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CENTENÁRIO de LILA RIPOLL - Poemas | Imprimir |  E-mail

Poemas


DE MÃOS POSTAS, 1938

VIM AO MUNDO EM AGOSTO

Sou triste de nascença e sem remédio.
Vim ao mundo no triste mês de agosto
o mês fatal das chuvas e do tédio,
e nasci quando o sol estava posto.
Vim ao mundo chorando... (o meu presságio!)
Um vento mau marcava na vidraça
o plangente compasso de um adágio,
anunciando agoirento uma desgraça.

Sou triste. É irremediável este mal.
E eu não quero curar minha tristeza.
Só ela para mim tem sido leal,
Na minha via-sacra de incerteza.

Sou triste de nascença. É mal sem cura.
A vida não desfez meu nascimento.
Sou a menina triste e sem ventura,
que em agosto nasceu, com chuva e vento.



SERÃO TRISTE

Oito horas. A sala bem vazia
A lareira está acesa. Mas que frio
aqui dentro. Que frio! Dia por dia,
esta chuva a descer, igual a um rio.

Coloco minha manta sobre os joelhos.
Os pés sobre a lareira. Olho. Penso.
Outra sala no fundo dos espelhos.
Uma mulher sentada. Tem um lenço

apertado entra as mãos. Chorou, talvez...
Ninguém. Tudo parado. Tudo morto.
Imagino uma história: “Era uma vez...”
O vulto lá do espelho está absorto”

Que pensará assim tão distraído?
O olhar está tão vago! Tão ausente!
Parece um pobre pássaro ferido
que perdeu o seu vôo, de repente.
O cristal que reflete a sua imagem
não mostra os pensamentos que ela tem.
O espelho é um lago triste, sem miragem,
dentro da sala fria e sem ninguém.

As brasas não aquecem quase nada.
Há um ambiente mortal de desconforto.
Nenhum ruído. Nem passos na calçada.
Tudo imóvel. Parado. Tudo morto!



Retrato

Chego junto do espelho. Olho meu rosto.
Retrato de uma moça sem beleza.
Dois grandes olhos tristes como agosto,
olhando para tudo com tristeza!

Pequeno rosto oval. Lábios fechados
para não revelar o meu segredo...
Os cabelos mostrando, sem cuidados,
Uns fios brancos que chegaram cedo.

A longa testa aberta, pensativa.
No meio um traço, leve, vertical,
indicando uma idéia muito viva
e os sérios pensamentos: — o meu mal!...

O corpo bem magrinho e pequenino.
— Sete palmos de altura, com certeza. —
Tamanho de qualquer guri menino
que a idade, a gente fica na incerteza!

E nada mais. A alma? Ninguém vê.
O coração? Coitado! está bem doente.
Não ama. Não odeia. Já não crê...
E a tudo vive alheio, indiferente!...

Meu retrato. Eis aí: Bem igualzinho.
O espelho é meu amigo. Nunca mente.
No meu quarto, ele é o móvel mais velhinho.

E sabe desde quando estou descrente!...

In: RIPOLL, Lila. Ilha difícil: antologia poética. Sel. e apres. Maria da Glória Bordini. Porto Alegre: Ed. da Universidade/UFRGS, 1987. p.16



NO CASARÃO

Nasci num casarão velho, de esquina,
Escondido entre salsos pensativos.
E foi lá que a minha alma, ainda menina,
Olhando dia e noite os poentes vivos,
Aprendeu a viajar no pensamento.
Eu fui uma criança sem infância.
Senti, desde pequena, esse tormento
Que o sonho traz depois de cada ânsia,
E que é o maior dos males que conheço!
Às vezes, noite alta, eu levantava,
Vestia minha roupa pelo avesso
E saía sozinha (a lua espiava!)
Para olhar as estrelas e os céus altos...
O quintal era um mundo diferente,
Que eu percorria sem temer assaltos.
Meu corpo, que já era um pobre doente,
Tiritava de frio e de emoção
Quando o vento arrepiava os velhos salsos
Que arrastavam os braços pelo chão...
Meia-noite... Fantasmas... Bruxas brancas...
Eu sozinha vagando pelo escuro...
Minha casa fechada com mil trancas,
E as pedras a cair do velho muro...
Quando a lua fugia, já cansada,
Meus passos, silenciosos, apagados,
Voltavam pelas pedras da calçada
Que a nossa casa tinha de um dos lados.
De manhã: os olhares, as perguntas...
(Eu estava tão branca. Tão sem cor.
As olheiras iguais às de defuntas...)
— "Era o vento!" "Era o frio!" "Era o calor!":
A mentira que achava na ocasião...
E de noite, outra vez, às escondidas,
Abandonava o velho casarão...



CORRENTES

Tantos e tantos caminhos
e os meus pés aqui parados
na negativa de andar.
Cansei a boca e o desejo,
desenrolei pensamentos,
pedi, pedi que seguissem
e eles ficaram imóveis,
como rocha junto ao mar.

Há correntes invisíveis
enroladas no meu corpo.
- Ninguém as pode partir”-
Fico parada às estradas,
encho a cabeça de sonhos,
atiro as mãos para a frente
mas nunca posso seguir.

Minha roupa às vezes toma
a forma exata de um barco
que morre por navegar.
Mas - ai! de mim! - faltam remos,
a água vem, vai e volta,
molha meus pés invisíveis
e as correntes não me deixam.
- Meu destino é renunciar. -

Os caminhos estão claros
e há um convite sem medidas...
- Ah! partir minhas correntes! -
Prisioneira do meu corpo,
sobem ondas de desejos,
descem ondas de esperanças -
vai e vem soturno e triste
como a água das vertentes!

Pode a Vida fechar todos
os caminhos que me abriu.
Meus pés não querem andar.
Falei sempre inutilmente...
Minha boca é um traço triste
que perdeu seu movimento
de pedir... sem alcançar...


Da Série POEMAS INÉDITOS

POEMA VI

Hoje pensar me dói como ferida.
O próprio poema não é poema.
Tem qualquer coisa de trágico.
De pétalas descidas.
De véu cobrindo o retrato
de um morto.

Hoje pensar me dói como ferida.
Mas é uma imposição - pensar.

Não quero estado de graça,
nem aceito determinismo.
Só a morte é irreversível.

A opressão do azul
aumenta meu conflito,
e é cruel escutar as razões
da razão.

Quisera repartir-me
no cristal da manhã.

Ser um pouco daquela rosa
tocada de irrealidade;
da tênue luz ferindo
o espelho do rio;
daquela estátua pudica
que parece ter ressuscitado
a inocência.

Mas em vez disso,
aqui estou:
queimada em pensamentos,
quebrados os instrumentos
do sonho.



FLORESTA

De olhos fechados
mergulho em teu ventre.
perfumes se encontram
no meu rosto. Braços
apanham meus cabelos.

Braços leves, pesados,
amorosos ou rudes,
Braços de cedro
ou espinheiro,
de parasitas
ou cravos selvagens.

No ar e na boca
um gosto de erva
amanhecida. Um gosto
de coisa lavada.
Um ar de chuva
e terra. Um gosto
de mundo amanhecendo.

Oh, enveredar
por esse mundo livre
e ser uma entre as árvores
que formam o volume
do teu rosto.

Enveredar por esse mundo livre.
Conhecer a geografia
do teu peito. Misturar-me
à conversa das folhas
e adivinhar o casamento
secreto das raízes!



O Coração Descoberto (1961)

Grito

Não, não irei sem grito.
Minha voz nesse dia subirá.
E eu me erguerei também.
Solitária. Definida.

As portas adormecidas abrirão
passagem para o mundo

Meus sonhos, meus fantasmas,
meus exércitos derrotados,
sacudirão o silêncio de convenção
e as máscaras de piedade compungida.

Dispensarei as rosas, as violetas,
os absurdos véus sobre meu rosto.

Serei eu mesma. Estarei
inteira sobre a mesa.
As mãos vazias e crispadas,
os olhos acordados,
a boca vincada de amargor.

Não. Não irei sem grito.

Abram as portas adormecidas,
levantem as cortinas,
abaixem as vozes
e as máscaras —

que eu vou sair inteira.
Eu mesma. Solitária.
Definida.