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CENTENÁRIO de LILA RIPOLL - Depoimentos | Imprimir |  E-mail

Depoimentos


Conheci Lila Ripoll por volta dos anos 40. Era pianista, professora de piano e maestrina de uma banda de música. Tinha ela 36 anos quando o nosso comum amigo Ovídio Chaves disse-me: “Sabes? a Florzinha” (nós lhe dávamos o apelido de Florzinha porque ela era uma criatura muito meiga, muito sensível), “a Florzinha me confessou que estava sentindo umas coisas que só podiam ser ditas em poemas, mas que não sabia escrever poemas. Eu então” (continuou Ovídio), “ensinei-lhe a forma métrica mais fácil, que é das trovas porque é a mesma das trovas populares”. Isto explica por que os poemas de Lila são quase todos escritos nos chamados “versos menores”, mas a poesia deles é grande.

Muito tímida, tinha medo de mostrar-me os seus poemas, pois eu sempre dizia o que pensava quando alguém me mostrava os seus versos. De modo que foi o Ovídio quem me deu a conhecer o primeiro poema de Lila: “Piedade para os meus mortos”, que é nada mais nada menos que um dos grandes poemas da poesia lírica brasileira. Disse eu a Ovídio: “E tu ainda me vens com esses ares protetores pra cima da Florzinha! Quem te dera um poema como esse!” Ovídio concordou.

Quando Lila escreveu um número suficiente de poemas, creio que foi o seu conterrâneo Cyro Martins quem a levou a inscrever-se num concurso da Academia Brasileira de Letras. Ganhou o primeiro prêmio.

Estas as recordações que eu tenho de Lila Ripoll, grande poeta, grande amiga e uma das grandes saudades da minha vida.

MARIO QUINTANA, Porto Alegre, novembro de 1986

Esta idéia de relembrar Lila Ripoll resgata a possível injustiça que se estivesse fazendo em torno de sua pessoa e obra. Porque os vivos são demasiados eloqüentes e operosos, e geralmente ocupam-se demais de seus retratos no espelho, para abrir espaço aos que morreram, sobretudo aos que se foram tão discretamente, depois de terem vivido tão discretamente, como Lila Ripoll. Lembro-me dela como afetuosa amiga. Sua atenção, sua forma lírica de ser e de se expressar, a memória um pouco legendária de sua atuação política, e até de mistérios de amor que se escondiam sob aquela fala mansa, aquele desejo tímido de refletir numa aparente passividade. No entanto, possuidora de expressão, determinação, engajamento numa ideologia social das mais transparentes e missionárias. Lembro-me de quando programei para a coleção de antologias poéticas da Editora Leitura S.A. um volume com seus poemas. Lembro-me de como lutei por aquela edição, para fazer justiça e uma das vozes femininas mais importantes da lírica brasileira, ao lado de Cecília Meirelles e Henriqueta Lisboa. Eu tinha uma secreta intuição de sua partida. Agora este volume vem levantar mais uma pequena chama sobre sua memória, e acho oportuno alertar para a necessidade de se lançar, em edição ao mesmo tempo didática e abrangente, sua obra completa. Que seja, além do mais, um volume graficamente bonito e profissional, desses que se dedicam aos melhores poetas, pois a voz de Lila Ripoll merece frasco de cristal. Sim, lembro com saudade dessa mulher pequena, sorridente e sofrida, enfrentando a morte com uma placidez santificada. Na última vez que nos vimos, ela estava no limiar, e não teve uma palavra de amargura. Posso afirmar que com ela entendi aquela urgência do aprendizado da morte como complemento natural da vida. Ocorre-me, nesta breve fala, desenhar seu retrato através de um trecho de um poema de seu primeiro livro, intitulado De Mãos Postas e publicado em 1938.

Disse ela:
Parece um murmúrio
de asas, de folhas,
de água da chuva,
caindo na grama
sem explicação.

WALMYR AYALA, Rio de Janeiro, novembro de 1986

A lembrança que tenho de Lila é fugaz - uma mulher pequenina, clara, cabelos ruivos, atravessando uma rua de Porto Alegre - lá vai Lila, disseram-me, e eu fiquei olhando pasma como se de repente um mito se houvesse tornado palpável. Falava-se muito nela: sua coragem, sua luta no Partido, sua firmeza de caráter. Como contrapartida, uma poeta sutil, delicada, feminina.

Só muito mais tarde, já residindo no Rio, recebi sua Antologia poética pelas mãos de Walmyr Ayala. Penso que apenas então comecei realmente a conhecê-la. Sua poesia confessional a definia: “Sou triste de nascença. É mal sem cura” ou ainda “Sou tímida e triste”. Seus poemas falavam de solidão, impossíveis viagens: “Só desejo fugir desses lugares”, sofrimento, morte, amores infelizes: “O amor é planta inventada, impossível de tocar”. Nenhuma fantasia, nenhum detalhe materialmente sensível poderia exprimir melhor a idéia desse amor platônico, condenado pela sorte a uma impossibilidade. Seus poemas e canções são a expressão essencial de uma melancolia, a única melancolia real, a que pressupõe desesperança. Seu credo político faz-nos crer que a tristeza em Lila Ripoll não era uma tristeza cristão, nostálgica de um céu onde tudo se redime e se transforma em felicidade. Em Lila, a melancolia é radical: “Há um cipreste / negro e triste ; enxomrando / meu destino”.

Para José Guilherme Merquior, “lírico seria o poema onde, em tempo interior, se dá a consciência emocional, a revelação do mundo mágico”. Nada mais representativo desse lirismo em Lila do que o seu magnífico poema “Cantiga de Roda”:

- Ai! joguem terra em meu corpo,
mas deixem meu coração.

- Ai! joguem terra em meu corpo,
mas poupem meu coração.

Botem terra no meu corpo,
mas plantem manjericão!

Nos caminhos das lides poéticas, todas as formas são válidas em Lila - a evocativa, a lírica, a profética. É um acerto reavaliar seu trabalho, para que os jovens de hoje não resvalem no vazio dos modismos insidiosos, não se percam da verdadeira poesia, a invisível, a que toca de leve a fímbria de seus versos e permanece intacta no mundo.

LARA DE LEMOS, Nova Friburgo, novembro de 1986

Quando a conheci? Sim, foi na nossa terra natal, Quaraí. Estudante em férias, fui visitar o seu primo-irmão e irmão de criação, Waldemar, um impetuoso líder estudantil de dezoito anos. Portanto, três anos mais velho que eu, que andava então pelos quinze.

Waldemar era afável, acolhedor, fala macia, embora essa mansidão ocultasse um temperamento vulcânico. Sua Bíblia era e seria até sua morte a obra de José Enrique Rodó, especialmente “Ariel”. Rodó, o cativante ensaísta latino-americano da época, conquistara largo prestígio entre a mocidade intelectual do Continente. Através de Rodó, Waldemar ligava-se à América Latina e ao mundo. “Tapera”, de Alcides Maya, inspirara-lhe os primeiros contos regionalistas, nos quais predominava a preocupação da façanha.

Na casa de Florentino e Dora Ripoll, pais de Lila, encontrei Waldemar ainda aluno do Colégio Militar, de Porto Alegre.

Lila, uma menina lírica por natureza, um suspiro. Filha única. Lila e Waldemar criaram-se como irmãos e “namorados”. Era voz corrente. Desde Quaraí. Podia ser pura invenção da fantasia popular ou pura poesia.

A personalidade de Waldemar, coercitiva, manteve a prima num recolhimento quase monástico. Para a jovem Lila bastava-lhe admirá-lo.

Mas sobreveio a tragédia do assassinato de Waldemar, crime político hediondo. O bravo vexilário tombou aos 28 anos. O sofrimento, a viuvez sentimental, fez com que a lira sutil e suave de Lila Ripoll não mais se mantivesse encarcerada. A dor era por demais mortificante. Um de seus poemas chama-se “Eu Preciso Viajar”. “Eu preciso viajar. Andar. Viajar um pouco”. Esse verso, na sua exemplar clareza, simplicidade e economia verbal anuncia a obra poética que estava nascendo.

Lendo seu livro de estréia, “De Mãos Postas”, tem-se a impressão de que ela, no silêncio e no recolhimento, já escrevia desde muito tempo, tal a comunicabilidade fácil com o leitor. Lila fazia poesia despojada de todo artifício, com uma visão global da vida diluída na dor.

Estive com ela durante seus últimos momentos. Os amigos ansiavam para que chegasse a tempo de encontrá-la ainda com vida e lúcida sua “Antologia Poética”, lançada pela Editora Leitura S.A. em convênio com o Instituto Nacional do Livro. Não nos foi possível participar com ela dessa alegria derradeira. A morte chegou antes.

Lila Ripoll foi um raro exemplar de pessoa na qual o sentimento lírico, profundamente arraigado no seu espírito, congraçava-se com um temperamento de lutadora inflexível pelos seus ideais políticos. Entretanto, manteve seu estro poético não engajado nas lutas partidárias. Sua poesia paira acima das divisões ideológicas. É uma condenação implícita às ignomínias que enfeiam a vida. E no fundo do seu canto melancólico ressoa um apelo ao reino da paz e da beleza.

CYRO MARTINS, Porto Alegre, dezembro de 1986