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OUTRAS FRONTEIRAS - SUMA PASSAGEM PELO E PARA O PRIMEIRO MUNDO: MEXICANOS NA AMÉRICA | Imprimir |  E-mail

Noemi Kurtz


Em julho de 2002, conheci Madera, uma pequena cidade, no coração da Califórnia, com bonitos jardins, ruas e ciclovias arborizadas; por onde diariamente eu me dirigia à escola de bicicleta. Encontrava pelo caminho lindos esquilos, que escondiam-se por detrás dos arbustos. Pássaros coloriam o céu, e os bandos de corvos escureciam muitas vezes a paisagem. A impressão é de que também ali todo o cuidado era pouco. Madera está localizada no Vale de São Joaquim, maior produtor de horti-frutigrangeiros dos E.U.A.; também chamado A Mesa da América. Raras são as casas que não ostentam na fachada, hasteada, a bandeira nacional. Mescla-se à população local um grande número de imigrantes mexicanos, que buscam melhores oportunidades de trabalho. Saber inglês não basta para se viver ali, o espanhol é língua fluente, e uma das exigências a quem se propõe a trabalhar. Meu primeiro desejo, como estrangeira curiosa, era aprender o inglês, e para isso freqüentei a escola pública Madera Adult School por 4 meses, onde concluí o semestre e tive a oportunidade de conhecer a realidade do povo mexicano que imigra para lá, em busca da estabilidade econômica.


Nesse momento senti que poderia dar continuidade ao trabalho junto ao Projeto Fronteiras Culturais, mesmo estando longe da fronteira onde ele estava sendo realizado e onde por mais de um ano eu questionei os ouvintes da rádio Cidade AM de Santana do Livramento, sobre O que é Viver na Fronteira? Em Madera, eu perguntava: O que é Viver nos E.U.A, para o mexicano? Meu universo de pesquisa era limitado, foram vinte pessoas que me transmitiram seus anseios, suas realizações, a saudade de suas origens, e também o carinho pela terra que os acolheu.


Mexicanos na Califórnia


Alicia Raigoza, com 62 anos, vive nos EUA desde 1973, vindo de Juarez, Estado de Chiuahua. Recorda que, ainda muito pequena na garupa do irmão mais velho, acompanhava os pais, que se embrenhavam nos cerros da fronteira, ilegalmente, em busca de trabalho nas épocas das safras agrícolas americanas, junto com centenas de famílias mexicanas. A comida era preparada no campo, no fogo de chão. Sua mãe sovava as tortillas, que depois de grelhadas eram saboreadas pela família. Casou-se com um mexicano naturalizado americano e voltou à América em busca de uma vida melhor. Sua maior dificuldade foi conciliar o trabalho e o cuidado com os sete filhos pequenos. Inicialmente trabalhou em floriculturas, depois no campo, onde cortava alfaces, plantava e também limpava a lavoura. Conseguiu compor um patrimônio que hoje lhe dá o privilégio de viver de rendimentos, em uma casa muito confortável dentro dos padrões norte-americanos, ter uma Hylux, e só agora, estudar inglês. Vai ao México freqüentemente, onde visita a família, saboreia a culinária e passeia em Guadalajara e Cuernavaca, a cidade da eterna primavera.


Francisco Xavier, com 56 anos, vive em Madera porque sua família está toda ali. Exerce a profissão de soldador e o que mais gosta é de trabalhar. Se pudesse voltaria para o México. Sua maior dificuldade é não entender o inglês. O campesino Lorenzo Santiago, com 38 anos, natural de Tlaxiaco, estado de Oxaca, queria superar-se e está atingindo seus objetivos. Suporta a distância da família porque tem muita fé.


Os olhos de Alberta Garcia brilham quando recorda os hotéis e as palmeiras de Acapulco, cidade de onde veio há 16 anos, com 5 filhos. Lá vendia comida mexicana na praia. Em Madera tem um restaurante, a Taqueria Guerrero onde serve pratos típicos do México, o Mole Rojo e Verde, o saboroso Menudo, tacos, tortillas e pescados fritos.


Macaria Mendonza, indígena, com 47 anos, veio de Cuslauaca, Estado de Guachaca, há 16 anos, com seu marido, quando receberam a anistia do governo americano. Trabalham no field (campo). Seus avós viviam em tribos indígenas, seus pais cresceram na cidade. No México sentia-se livre, sente muito a falta do calor humano de seu povo, e afirma: “ Los jovenes les gustam sanduiches, nosotros tenemos nuestros costumbres, salsitas, tortillas calentitas, frilloles e papitas. Mantenemos nuestros costumbres de juntar la familia, los americanos a los 18 años se van, nuestros hijos estan siempre junto de nosotros.” Fala espanhol e em casa o dialeto mexicano Misteco. Agradece nossa atenção em Misteco: tanvi inini (obrigado).


Samuel Cruz, com 26 anos, é o exemplo característico do jovem mexicano que deslumbra-se com a América. Aos 14 anos quando chegou na Califórnia, ingressou nas pandillas (um dos maiores problemas que o governo americano atualmente está enfrentando. Na cidade de Madera, com 45 mil habitantes, 6 mil pessoas estão envolvidas com pandillas (quadrilhas) ou seja 15% da população. Destacando-se os dois maiores grupos rivais: Sureños e Norteños), envolveu-se com drogas e participava das rixas entre os pandilleros . Condenado à Casa de Reabilitação, teve a oportunidade de mudar de vida através do convívio com missionários, que lhe mostraram a palavra de Deus. Na prisão, estudou inglês. Hoje trabalha na construção de casas e prepara-se para ser Pastor. As famílias têm um envolvimento muito forte com a religião, todos apegam-se muito à fé. Carmem Rodriguez, com 56 anos, é mais um exemplo disso. Há 25 anos na Califórnia, tem na fé sua segurança, e afirma que Deus é o responsável por sua situação. Prepara-se para abrir sua padaria, e é na escola que faz seu marketing, vendendo o que produz em pequena escala. É impossível deixar de citar a alegria de Fulgêncio Luna Reyes, o carinho de Maria Figueroa, Maria Helena Puentes, Esperanza Garcia, Maria Pulido, Rosa Toro, Maria Lozano, Ana Vazquez, Elizabeth Gutierrez, Benito Leon, Damian Ojeda, a amizade de Lupe Torres e do professor Miguel Rodriguez, e a atenção do Community Education Manager David Hernandez.


O verão que me recebeu com seu forte calor e o belo pôr do sol, foi-se embora. Ao despedir-me de Madera, o fog do outono já fazia parte dos dias, e não permitia que eu enxergasse o que deixava para trás.. “ Las mejores cosas de la vida, son las personas que queremos, los lugares que hemos estado, y las memorias que hacemos durante el camino. Esas cosas bellas las guardamos por siempre en nuestros corazones.”


A Integração Natural e a Integração Necessária


Conviver com meus amigos mexicanos, foi tão magnífico quanto conviver com meus amigos santanenses e riverenses. Posso afirmar que o calor humano destes três povos tem a mesma intensidade. São solidários e fraternos. Em Santana do Livramento e Rivera, fronteira do Uruguai com o Brasil, eu questionava pessoas que não saíram de suas origens, mas que no decorrer do tempo foram integrando seus hábitos e costumes, e a medida que se conheciam, mais as relações se entrelaçavam e se transformavam de uma forma tão forte que influenciou o próprio idioma, dando origem a uma nova língua, o portunhol, hoje reconhecido por muitos antropólogos pesquisadores. A própria cultura enriquece as duas nações, um exemplo é o idioma espanhol que atualmente faz parte do currículo de muitas escolas brasileiras. Outro dado muito interessante a ser notado é a integração natural que existe entre o povo brasileiro e o povo uruguaio.


O que eu pude sentir em relação ao povo mexicano que chega aos E.U.A., é o que poderíamos denominar de integração necessária, de um povo pobre, que tem ambição, e busca melhores oportunidades de trabalho. Centenas morrem no caminho deste objetivo, e a maioria entra no País de forma ilegal. Eles só saem do México por não conseguirem dar à família a educação e o conforto que encontram no País vizinho.


Na sua generalidade chegam em família, com pouco dinheiro, e habitam a periferia da cidade. Sem documentos legais para permanecerem em solo estrangeiro, uma das alternativas de trabalho é o campo. Para protegerem-se do escaldante sol da Califórnia usam aventais e lenços brancos sobre os chapéus, e no final do verão, (agosto e setembro), é bonito de ver as centenas de trabalhadores, homens e mulheres, nos extensos parreirais do Vale do São Joaquim, organizadamente vestidos de branco, colhendo uvas de mesa, que são consumidas pelos norte-americanos e também exportadas para a Europa e Canadá. Em fevereiro, época da poda, a cena se repete. Outra forma alternativa de trabalho que lhes rende muito é a construção civil, o governo americano investe no desenvolvimento das pequenas cidades, financiando com juros baixos e a longo prazo a aquisição da casa própria, originando uma grande oferta de trabalho para pedreiros e marceneiros. As mulheres após o plantio e colheita das lavouras, trabalham como faxineiras. Desta forma os mexicanos permanecem por 5 anos, tempo em que podem solicitar seu número de seguro e iniciar sua legalização. Hoje eles já possuem representantes seus, dentro do governo americano, deputados e senadores, que lutam por igualdade de direitos, mas mesmo assim sofrem discriminação por parte da justiça que condena o imigrante latino a penas mais severas que o cidadão americano, na mesma tipificação penal.


Um dado interessante a ser lembrado, é que os filhos dos mexicanos estudam em escolas americanas e cedo começam a trabalhar no comércio local. Para facilitar o entendimento e assim aumentar o consumo, é imprescindível que todo o comerciário saiba falar inglês e espanhol, afinal o mercado consumidor latino desta região é muito grande e na sua maioria não possuem nem os conhecimentos elementares do próprio idioma. Nota-se uma grande força de vontade de todos em aprender a língua inglesa, e é nos meses de chuva, quando inicia o outono, que as escolas públicas ficam lotadas de adultos, ansiosos por aprender. No final do inverno, eles se despedem e prometem retornar quando iniciar o próximo outono, o que sempre acontece, conta o professor. São unânimes em afirmar que sentem muita saudade do México, mas preferem ser pobres na América.


Mexican American School - Senior Center
Colegas
Em pé: Maribel, Anita, Alberta, Ana, Luci, Maria Figueroa, Kuqui, Elba, Maria, Rosa
Embaixo: Damian, Lorenzo, Fulgêncio, Benito, Olga, Juan e Noemi.


ATRAGÉDIA CALADA

Tijuana - Diariamente entram nos EUA, de forma legal, 1 milhão de trabalhadores mexicanos – muitos de carro, alguns caminhando-, além de 5 mil ilegais. Estes últimos, ao pularem o muro, logo são detidos e são mandados de volta ao México, onde vão aumentar as filas em albergues de cidades fronteiriças cotizadas pelo excesso de população. Os que conseguem burlar a vigilância, vão lavar pratos em Los Angeles, ser jardineiros na Pensilvânia ou entregadores de pizza em Nova York. Foram seduzidos pelo “sonho americano” a ponto de arriscarem a vida na travessia de desertos insondáveis, onde os desafios são constantes: escorpiões, cobras venenosas, sede, fome. Ou o frio do Rio Grande, onde morreu congelada, em março, a mineira Francelina Pereira da Costa, de 37 anos.(...)

Marco Antônio de Lacerda.
IN: Estado de São Paulo, 12/5/03 – A14.