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ACHADOS - Horizonte | Imprimir |  E-mail

Este espaço se liga à organização do acervo de Cyro Martins, no projeto Pro-Memória: buscamos esparsos de autoria dele e a seu respeito, tais como artigos, entrevistas, correspondência, depoimentos, material iconográfico, gravações em áudio e vídeo, trabalhos escolares e/ou acadêmicos.

"HORIZONTE"
Entrevista o Escritor CYRO MARTINS

Registramos com prazer o retorno do médico e escritor Cyro Martins, ao nosso meio, após uma permanência de quatro anos em Buenos Aires, onde realizou um curso de especialização. Cyro Martins, que é um velho amigo de HORIZONTE, concedeu-nos a entrevista que a seguir publicamos.

- Desejaríamos conhecer os seus planos no terreno da literatura.

- Se me perguntassem se tenho algum livro em projeto, diria que sim; mas, como compreendo o sentido da pergunta, respondo que, referente à ficção, não tenho nenhum plano atualmente.

- Sobre o movimento literário na Argentina e as tendências que observou, nos poderia dizer alguma coisa?

- Durante todos esses anos que vivi na Argentina, estive tão absorvido pelos meus estudos de medicina, que não pude entrar nisso que se chama "o meio literário" e tomar-lhe o pulso para verificar se havia um "movimento". E' verdade que conheci um ou outro artista: escritor poeta ou pintor. Mas daí a estar em condições de opinar sobre a literatura argentina contemporânea, vai uma distância muito grande. Não obstante, observando superficialmente e à margem da vida literária, fixando-me de vez em quando nos suplementos dos domingos, numa que outra revista ou percorrendo as livrarias, o efeito que me produzia o "movimento" literário argentino atual era que não existia um tal "movimento". Existem poetas e novelistas que, de longe em longe, empenhando-se junto a editores amigos ou editando por conta própria, tiram pequenas edições para um público indiferente à obra nacional. Também, vejamos se a atitude do público não é positiva: de um lado estão uma meia dúzia de "poetas" intitulados supra-realistas, escrevendo coisas que, distantes de possuírem a espontaneidade que pressupõe o supra-realismo, são pura e simplesmente "cavadas"; de outro, o grupo conservador e reacionário da revista "SUR", de Victória Ocampo, uma senhora riquíssima que sempre está jantando ou tomando chá com uma celebridade em Paris ou Londres. Pelo menos é assim que costuma apresentar-se invariavelmente nos seus artigos. A essa gente, tanto os do primeiro como do segundo grupo, o regime peronista permitia que escrevesse, por inócua.

Mas seria uma injustiça da minha parte não reconhecer a ação limitadora e nefasta do peronismo sobre toda e qualquer manifestação intelectual espontânea que ambicionasse contribuir para que o povo adquirisse consciência da sua condição de explorado na sua boa fé.

- E não circulam publicações literárias progressistas, como no Brasil e demais países latino-americanos?

- Em julho de 1953 surgiu "Capricórnio", revista de literatura, arte e atualidades, dirigida por Bernardo Kordon. Essa revista me interessou, mesmo porque tive oportunidade de conversar algumas vezes com o seu diretor, homem muito afeiçoado à literatura e aos assuntos brasileiros. Uma ocasião, em sua casa, li um artigo seu sobre o carnaval carioca. Uma página vibrante, colorida, na qual estava bem captado o espírito e a significação da grande festa popular brasileira.

- E que mais nos diz de "Capricórnio".

- "Capricórnio" era uma revista de aparência modesta, porém de molde moderno, tanto no que diz respeito ao formato, quanto em relação à matéria selecionada que publicava. Mas não durou muito, alcançando apenas o 8º número. Ouvi dizer que o seu fechamento foi conseqüência da publicação do memorando dirigido à Comissão Especial das Nações Unidas sobre o trabalho forçado nos Estados Unidos. Aliás, um documento impressionante.

- E há interesse pela nossa literatura, em especial pelo regionalismo riograndense, entre intelectuais e a gente do povo, já que o nosso regionalismo literário tem as mesmas bases gauchescas que o platino ?

- Esta pergunta se prestaria para uma larga dissertação, mas nem eu disponho de muitos elementos concretos, no momento, para o desenvolvimento de uma tal exposição, nem HORIZONTE conta com espaço para mais do que o previsto, para esta entrevista. Entretanto, tentarei um resumo do que posso dizer a esse respeito. De um modo geral, a ignorância dos argentinos referente ao Brasil, aos seus homens, à sua história, à sua geografia, à sua cultura, é espantosa. Claro que há exceções, como sempre. Agora mesmo acaba de referir-me a Bernardo Kordon, grande amigo e conhecedor do Brasil. Mas o mesmo Kordon, que gosta de contar como desde mocinho viajou pelo Brasil, entrando por Livramento e indo de trem até S. Paulo e Rio, e que ainda surpreendeu o nosso gaúcho revolucionário e o provisório de 23, Kordon, com todo seu simpático interesse pelas realizações culturais e com um conhecimento bastante extenso do Rio, de S. Paulo, de Goiás e da Bahia, ignora a nossa literatura gaúchesca, nunca ouvira falar num Simões Lopes Neto, num Alcides Maya, num Amaro Juvenal.

Há mesmo surpresa na Argentina, quando lhes dizemos que também nós temos gaúchos. Da nossa história, da nossa amada guerra farroupilha, não têm a menor notícia.

- Mas algum escritor de língua portuguesa hão de conhecer?

- Certamente. Dos modernos, o que é realmente lido, pois tem todos os seus livros traduzidos e editados em Buenos Aires, é Érico Veríssimo. Dos antigos, Eça de Queiroz. Com uma que outra obra traduzida, encontramos Machado de Assis, Graciliano Ramos, Jorge Amado, José Lins do Rego, Bilac, Euclides da Cunha, Graça Aranha.

- E quanto ao movimento editorial na Argentina?

- É intenso, se bem que menor que alguns anos atrás. Tive oportunidade de ver, em junho deste ano, uma exposição feira do livro argentino. Melhor seria dizer do livro editado na Argentina, porque a grande maioria eram traduções. Essas em geral são cuidadas. Traduzem muitos livros científicos, coisa que não se dá no Brasil. Isso se explica pelo enorme mercado com que contam os livreiros argentinos: toda a América Latina.

- Cremos que numa entrevista se pode pular de assunto sem maior cerimônia.

- Eu também acho.

- Poderíamos conhecer sua opinião, sobro o realismo na literatura?

- Opinião, é uma palavra grave. Quando muito me atreveria a dar um palpite, pois isso já é intrometer-me no setor das críticas. Em primeiro lugar, suponho que a pergunta não está completa na sua formulação. Penso que você quis referir-se ao realismo socialista, porque sobre o significado do realismo, no terreno da literatura, já correram rios de tinta. Uma novela pode resultar de grande utilidade social, assim como pode ser socialmente fútil. As deste gênero, estão, dentro da literatura, no mesmo plano que ocupam, na política, os partidos sem programa e sem ideologias. Oportunismo puro!

Seja como for, a obra literária - aspecto da vida, reflexo da vida - condiciona-se à pressão dos tempos através do autor. Daí, em crítica, não se poder nunca, se se quer acertar, separar a obra do escritor. O livro, como tal, como substância que se agarra e como letra que se lê, é algo objetivo, mas sempre impregnado do subjetivismo do autor. No meu entender, o realismo socialista visa situar uma determinada realidade social, desagradável ou realizadora dentro dos rumos da filosofia marxista.

- E quanto à sua obra, que fins visou?

- Bem, eu sempre procurei colocar o homem rio-grandense em relação de angústia com o drama social de nossa terra. Não se assuste com a palavra angústia. Assim como o doente neurótico que não chega à angústia não se cura, também os povos que não se angustiam com os seus problemas, não os resolvem nunca.

(In: Horizonte. Porto Alegre, Ano VI, nov. de 1955, no. 31, p. 7 e 30)


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