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Psicanálise e Cultura | Imprimir |  E-mail

Desde o seu surgimento, a psicanálise teve uma relação ambivalente com a cultura em que se inseria. A nova disciplina, surgida em Viena no final do século passado, propunha uma visão crítica da sociedade, privilegiando as motivações inconscientes para os comportamentos individuais e grupais. Ao mesmo tempo, procurava ser aceita socialmente, como uma disciplina científica respeitável, que oferecia um novo e revolucionário tratamento para os problemas mentais.


Embora a recepção inicial pela sociedade tenha sido fria e até mesmo hostil, as idéias psicanalíticas progressivamente foram tendo aceitação e, em graus variáveis, conforme cada local, chegaram a ter uma enorme influência sobre a cultura ocidental. Freud é considerado um dos principais pensadores do século XX, e por muitas décadas suas contribuições dominaram o cenário psiquiátrico, psicológico e das demais áreas da saúde mental, bem como tiveram marcante presença no mundo das artes e na forma de entender as manifestações emocionais das pessoas, das famílias e dos grandes grupos.


Essa tendência passou a ser modificada, a partir da década de 80, quando passaram a ser observados questionamentos acerca da relevância da psicanálise como uma disciplina com poder exploratório e com um método de tratamento de eficácia demonstrável. Como destacou recentemente Otto Kernberg, o atual presidente da IPA (Associação Psicanalítica Internacional), a cultura humanística, preocupada com o desenvolvimento e a maturação do indivíduo, com a auto-exploração e a subjetividade, está sendo questionada por uma tendência cultural à adaptação imediata e à eficiência social, que tem levado a um menor interesse pela psicanálise por parte das elites culturais.


Teria realmente a psicanálise perdido sua relevância social? Os modelos explanatórios introduzidos por Freud e desenvolvidos e aprofundados por seus seguidores já não nos servem mais? Teriam os psicanalistas adquirido uma postura arrogante, atribuindo-se a convicção de que são os sujeitos do suposto saber, como diria Lacan? Teria o método de tratamento analítico perdido sua utilidade? Seria ainda justificável o dispêndio de um tal esforço psíquico de tempo e de dinheiro, se agora dispomos de drogas eficazes e de tipos de psicoterapias breves, quase indolores e com resultados aparentemente convincentes? Será que a psicanálise encaminha-se para um honroso lugar na história da cultura e da ciência, e está deixando de fazer parte do mundo real, atual, vivo e em contínuo desenvolvimento?


Todas essas questões e muitas outras correlatas têm sido alvo de reflexão e estudos nos últimos anos. Um órgão recente e extremamente ativo do IPA, a Casa de Delegados, devotou 3 anos a um exame quantitativo dessas questões e revelou dados que evidenciam a vitalidade do pensamento psicanalítico e a ampla extensão de sua aplicação em várias áreas da cultura e das ciências da saúde. A Comissão de Pesquisa da IPA produziu recentemente um extenso levantamento de pesquisas que evidenciam a eficácia e a efetividade dos tratamentos psicanalíticos.


A partir de agosto de 1997, a IPA passou a contar com uma Comissão de Psicanálise e Sociedade, cujo objetivo central é exatamente estimular e ampliar a interface entre a psicanálise e a cultura circundante, em especial as profissões de saúde, as universidades, os sistemas de saúde, a mídia e as áreas da produção artística e cultural. Em dezembro de 1998, esta Comissão promoveu um simpósio em Nova York, intitulado "Melhorando Nossa Interface com a Cultura: Possibilidades e Ações", em que se discutiu a situação desse relacionamento na Europa, na América do Norte e na América Latina, suas peculiaridades regionais e seus possíveis caminhos. Tanto este Simpósio como a revisão de pesquisas realizada pela Comissão de Pesquisa da IPA podem ser lidos e estudados na homepage da IPA (http://www.ipa.org.uk).


Assim, não só a Associação Psicanalítica Internacional, como a Federação Psicanalítica da América Latina (FEPAL) , e as várias sociedades a elas vinculadas estão empenhadas na reflexão sobre as questões que mencionei, bem como na tomada de medidas concretas que permitam a continuação desse intercâmbio que tem enriquecido tanto a sociedade quanto a psicanálise.


As expectativas que cercaram o surgimento da psicanálise, em termos de seu alcance e poder transformador, tanto dos pacientes quanto dos grupos sociais, revelou-se exagerada, por certo, e atualmente temos uma visão mais realista de nossas possibilidades, alcances e limitações. A abordagem psicanalítica pode enriquecer a compreensão dos fenômenos culturais e essa interface com a cultura, por outro lado, estimula a psicanálise a se desenvolver, no convívio, confronto e diálogo com outros saberes. A trajetória de psicanalistas que viveram na fronteira entre psicanálise e cultura, como Cyro Martins, é um estimulante exemplo desse convívio mutuamente fertilizador. Da mesma forma, as atividades do Centro de Estudos de Literatura e Psicanálise Cyro Martins não só dão seguimento a esse frutífero intercâmbio, como desenvolvem e criam novas formas de pensar e sentir. Pensar e sentir estão no âmago do corpus psicanalítico, tanto quanto na raiz daqueles valores que constituem a cultura em que vivemos.


Dr. Cláudio Eizirik
é membro da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre, Coordenador do Comitê de Psicanálise e Sociedade da IPA, Presidente da FEPAL