nos dirá se o porvir ficcional da TV irá por esse caminho, ou pelo caminho da chamada "sitcom ", dos seriados, ou pela conservação da boa e velha telenovela.

Renata Pallottini é poeta, dramaturga, roteirista de cinema e televisão.


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